Renascido do Crepúsculo:Livro 2: Fragmentos do Infinito
O silêncio reinava entre as árvores ancestrais do Bosque de Ilaren, quebrado apenas pelo sussurro do vento e o leve ranger dos galhos altos. Arthur Dias avançava com passos firmes, mas atentos. Seus olhos varriam o caminho à frente como os de um soldado calejado, embora ainda conservassem a curiosidade inquieta de alguém que jamais pertenceria inteiramente àquele mundo.
Etheria mudara desde que ele restaurara os três Códices do Tempo. O céu parecia mais claro, os rios mais plenos. Ainda assim, havia algo no ar — algo que não pertencia ali.
Ele parou diante de uma pedra coberta por musgo, parcialmente enterrada no solo. Sobre ela, símbolos antigos reluziam fracamente sob a luz filtrada do sol. Quando estendeu a mão para tocá-los, um arrepio percorreu sua espinha.
— Você sente também, não é? — A voz veio atrás dele, serena e firme.
Arthur se virou devagar. Elyra emergia entre as árvores, tão silenciosa quanto a névoa matinal que a envolvia. Os cabelos prateados caíam como uma cortina viva sobre os ombros, e os olhos verdes pareciam brilhar com uma sabedoria dolorosa.
— Não sou só eu — disse Arthur, afastando-se da pedra. — O Véu está... diferente. Os caminhos não fluem como antes.
Elyra assentiu. — Há rachaduras, Arthur. Cicatrizes invisíveis no tecido do tempo. Surgiram depois que os Códices foram selados.
Ela tirou algo de dentro da túnica: um pergaminho envelhecido, bordado com fios de prata. Arthur pegou-o com cuidado. Os símbolos desenhados ali eram familiares e ao mesmo tempo estranhos. Uma escrita antiga, quase viva. As letras pulsavam.
— Isso apareceu no Santuário de Auralis — ela explicou. — Ninguém sabe como. Nem mesmo os Sábios.
Arthur franziu a testa. O pergaminho parecia emitir um som fraco, como um sussurro em uma língua esquecida.
“Quando o infinito for tocado, o tempo esquecerá seu nome.”
Ele repetiu as palavras em voz alta. Elas ecoaram como uma profecia sussurrada pelo próprio mundo.
— O que isso quer dizer? — ele perguntou, mais para si do que para Elyra.
— Não sei — disse ela. — Mas os Guardiões Velhos estão inquietos. Algo está se movendo sob Etheria. Algo antigo. Algo que vocês não derrotaram. Só adormeceram.
Arthur olhou para o céu, onde uma fina rachadura — imperceptível a olhos comuns — cintilava por breves instantes antes de desaparecer.
— Está começando de novo.
O Templo dos Guardiões se erguia no alto da Montanha de Lys, esculpido na rocha viva. Ao chegar, Arthur foi conduzido pelos corredores silenciosos até o Círculo de Mármore, onde os Guardiões mais antigos se reuniam. Todos estavam presentes: Kael, de olhos cerrados como se escutasse além do som; Maelir, o mestre dos selos temporais; Soryn, guardiã da Biblioteca Sombria. E no centro, um pedestal vazio. Esperando.
Arthur colocou o pergaminho sobre o pedestal. Ele se abriu sozinho, como se soubesse o momento certo de revelar seus segredos.
Kael se aproximou e leu em silêncio. Quando terminou, sua expressão era de um temor contido.
— Há muito tempo — começou ele — falava-se de um quarto códice. Um que não estava preso ao tempo, mas ao conceito de existência. Uma anomalia. Um erro.
Arthur sentiu o ar rarefeito. — Um quarto códice?
Kael assentiu. — Os Três Códices do Tempo foram criados para estabilizar Etheria, para controlar o fluxo das eras. Mas houve um... experimento anterior. Um artefato incompleto. Abandonado. Fragmentado.
— E agora ele está voltando? — Elyra perguntou, séria.
— Fragmentos do Infinito — disse Soryn, com um toque de reverência sombria. — Ecos de uma realidade que tentou existir antes da atual.
Arthur sentiu o estômago revirar. — Isso significa que o que restauramos... não foi o fim?
Kael ergueu os olhos. — Foi apenas o reinício. Mas o infinito não esquece. Ele aguarda. E agora ele sussurra de novo.
Naquela noite, Arthur não conseguiu dormir. Sentado na sacada de seus aposentos no templo, observava as constelações familiares. Uma delas — a Estrela Gêmea de Arthen — pulsava com um brilho que ele não lembrava ter visto antes. Como se quisesse chamar sua atenção.
Os pensamentos se acumulavam como tempestades dentro de sua mente. Se havia um quarto códice, onde estaria? E o que aconteceria se alguém o reunisse?
Ele ergueu o fragmento de pergaminho. As letras dançavam levemente, como se reagissem à sua presença.
“Fragmentos do Infinito...”
