III.

A alvorada rompeu sobre St. Joseph com uma promessa fria e cinzenta. A agitação que marcara os dias anteriores intensificou-se, transformando-se numa urgência quase febril. Era o dia da partida. O som das correntes sendo presas, dos bois mugindo em protesto, das rodas rangendo na lama e das despedidas apressadas criava uma sinfonia dissonante de esperança e apreensão.

Oscar já estava a cavalo, seu fiel friesian preto, Furacão, movendo-se com impaciência sob ele. Desde o amanhecer, ele estivera organizando os homens designados para a guarda, distribuindo tarefas, estabelecendo a ordem de marcha e as posições defensivas. Sua voz, calma mas firme, cortava o barulho ambiente, e seus comandos eram obedecidos sem questionamento. Sua reputação o precedia, e mesmo os homens mais rudes da caravana reconheciam a autoridade natural que emanava dele.

Ele observou as carroças alinhando-se lentamente, formando uma longa serpente de madeira e lona que se estenderia por milhas. Famílias amontoavam-se em seus veículos, os rostos tensos, os olhos fixos no oeste desconhecido. Era um espetáculo que ele já vira antes, mas que nunca deixava de lhe causar um certo aperto no peito – a fragilidade da esperança humana diante da vastidão implacável da natureza e da crueldade dos homens.

Seus olhos varreram a linha de carroças e detiveram-se por um momento na figura solitária de Anne. Ela lutava para controlar Cícero, que parecia particularmente relutante em se juntar à fila. A jovem puxava a guia com força, o rosto corado pelo esforço, a determinação visível em sua postura. Oscar notou como ela parecia pequena e vulnerável ao lado do animal teimoso e da carroça modesta, mas havia uma tenacidade em seus movimentos que o surpreendeu.

Jedediah Smith aproximou-se a cavalo, o rosto ainda mais suado que nos dias anteriores. — Estamos quase prontos, Sr. Wise. Acha que podemos partir em breve?

— Assim que a linha estiver formada e todos estiverem em suas posições. A organização no início é crucial para evitar problemas mais tarde — respondeu Oscar, sem desviar o olhar da cena caótica.

Finalmente, com um último grito de comando de Smith e o estalar de chicotes, a grande caravana começou a se mover. As rodas rangeram, a poeira subiu, e a longa jornada para o Oregon teve início. O progresso era lento, pesado, enquanto as carroças lutavam para sair da lama das margens do rio e ganhar a trilha principal.

Oscar cavalgava ao longo da coluna, seus olhos atentos a qualquer sinal de problema, sua presença silenciosa servindo como um lembrete constante da segurança que ele representava. Ele viu Anne finalmente conseguir alinhar sua carroça, embora ela estivesse visivelmente exausta pelo esforço. Seus olhos se encontraram brevemente quando ele passou por ela. Ele deu um leve aceno de cabeça, um reconhecimento mínimo, profissional. Ela respondeu com um olhar rápido, talvez surpresa pela atenção, antes de voltar a se concentrar na condução de Cícero.

As primeiras milhas foram as mais difíceis. O terreno era irregular, e várias carroças ameaçaram atolar na lama deixada pelas chuvas recentes. Gritos, xingamentos e o esforço conjunto de homens e animais eram necessários para manter a coluna em movimento. Oscar interveio algumas vezes, usando a força de Furacão para ajudar a desatolar uma roda ou dando instruções precisas para contornar um obstáculo.

Foi durante uma dessas paradas forçadas, enquanto ajudava a consertar um eixo quebrado em uma das carroças da frente, que o primeiro encontro significativo com Anne aconteceu. Ela havia parado sua própria carroça um pouco atrás e desceu para verificar Cícero. Ao se aproximar, tropeçou em uma raiz exposta e quase caiu. Instintivamente, Oscar, que estava por perto, estendeu a mão e a segurou pelo braço, firmando-a.

— Cuidado onde pisa, senhorita. A trilha não perdoa distrações — disse ele, a voz neutra, mas o toque firme em seu braço enviou uma corrente elétrica inesperada por ambos.

Anne recuperou o equilíbrio, o rosto corando levemente. Ela afastou uma mecha de cabelo que caíra sobre os olhos âmbar, que agora o encaravam com uma mistura de gratidão e surpresa. — Obrigada, Sr. Wise. Eu… estava preocupada com Cícero.

Oscar soltou o braço dela, o contato terminando tão abruptamente quanto começara. Ele olhou para o boi, que parecia calmo agora. — Ele parece bem. Apenas cansado, como todos nós. O começo é sempre a parte mais desgastante.

— Sim, suponho que sim — murmurou Anne, ainda um pouco desconcertada pela proximidade e pela intensidade do olhar dele. — O senhor parece conhecer bem esta vida.

— É o meu trabalho — respondeu ele, lacônico, voltando sua atenção para o conserto do eixo. A breve interação o deixara estranhamente perturbado. Havia algo naqueles olhos âmbar, uma mistura de vulnerabilidade e força, que o intrigava contra sua vontade.

Anne permaneceu ali por um momento, observando-o trabalhar. Ele se movia com uma eficiência silenciosa, suas mãos calejadas manipulando as ferramentas com uma destreza surpreendente. Não era apenas um pistoleiro; era um homem capaz, habituado a resolver problemas práticos. Ela sentiu uma pontada de admiração, rapidamente seguida por uma lembrança de quem ele era – um homem contratado para proteger, um profissional distante.

— Com licença — disse ela finalmente, voltando para sua carroça. Precisava manter o foco em sua própria jornada, em seus próprios desafios.

Oscar não respondeu, mas acompanhou-a com o olhar enquanto ela se afastava. A imagem da jovem sonhadora, lutando sozinha contra as adversidades da trilha, permaneceu em sua mente por mais tempo do que ele gostaria de admitir. Ele balançou a cabeça, irritado consigo mesmo. Sentimentos não tinham lugar em seu trabalho. Eram uma distração perigosa. Seu dever era com a caravana, com o contrato. Nada mais.

Com o eixo consertado, a coluna voltou a se mover, deixando para trás os últimos vestígios de St. Joseph e adentrando as vastas planícies que se estendiam como um mar de grama até o horizonte. O sol subia no céu, prometendo um dia longo e quente. A jornada mal havia começado, e os perigos reais ainda estavam por vir.

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Comments

Carla

Carla

Nossa que atmosfera envolvente a desse livro ♥️

2025-05-11

1

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