Capítulo 3 — A Guardiã do Vazio

O segundo fragmento repousava na caixa de ferro ao lado do primeiro. Selados, mas inquietos. Como se desejassem se unir, como imãs separados à força. Arthur os observava em silêncio, debruçado sobre a mesa de pedra na Câmara dos Guardiões. A presença deles pesava mais do que o aço, mais do que qualquer espada que já empunhara.

— Eles estão chamando — disse Soryn, surgindo da sombra como costumava fazer. — Não para você. Mas um para o outro.

Arthur assentiu. — Como se quisessem formar algo maior.

— Não algo. Alguém.

A frase ficou suspensa no ar como uma maldição.

— Ele já tem um fragmento — disse Arthur. — Talvez mais.

— E a cada fragmento que ele absorve, mais ele se distancia de quem você é — completou Soryn. — Ele está se tornando algo... que nunca deveria existir.

Antes que Arthur pudesse responder, Kael entrou na câmara, os passos pesados denunciando urgência.

— Recebemos uma mensagem dos Observadores de Névoa. Um terceiro fragmento pode ter se manifestado nas Ilhas Quebradas.

Arthur se endireitou. — As Ilhas Quebradas? Não eram um mito?

— Não para quem já naufragou nelas. — Kael entregou um pergaminho velho, com um mapa detalhado e símbolos Primevos riscados. — Há uma cripta selada em uma das ilhas. A lenda fala de uma mulher que nunca envelheceu. Uma guardiã esquecida. Ela pode ter contato com o fragmento... ou ser parte dele.

— E se for uma armadilha? — Elyra perguntou, entrando logo atrás. — O outro Arthur pode estar nos guiando.

— Se for — disse Arthur, com o olhar firme —, então eu vou encará-lo de novo.

A travessia pelas águas escuras até as Ilhas Quebradas foi feita a bordo do Ventus Sombrio, uma embarcação dos Ventos Silenciosos, antigos aliados dos Guardiões. Durante o trajeto, Arthur sentia o mar sussurrar. Vozes afogadas, memórias que não vivenciara. À noite, sonhou com Elyra sangrando em seus braços, com Kael desintegrando-se em poeira, com Soryn virando névoa.

E no centro de tudo, o trono de ossos.

Ele acordou suando, os dedos crispados na bainha da espada.

— Ainda são apenas sonhos — murmurou, tentando convencer a si mesmo.

As Ilhas Quebradas eram fragmentos de terra flutuando sobre um mar revolto, mantidas por raízes petrificadas que se entrelaçavam como serpentes. Árvores mortas cresciam de pedras rachadas, e o céu parecia sempre em crepúsculo, como se o tempo ali se recusasse a andar.

Arthur desembarcou sozinho, como combinado. Os Ventos Silenciosos não pisavam ali desde a Última Deriva, quando um grupo de exploradores jamais voltou.

A cripta ficava no coração da ilha principal, escondida sob uma árvore morta de vinte metros de altura. O chão rachou sob seus pés quando ele tocou o tronco. Uma escada se revelou, mergulhando na escuridão.

Ele desceu.

Degraus cobertos de poeira ancestral, corredores estreitos com inscrições em espiral, e no fim de tudo, uma porta de cristal negro. Ela se abriu ao seu toque.

Lá dentro, no centro de uma câmara circular, havia uma mulher.

Ela estava sentada sobre uma pedra lisa, olhos fechados, cabelos prateados espalhados como véu ao redor. Parecia jovem — não mais de vinte —, mas exalava uma presença que o fez estremecer.

— Você chegou tarde — disse ela, sem abrir os olhos.

Arthur se aproximou com cautela. — Você é a guardiã?

— Sou o que resta dela — respondeu a mulher, abrindo os olhos. Pupilas douradas. Eternas. — Já fui chamada de muitas coisas. Hoje, me chamam de Varda.

— Você tem o fragmento?

Ela sorriu, com tristeza. — Eu sou o fragmento.

Arthur parou. — Como assim?

— Há mil anos, fui escolhida para proteger o vazio entre as possibilidades. Quando o terceiro fragmento se fragmentou, ele se prendeu a mim. E desde então, eu vivi... incontáveis vidas dentro de mim.

Arthur sentiu o chão balançar. — E por que está aqui?