Ele repetiu as palavras e, por um momento, sentiu algo se mover dentro de si. Uma lembrança que não lhe pertencia. Uma voz. Um campo de batalha em chamas. Um nome que ele não conhecia, mas que parecia familiar.
— Arthur.
A voz ecoou em sua mente como um trovão calmo. Ele se virou de repente. Mas estava sozinho.
Ou não?
No dia seguinte, Kael entregou-lhe uma relíquia antiga: um colar de obsidiana negra com um cristal âmbar no centro.
— Foi usado por Guardiões antes de ti, quando enfrentaram aquilo que não podia ser nomeado. Vai te proteger... até certo ponto.
Arthur o colocou no pescoço. O cristal pareceu pulsar com sua própria energia.
— Para onde eu começo?
— Os ventos trazem sussurros das Montanhas Vazias. O tempo lá está... instável.
— Então é lá que vou.
Elyra colocou a mão no ombro dele. — Não vá sozinho. Esses fragmentos não são apenas objetos. Eles mexem com o que somos. Memórias. Realidades. Verdades distorcidas.
— É algo que preciso fazer — ele respondeu. — Mas prometo: voltarei.
Ela sorriu, triste. — Guarde suas promessas, Arthur. O tempo cobra caro por elas.
A jornada até as Montanhas Vazias levou três dias a cavalo. Arthur enfrentou tempestades repentinas, miragens temporais e, por duas vezes, ouviu seu próprio nome sendo chamado pelo vento — por vozes diferentes. Uma delas era sua. A outra... não sabia.
No quarto dia, chegou a uma clareira coberta por névoa cinzenta. No centro, uma árvore morta com galhos retorcidos, e, abaixo dela, uma fenda no chão — larga o bastante para alguém passar rastejando.
Arthur desceu sem hesitar.
Dentro da caverna, o ar era denso. As paredes pulsavam levemente, como se o lugar estivesse vivo. Ao fundo, algo brilhava com luz pálida. Ele avançou com cautela até encontrar uma pequena estrutura de pedra: um pedestal quebrado com um fragmento flutuando acima dele.
Era como vidro estilhaçado, girando devagar. Quando Arthur estendeu a mão, o fragmento se lançou até sua palma.
Instantaneamente, tudo à sua volta desapareceu.
Ele estava em outro lugar.
O céu era vermelho, e o chão queimava com brasas adormecidas. Um campo de batalha se estendia até onde os olhos podiam ver. Corpos — humanos e criaturas que ele não reconhecia — jaziam por toda parte.
Arthur estava de pé, espada na mão, ensanguentado. Mas não era o Arthur que conhecia.
— Você prometeu voltar — disse uma menina, ajoelhada diante dele, com lágrimas nos olhos. — Você disse que salvaria todos.
O outro Arthur olhou para ela, silencioso. Então se virou e partiu, deixando-a sozinha.
O Arthur verdadeiro gritou, tentando alcançá-la. Mas a visão desapareceu.
Ele voltou à caverna, ofegante. O fragmento agora estava frio em sua mão.
E junto com ele, vieram as palavras:
“Toda verdade esquecida deseja ser lembrada.”
Arthur guardou o fragmento no bolso interno da túnica. Seu coração batia rápido, não pelo esforço físico, mas pela emoção. O que quer que fossem esses fragmentos... não eram apenas pedaços de um artefato antigo. Eram janelas para possibilidades. Para erros. Para decisões não tomadas.
E ele as estava abrindo.
Ao retornar à superfície, o céu escurecia. As estrelas surgiam pouco a pouco, e entre elas, Arthur notou algo novo: uma linha tênue de luz cortando o firmamento, como uma cicatriz.
De volta ao templo, Kael e Elyra o esperavam.
— Um dos fragmentos — ele disse. — Já o encontrei.
Kael fechou os olhos. — Então o ciclo começou.
— Tive uma visão. De mim mesmo. Mas era diferente. Eu... abandonei alguém.
Elyra franziu a testa. — São realidades esquecidas. Possibilidades que o tempo rejeitou. Mas agora elas querem ser lembradas.
— E se alguém reunir todos? — perguntou Arthur.
Kael olhou fundo em seus olhos. — Então o Infinito despertará. E tudo o que conhecemos poderá ser reescrito.
Arthur fechou os olhos por um momento. A responsabilidade pesava como nunca antes. Mas ele já fizera escolhas difíceis. E faria de novo.
— Então temos que impedi-lo. Se esses fragmentos estão voltando, preciso encontrá-los antes de mais alguém.
Elyra assentiu. — Não estará sozinho.
Kael pousou a mão sobre o ombro dele. — Vá com sabedoria. E não se perca nas possibilidades. O verdadeiro perigo... é esquecer quem você realmente é.
Arthur assentiu. Então se virou para a estrada, com o fragmento em seu peito, o colar pulsando em seu pescoço, e a dúvida crescente de quantas versões suas existiam... e qual delas sobreviveria até o fim.
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Atualizado até capítulo 25
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Vitória Santurine
começando hoje dia 18/04/25
2025-04-19
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