Florença amanhecia sob um céu límpido, de um azul quase pintado à mão. As ruas de pedra, as flores nas janelas, a arquitetura que contava histórias de séculos — tudo parecia se alinhar para aquele reencontro tão aguardado, ainda que envolto em silêncio e feridas mal cicatrizadas.
Guilherme abriu a porta da casa com um gesto sereno, acolhedor. Sua postura firme de Dom da Máfia Battist era suavizada naquele momento por algo mais profundo: o respeito pela dor e pelo sangue que ligava sua esposa àquele homem que agora atravessava o umbral da entrada com o peso de uma vida nas costas.
Celso entrou com o filho no colo, e Helena logo atrás. Seus olhos percorreram o interior da casa. A sala de estar era elegante e aconchegante, decorada com tons suaves, flores frescas em vasos de cristal, e móveis de design clássico. Nada estava fora do lugar. Tudo era refinado, limpo, quase etéreo. Um contraste brutal com a bagunça emocional que ele carregava por dentro.
Era evidente que ali não havia brinquedos espalhados, risadas infantis ou marcas de mão nos vidros. O bebê de Karina ainda era recém-nascido, e a casa seguia silenciosa, quase como um santuário. Mas Celso não pôde deixar de sentir o coração apertar ao perceber o quanto a irmã havia conquistado. Guilherme havia construído um império ao lado dela. Tudo que Karina jamais sonhara em ter, ele proporcionara com zelo e amor. Ela era cercada por empregados, bem cuidada, e sua única preocupação parecia ser ser feliz.
E isso, por mais absurdo que parecesse, envergonhava Celso.
“Ela conseguiu… sem mim. Talvez por causa da minha ausência”, pensou, sentando-se lentamente em uma das poltronas, com Carlos agora ao lado de Helena.
Os olhos de Karina o observavam em silêncio. Ela não sorria, mas também não o repelia. Esperava. Talvez soubesse que, para aquele irmão, as palavras viriam com dificuldade. E vieram.
— Eu... — começou ele, mas sua voz morreu antes mesmo de formar um pensamento completo. — Eu...
Helena apertou levemente o ombro dele, mas não disse nada. O silêncio crescia na sala como uma onda prestes a engolir tudo.
Karina então se levantou, caminhou até Carlos, e se abaixou para ficar de frente ao menino. Seus olhos marejados cintilavam à luz suave que entrava pela janela.
— Você se lembra de mim, pequeno Carlos? — sua voz saiu como um sussurro doce. — Eu sou sua tia. A tia Karina. Eu te segurei no colo quando você era um bebezinho. Você era tão pequeno… E sabe, desde então, o que eu mais queria era te ver crescer. Poder conviver com você, brincar, ser uma família de verdade.
Ela o envolveu num abraço terno, e Carlos, ainda tímido, permitiu-se ser acolhido. Foi um gesto pequeno, mas repleto de significado.
Para Celso, aquele momento foi uma punhalada no coração. Uma chance que ele quase destruiu com suas próprias mãos. As palavras finalmente romperam as amarras.
— Karina… — ele disse com a voz embargada. — Eu não mereço estar aqui. Mas mesmo assim, eu vim.
Ela se levantou devagar, ainda com o menino próximo.
— Eu sei — foi tudo que ela respondeu.
— Eu vim porque estou arrependido. De tudo. De cada escolha errada. De cada vez que te humilhei, que te neguei apoio. De cada vez que escolhi o poder no lugar da família.
Ele passou as mãos nos cabelos, exausto, quase sem fôlego de emoção.
— Eu perdi tudo, Karina. Fiquei sozinho com um filho nos braços e um coração em ruínas. Lavínia me deixou... por causa da obsessão que eu ainda carregava pela sombra do passado. Me tornei o que eu mais temia: alguém frio, sem amor, sufocado pelo orgulho.
Karina apertou os lábios, mas nada disse.
— Helena… — ele olhou para ela com gratidão — ficou comigo mesmo sem ter obrigação. Ela perdeu o marido lutando ao nosso lado, e mesmo assim… ela ficou. Por mim. Pelo Carlos. Ela se tornou a única amiga verdadeira que me restou.
Os olhos dele se encheram de lágrimas que ele se recusava a deixar cair.
— E sabe o que doeu mais? — sua voz vacilou. — Perceber que você construiu tudo isso. Um lar. Um império ao lado de Guilherme. Uma vida limpa. Uma família feliz. E eu não estive presente em nada disso.
Ele respirou fundo, engolindo o que restava do orgulho.
— Eu te afastei. Fui cruel. Fui injusto. E mesmo assim… você está aqui. De pé. Forte. Como sempre foi. Eu não sei se você vai conseguir me perdoar um dia, mas eu precisava dizer. Vim aqui porque meu coração não suportava mais viver longe da única pessoa que me conheceu antes de tudo. Antes da máfia. Antes da dor. Antes de eu me perder.
Silêncio.
Karina andou até a janela, como se precisasse de ar. Lá fora, o jardim era tranquilo. O sol banhava as flores com delicadeza, o som dos pássaros era suave.
Ela manteve-se de costas por um longo instante, o suficiente para que Celso quase pensasse em levantar e ir embora. Mas então ela falou, sem se virar:
— Você sempre foi meu irmão, Celso. Mesmo quando eu te odiei, mesmo quando desejei nunca mais te ver. Eu nunca deixei de te amar.
Ele levou a mão ao peito, como se tentasse conter o coração acelerado.
— Eu... eu quero fazer parte da sua vida de novo. Mesmo que seja pouco a pouco. Quero que o Carlos cresça sabendo que tem uma família. Quero conhecer o seu filho, o pequeno Lion. Quero ver você feliz, mesmo que doa saber que eu não contribuí com nada disso.
Karina finalmente se virou. Os olhos estavam marejados, mas havia uma expressão serena.
— Então, comece — ela disse suavemente. — Comece agora. Fique. Jante conosco. Fique alguns dias. Vamos ver o que o tempo faz com os corações quebrados.
Celso não respondeu com palavras. Apenas assentiu, os olhos úmidos, e uma lágrima escorrendo pela lateral do rosto. Ele se permitiu respirar. Pela primeira vez em anos, sentiu que podia respirar de verdade.
Ali, naquele lar que não era seu, mas onde ainda havia espaço para perdão, Celso percebeu que talvez... talvez ainda houvesse tempo de reconstruir.
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Atualizado até capítulo 68
Comments
Laudicleia Paulino
olá boa noite. Esse livro é continuação de algum outro?
2025-04-29
0
Ana Karol Campos
gente, sem palavras aqui ... autora do céu... que diferença do livro da babá da filha do mafioso... quanta profundidade e emoção 🥺🥺🥺🥹🥹🥹
2025-05-02
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Abreu Ana
emocionante d mais /Scowl//Scowl//Scowl//Scowl//Cry//Cry//Cry//Cry/
2025-04-14
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