Capítulo 2 — As Sombras de Si Mesmo

Os corredores do Templo dos Guardiões estavam silenciosos quando Arthur acordou, no meio da madrugada. O fragmento que recuperara das Montanhas Vazias pulsava com uma leve luminescência dentro de sua bolsa de couro, como se estivesse inquieto. Ele se vestiu em silêncio e saiu de seus aposentos, guiado por uma sensação que não sabia nomear — uma mistura de urgência e presságio.

Ao atravessar o Salão dos Ecos, uma figura emergiu das sombras. Era Soryn, envolta em suas vestes negras com bordados prateados que pareciam se mover por conta própria.

— Está indo a algum lugar? — sua voz soou mais como uma afirmação do que uma pergunta.

Arthur hesitou. — Preciso entender o que esse fragmento me mostrou.

Ela se aproximou com passos leves. — Os fragmentos não mostram. Eles despertam. Revelam ecos. Verdades veladas pelo tempo.

— Mas eram lembranças que não são minhas. — Arthur franziu o cenho. — Ou talvez sejam.

Soryn inclinou levemente a cabeça. — Você não é o único Arthur Dias que Etheria conheceu.

As palavras o atingiram como um golpe seco.

— O que isso quer dizer?

— Fragmentos do Infinito são pedaços de possibilidades. Realidades que nunca chegaram a se concretizar, mas que existiram, mesmo que por um instante. Ao tocá-los, você não vê apenas o que poderia ter sido. Você sente. Você vive.

Arthur sentiu um frio subir pela coluna. — Então essas visões... não são apenas ilusões?

— São caminhos que você poderia ter trilhado. E alguns deles ainda podem tentar te puxar de volta.

Ela estendeu uma pequena caixa de ferro, ornamentada com runas antigas.

— Guarde o fragmento aqui. O tempo ao redor dele será suspenso. Mas saiba que cada novo fragmento trará mais... de você.

Arthur guardou o fragmento na caixa e sentiu o silêncio ao seu redor pesar. Era como se o mundo tivesse prendido a respiração por um segundo.

Na manhã seguinte, Kael reuniu o Círculo.

— As visões de Arthur confirmam as suspeitas — disse, encarando cada um dos Guardiões. — Os Fragmentos do Infinito contêm ecos de outras Etherias. E alguém, em algum lugar, está tentando reuni-los.

— Mas por quê? — perguntou Elyra. — Qual o propósito de trazer de volta possibilidades rejeitadas?

— Porque o Infinito não tem começo nem fim — respondeu Maelir. — Ele é a lembrança de tudo o que não foi. E há aqueles que acreditam que possam moldar o presente com base nessas memórias.

Arthur se levantou. — E se conseguirem?

Silêncio.

Kael finalmente falou. — A realidade será reescrita. Todos nós seremos apenas sombras de um passado que nunca existiu.

Foi então que Elyra revelou algo inesperado.

— Antes de você retornar com o primeiro fragmento, encontrei rastros de magia temporal corrompida nos arredores da Floresta das Névoas. Sinais de que alguém cruzou as barreiras entre realidades... vindo de fora.

— De fora? — Arthur perguntou.

— Outra Etheria — ela respondeu, com pesar. — Ou talvez outra versão da nossa.

O silêncio foi absoluto.

Soryn quebrou-o com sua voz suave. — O que quer que esteja acontecendo... não é apenas uma caça por fragmentos. É uma invasão. Uma tentativa de substituição.

Arthur cerrou os punhos. — Então precisamos nos mover. Não posso ficar esperando os fragmentos virem até mim.

— Há relatos de um artefato instável surgido nas Ruínas de Tharion — disse Maelir. — Um antigo laboratório dos Primevos. É possível que o segundo fragmento tenha se manifestado lá.

Kael assentiu. — Mas tenha cuidado. Tharion foi selada por um motivo. Os próprios Primevos temiam o que deixaram para trás.

Arthur ergueu-se. — Então é pra lá que eu vou.

Elyra o encarou com preocupação. — E se encontrar outra versão de si mesmo?

Ele hesitou, depois respondeu:

— Então vou descobrir o que ele quer... e impedi-lo.

A viagem até Tharion foi solitária e perigosa. As trilhas eram cobertas por névoa eterna, e os ventos uivavam como se carregassem vozes esquecidas. À medida que se aproximava das ruínas, Arthur sentia o tempo distorcer ao seu redor. Horas pareciam minutos. Dias, segundos. O próprio céu mudava de cor como se experimentasse possibilidades.

