II.

Longe do burburinho do ponto de partida principal, perto das margens lamacentas do Rio Missouri, Anne ajustava a lona sobre sua modesta carroça. Era menor que a maioria, puxada por um único boi teimoso chamado Cícero, e continha todos os seus parcos pertences. Aos vinte e dois anos, ela possuía uma beleza delicada que contrastava fortemente com a aspereza do ambiente. Seus cabelos, de um castanho claro que o sol beijava com reflexos dourados, estavam presos de forma prática, mas alguns fios rebeldes escapavam e emolduravam seu rosto oval. Os olhos, de um tom âmbar quente e expressivo, eram o espelho de sua alma – naquele momento, refletiam uma mistura de apreensão e uma determinação feroz.

Ela não vinha de uma família abastada, nem fugia de um casamento arranjado como no conto original que inspirou sua jornada. Sua partida fora motivada por algo mais difuso, mas não menos poderoso: um desejo profundo por autonomia, por um horizonte mais amplo do que as ruas estreitas e as perspectivas limitadas de sua pequena cidade natal em Ohio. O Oregon, com suas histórias de terras férteis e novas oportunidades, tornara-se o farol de seus sonhos, um lugar onde ela poderia construir uma vida por seus próprios méritos, livre das expectativas e julgamentos que a sufocavam.

Viajar sozinha era uma decisão audaciosa, quase imprudente para uma jovem mulher naquela época. Ela sabia dos perigos, das histórias de caravanas atacadas, de viajantes perdidos, de doenças que dizimavam famílias inteiras. Mas o medo do desconhecido à frente era menor que o medo de uma vida não vivida, de definhar na monotonia e na resignação. Juntara cada centavo que pôde, comprara a carroça velha e o boi Cícero, e partira com o coração palpitando de esperança e temor.

Ao se juntar à caravana Smith & Filhos, sentiu-se imediatamente deslocada. Famílias inteiras se agrupavam, homens trocavam conhecimentos sobre a trilha, mulheres compartilhavam tarefas e preocupações. Ela era uma figura solitária, observando tudo com uma reserva cautelosa. Sua juventude e o fato de estar desacompanhada atraíam olhares curiosos, alguns piedosos, outros desconfiados. Anne erguia o queixo, tentando projetar uma confiança que não sentia inteiramente, e focava-se nos preparativos, verificando as rodas da carroça, a amarração da carga, a saúde de Cícero.

Foi então que o viu pela primeira vez, no dia anterior. O homem alto e sombrio parado no pórtico do saloon. Havia algo nele que a intimidara e, ao mesmo tempo, despertara sua curiosidade. Ele parecia tão distante da agitação ao redor, uma rocha impassível em meio à correnteza humana. Seus olhos azuis encontraram os dela por um breve instante, e Anne sentiu um arrepio percorrer sua espinha – não de medo, exatamente, mas de uma intensidade desconhecida. Soube mais tarde, pelos comentários que corriam pela caravana, que ele era Oscar Wise, o pistoleiro contratado por Jedediah Smith para protegê-los.

Um pistoleiro. A palavra evocava imagens de violência e perigo, mas também de segurança. Era um paradoxo que refletia a própria natureza da jornada que estavam prestes a iniciar. Precisavam de homens como Oscar Wise para enfrentar os perigos do Oeste, mas sua presença era um lembrete constante desses mesmos perigos.

Anne suspirou, afastando esses pensamentos. Precisava ser prática. Verificou o pequeno barril de água, o saco de farinha, a caixa com ferramentas básicas e alguns poucos objetos pessoais – um livro de poesias gasto, um diário com páginas ainda em branco, e um pequeno broche de prata em forma de pássaro, herança de sua falecida avó, a única pessoa que realmente incentivara seus sonhos.

— Precisando de ajuda com isso, senhorita? — Uma voz feminina e gentil a tirou de seus devaneios.

Anne virou-se e viu uma mulher de meia-idade, rosto marcado pelo sol e pelas preocupações, mas com um sorriso amável. Era Martha, esposa de um dos fazendeiros da caravana, que já lhe oferecera algumas palavras de encorajamento no dia anterior.

— Oh, não, obrigada, Sra. Higgins. Acho que está tudo pronto — respondeu Anne, forçando um sorriso.

— Tem certeza, querida? Parece muita responsabilidade para uma jovem sozinha — disse Martha, seus olhos expressando uma preocupação genuína. — Meu Samuel e os rapazes podem dar uma olhada na sua carroça, se quiser. Garantir que tudo esteja firme para a viagem.

— É muita gentileza sua, Sra. Higgins, mas creio que consigo dar conta. Aprendi algumas coisas antes de partir — Anne agradeceu, tentando manter a independência, embora a oferta a tocasse.

Martha assentiu, compreensiva. — Pois bem. Mas não hesite em pedir ajuda se precisar. Somos uma comunidade agora, temos que cuidar uns dos outros. Especialmente com os perigos que nos esperam.

Anne concordou com a cabeça, sentindo um nó na garganta. A bondade de Martha era um bálsamo, mas também a fazia sentir-se ainda mais vulnerável. Ela sabia que sua força e determinação seriam testadas ao limite naquela trilha.

Enquanto Martha se afastava para cuidar de sua própria família, Anne voltou a olhar para sua carroça. Era pouco, mas era seu. Era o veículo que a levaria, esperava ela, para longe de seu passado e em direção ao futuro que sonhava construir. O Oregon. A palavra soava como música em seus ouvidos, uma promessa de verde, de espaço, de liberdade.

Ela acariciou o focinho de Cícero, que ruminava pacificamente. — Seremos só nós dois, meu amigo. Mas chegaremos lá. Temos que chegar.

O boi soltou um mugido baixo, como se compreendesse. Anne sorriu, um sorriso genuíno desta vez. A solidão era assustadora, mas a esperança era mais forte. Ela respirou fundo o ar carregado de poeira e promessas, pronta para enfrentar o primeiro dia da longa jornada rumo ao Oeste, rumo ao seu sonho.

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Comments

Delicia De Souza Brito

Delicia De Souza Brito

ainda não dá comentar, espero sinceramente que seja muito legal.

2025-05-10

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