Entre Sombras e Promessas
A chuva caía fina, insistente, como se o céu lamentasse junto comigo. O guarda-chuva preto mal cobria meus ombros, e o vento parecia determinado a me despir de qualquer dignidade que ainda me restava. Ao meu lado, o caixão descia lentamente, engolido pela terra fria e úmida. Dentro dele, estava meu irmão — meu último elo com o mundo que eu conhecia.
Mateus Rodrigues. Vinte e nove anos. Morto por “causas desconhecidas”. Foi isso que a polícia escreveu no relatório.
Mentira.
Eu conhecia Mateus. Sabia que ele andava envolvido com pessoas erradas, embora nunca tivesse coragem de me contar tudo. Ele achava que estava me protegendo. Mas agora ele estava morto, e eu estava sozinha, com um coração partido e uma desconfiança que crescia a cada batida.
Meus olhos varreram os poucos rostos presentes no enterro. Tia Cida chorava baixinho, segurando um terço. Um velho amigo da faculdade de Mateus murmurava palavras de consolo. O resto... sombras desconhecidas.
Foi quando eu o vi.
Do outro lado do cemitério, parado sob uma árvore, havia um homem. Alto, imponente, vestido com um terno escuro perfeitamente alinhado. Ele não se aproximou. Não tentou consolar ninguém. Apenas observava, com olhos de predador. Olhos que, por um segundo, cruzaram os meus e me fizeram prender a respiração.
Havia algo nele que gelava a espinha — não só pela beleza fria, mas pela sensação de perigo que emanava de cada movimento contido.
Eu não sabia quem ele era. Ainda não.
Mas alguma coisa me dizia que aquele homem seria o começo do meu fim
---
Eu queria chorar, mas não conseguia. Era como se o luto tivesse se prendido à minha garganta, me sufocando em silêncio. O mundo ao redor parecia distante, embaçado pela dor e pela garoa insistente. Ainda assim, eu não conseguia parar de olhar para aquele homem.
Ele não fazia parte daquele cenário. Não era parente, nem amigo. Não tinha o olhar perdido de quem lamenta — e sim o olhar atento de quem observa tudo, como se analisasse uma peça importante em um tabuleiro de xadrez. E, por algum motivo, eu sentia que essa peça era eu.
Quando o último punhado de terra caiu sobre o caixão, me virei para sair. Mas algo me fez hesitar. Aquela presença... aquela sensação de estar sendo seguida, mesmo que os passos fossem silenciosos.
Eu sabia que o nome do meu irmão estava ligado a dívidas, negócios sujos, favores que nunca deveriam ter sido feitos. Mas eu acreditava que, enquanto eu me mantivesse fora disso, nada me atingiria.
Ingênua.
De volta ao pequeno apartamento que dividia com Mateus, tudo parecia mais vazio do que nunca. Os copos sujos na pia, o casaco dele jogado no encosto do sofá, a foto dos dois na estante... A vida havia parado, mas as lembranças continuavam ali, gritando em cada canto.
Naquela noite, depois de horas encarando o teto sem dormir, ouvi o primeiro sinal de que minha vida estava prestes a mudar para sempre.
Uma batida seca na porta. Uma, duas, três vezes.
Olhei o relógio. Duas da manhã.
A hesitação me paralisou. Não era normal. Ninguém batia naquela porta àquela hora. Meu coração disparou, e minha mão tremia quando me aproximei com cuidado.
— Quem é? — minha voz saiu fraca, trêmula.
Silêncio.
Então, uma voz grave, controlada, como se cada palavra fosse medida com precisão, respondeu:
— Aslan Amaral. Precisamos conversar, senhorita Rodrigues.
O nome cortou o ar como uma lâmina. Eu nunca o tinha ouvido antes... mas algo dentro de mim soube, naquele exato instante, que aquele era o homem de terno preto. E que minha vida — a que eu conhecia até aquele momento — acabava ali.
---
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 40
Comments
MARCIA GUIMARÃES
Muito bom! Tomara que não se perca autora /Good//Good//Good/
2025-05-28
1