Ele alcançou o portão de pedra negra ao anoitecer. Rachaduras cobriam sua superfície, como cicatrizes. No centro, uma mão gravada em relevo — com seis dedos. Arthur tocou-a, e o portão se abriu com um rangido profundo, liberando um sopro de ar quente e estagnado.

Dentro, túneis se estendiam como raízes de uma árvore morta. Em cada parede, inscrições Primevas pulsavam. Ele seguiu os rastros de energia, sentindo o colar de obsidiana em seu peito esquentar.

Então, ouviu passos. Não ecos. Passos reais.

A sala à frente se abriu como uma catedral subterrânea. No centro, flutuando sobre um altar quebrado, estava outro fragmento. E diante dele, uma figura. De costas. Alta. Postura familiar.

Arthur parou.

— Quem é você? — perguntou, sabendo a resposta antes que ela viesse.

A figura se virou lentamente.

Era ele mesmo.

Mas diferente.

A pele um pouco mais pálida. O olhar mais sombrio. As roupas carregavam marcas de guerra, e a armadura estava rachada. Havia cicatrizes no rosto que Arthur não possuía. E os olhos... carregavam um peso que parecia secular.

— Eu sou o que você teria sido — disse o Outro Arthur — se tivesse escolhido vencer a qualquer custo.

Arthur engoliu em seco. — Por que está aqui?

— Porque você não é suficiente — disse o outro. — Porque Etheria precisa de alguém disposto a fazer o que for necessário. Mesmo que custe tudo.

— E o que você quer? — Arthur perguntou, sentindo o poder do fragmento vibrar entre eles.

— Reunir todos. Refazer Etheria. Uma Etheria onde não houve perda. Onde os fracos não atrapalharam. Onde eu não precisei... falhar.

Arthur se aproximou. — Isso não é equilíbrio. É controle.

— É sobrevivência — disse o Outro. — Você ainda não viu o que está vindo.

— Então me mostre.

O Outro Arthur estreitou os olhos. — Não está pronto.

Com um gesto rápido, ele desapareceu em uma névoa negra. O fragmento caiu lentamente até a palma de Arthur, como se tivesse sido libertado.

Assim que o tocou, outra visão o consumiu.

Ele estava em uma torre alta, olhando para Etheria em ruínas. As cidades estavam em chamas, e o céu, rachado como vidro. Seres de sombra e luz duelavam nos céus. E ele, Arthur, estava em um trono de ossos.

Elyra estava caída a seus pés.

— Isso é o que acontece — disse uma voz, talvez a sua — quando você escolhe demais.

Ele gritou. Mas a visão se dissipou.

Despertou no chão das ruínas, ofegante. O fragmento brilhava em sua mão. Ele o colocou na caixa de ferro, que imediatamente selou a energia contida.

Ao deixar Tharion, sentiu o mundo parecer mais... tênue. Como se cada passo pudesse afundá-lo em outra realidade.

No caminho de volta, Elyra o aguardava.

— Você viu ele? — perguntou.

— Vi. — Arthur assentiu, a voz grave. — Ele sou eu. De um lugar onde eu perdi tudo. E por isso... ele escolheu não perder mais nada. Mesmo que precise destruir tudo para isso.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos. — Isso quer dizer que não estamos apenas lutando contra um inimigo. Estamos lutando contra nós mesmos.

Arthur encarou o horizonte. — E talvez isso seja o mais difícil.

Ao retornar ao templo, entregou o segundo fragmento aos Guardiões. Eles formaram um círculo de proteção em torno das caixas seladas.

— Quantos fragmentos existem? — Arthur perguntou.

— Ninguém sabe ao certo — disse Kael. — Mas os ecos indicam pelo menos sete. Sete realidades. Sete possibilidades.

— Então temos que encontrá-los antes que ele encontre — disse Arthur. — Porque se ele reunir todos...

— A Etheria que conhecemos deixará de existir — completou Soryn.

Elyra colocou a mão no ombro de Arthur. — Você ainda lembra quem é?

Ele fechou os olhos por um instante.

— Ainda lembro.

Mas, lá no fundo, uma dúvida germinava. E se, ao reunir todos os fragmentos, o verdadeiro inimigo não fosse o Outro Arthur... mas o próprio?

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