— Porque fugir não adianta — disse Varda, levantando-se. — O Outro já me encontrou uma vez. Mas ele não me tomou. Ele me temeu.

— Temeu?

— Porque eu vi através dele. E vi o fim. Um fim que nem mesmo ele deseja.

Ela se aproximou, os olhos brilhando como estrelas agonizantes.

— Você veio me levar?

— Eu vim impedir que ele leve você — respondeu Arthur. — Mesmo que isso signifique... protegê-la de mim mesmo.

Varda o estudou por longos segundos. — Então talvez ainda haja esperança para esse mundo.

Mas então, o mundo tremeu.

Explosões ecoaram no céu. Fendas se abriram no teto da cripta, revelando relâmpagos púrpura cortando as nuvens. Arthur empunhou sua espada.

— Ele chegou — disse Varda. — Mas não fisicamente. Apenas como projeção.

Uma silhueta surgiu na entrada da câmara. Escura. Distante. Mas claramente Arthur. O Outro.

— De novo você corre para o erro — disse o Outro Arthur. — Essa mulher é uma prisão. Um abismo disfarçado de esperança.

— E ainda assim, você não conseguiu quebrá-la — respondeu Arthur.

— Porque ela me conhece. Demais. — O Outro estreitou os olhos. — Mas você... ainda pode ser moldado.

Arthur avançou. Mas seu golpe atravessou apenas sombras. O Outro não estava realmente ali.

— Você não precisa fazer isso — gritou Arthur. — Não precisa se perder!

O Outro sorriu. — Eu já fui você. E por isso... sei como essa história termina.

E então desapareceu.

Varda cambaleou.

— Ele drenou parte de mim. Mesmo sem me tocar.

Arthur a segurou.

— Eu vou te tirar daqui.

— Você não pode — disse ela. — Eu sou a âncora das Ilhas. Se eu partir, o vazio se libertará. E o fragmento comigo.

Arthur olhou ao redor. As paredes já estavam rachando. As raízes vibravam.

— Então me ensine. Ensine a controlar o fragmento. A usá-lo sem que ele me consuma.

Varda o encarou com olhos que pareciam pesar mil anos. — Isso te mudará para sempre.

— Já estou mudando — respondeu. — Só quero mudar na direção certa.

Ela colocou a mão sobre seu peito.

E o mundo se dobrou.

Ele foi lançado para dentro de sua mente, para um lugar onde só existiam reflexos de si mesmo. Viu-se criança, adulto, guerreiro, tirano. Viu-se como rei e como traidor. Viu-se morrendo pelas mãos de Elyra. Viu-se salvando o mundo ao custo de sua alma. Viu-se abraçando o Outro, tornando-se Um.

E então, Varda apareceu no centro de tudo.

— O fragmento não é poder. É memória. Daquilo que você poderia ter sido. E daquilo que ainda pode se tornar.

Ela entregou a ele uma esfera de luz.

— Escolha uma lembrança. E torne-a parte de você.

Arthur estendeu a mão e, entre todas as possibilidades, escolheu uma:

A lembrança de proteger seus amigos. Mesmo que isso significasse perder.

A esfera se fundiu ao seu peito. Ele gritou. O mundo quebrou.

Acordou na superfície da ilha. As ruínas haviam colapsado. Varda estava ao seu lado, fraca, mas viva.

— Agora você carrega parte de mim — disse ela. — E eu, parte de você.

Arthur olhou para o céu. A tempestade se dissipava. Mas algo dizia que aquilo era só o começo.

De volta ao templo, Arthur foi recebido com olhares silenciosos. Ele entregou o terceiro fragmento — agora dentro de si.

Soryn foi a primeira a falar.

— Você está diferente.

— Estou inteiro — respondeu. — Pela primeira vez, sinto que entendo o que estamos enfrentando.

Kael assentiu. — Mas entender não é vencer.

Elyra o abraçou, apertado. — Só não se perca, Arthur. Por favor.

Ele fechou os olhos.

— Se eu me perder... me traga de volta.

Naquela noite, sozinho no alto da torre, Arthur olhou para as estrelas.

E ouviu, ao longe, o som de passos. Não no mundo físico. Mas dentro de sua mente.

O Outro estava vindo. Mais perto do que nunca.

E dessa vez... talvez fosse ele quem estivesse com medo.

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