Peso do Nome, a Dor do Silêncio
O sol mal havia nascido, mas Celso já estava de pé.
Vestido de preto da cabeça aos pés, ele olhava para o mapa tático estendido sobre a mesa de reuniões da mansão. Os olhos fixos, mas a mente distante.
Os capos o observavam com respeito — ou medo. O novo Dom da máfia Sol Nascente não deixava espaço para dúvida: ele era frio, estratégico, incansável. Um homem que parecia ter enterrado o coração com o passado.
E, de certa forma, tinha mesmo.
Lavínia estava internada, longe de tudo.
Carlos, seu filho, agora era o centro do universo de Celso.
Mas o universo também podia ser cruel.
— “Vamos eliminar os pontos de infiltração em Okinawa. Se o clã de Ishikawa ousar atravessar a linha de novo, quero que saibam o preço.”
Sua voz era seca. Definitiva.
A máfia precisava de um líder.
Ele seria esse líder.
Mesmo que, por dentro, estivesse desmoronando.
Depois de horas em reunião com seus homens, ele subiu as escadas da mansão, afrouxando a gravata. O som de passos pequenos o fez parar. Carlos corria pelos corredores com o boneco favorito na mão, chamando em voz alta:
— “Mamãe? Mamãe, cadê você?”
Celso sentiu um soco no estômago.
Carlos tinha apenas dois anos, mas já entendia o que era ausência.
Durante os oito meses em que Lavínia esteve confinada na mansão, ela fingiu com perfeição. Acariciava os cabelos do menino, contava histórias, dava risadas forçadas, inventava canções. O amor era falso, mas o apego da criança era real.
E agora, o vazio era ainda mais real.
Carlos vasculhava os cantos da casa, como se em algum lugar entre os sofás e os corredores escuros, a mãe fosse reaparecer sorrindo.
Mas Lavínia nunca mais voltaria.
Celso se ajoelhou e tentou alcançar o filho, mas Carlos se afastou.
— “Não! Quero a mamãe!”
O Dom sentiu os olhos arderem, mas não deixou que as lágrimas caíssem.
Não podia fraquejar. Não diante do filho. Não diante do mundo.
Levantou-se em silêncio e chamou a empregada.
Enquanto a mulher distraía a criança com um desenho animado, Celso foi até o escritório e trancou a porta.
Ali, no escuro, permitiu-se desmoronar.
Sozinho.
— “Você conseguiu, Lavínia...” — murmurou, com os punhos fechados. — “Mesmo longe, mesmo internada, você ainda causa dor.”
Ele culpava a si mesmo por ter deixado Carlos se apegar a ela.
Mas o que podia fazer? Separar mãe e filho à força?
Ele tentou.
Tentou proteger, controlar, amenizar.
Mas Lavínia era uma atriz de guerra. Sabia como manipular até mesmo um bebê.
Agora, Carlos chorava à noite.
Gritava o nome da mãe nos pesadelos.
Acordava procurando pelos braços dela.
E Celso...
Celso era apenas uma sombra.
O pai que tentava ocupar um espaço que jamais seria seu por completo.
Os dias viraram rotina: reuniões, execuções, estratégia, sangue.
E, à noite, histórias infantis contadas com a voz rouca de um homem que esquecia como sorrir.
— “Era uma vez um menino muito corajoso...” — sussurrava, sentado na beira da cama.
Carlos o ouvia com atenção, mas sempre fazia a mesma pergunta no fim:
— “E a mamãe? Onde ela tá?”
Celso respondia com silêncio.
Depois que o menino dormia, voltava para o escritório.
Mais uma garrafa de uísque, mais uma parede rabiscada com nomes, rotas, ameaças.
Ele queria ser o Dom que todos respeitassem.
O nome que ecoaria entre os maiores da máfia.
O homem que ninguém ousaria trair.
Mas no fundo...
O que ele queria era voltar no tempo.
Pegar o garoto nos braços e apagar qualquer traço da mãe que o enganou.
Apagar o próprio erro de ter permitido que ela ficasse por perto tanto tempo.
Mas o tempo não voltava.
E o nome que ele carregava — Farias — era agora um fardo mais do que uma honra.
Do lado de fora, os aliados o aclamavam.
Do lado de dentro, o filho sofria em silêncio.
E ele... apenas sobrevivia.
Mas por Carlos, ele lutaria.
Por Carlos, ele recomeçaria.
Mesmo que sozinho.
Mesmo que quebrado.
O som dos passos ecoava pelos corredores da mansão como um lamento contido. Celso ajeitou o colarinho da camisa e lançou um último olhar ao espelho antes de descer. Seus olhos estavam vermelhos de mais uma noite mal dormida. Carlos, com seus dois aninhos, acordara diversas vezes, choramingando e balbuciando o nome da mãe entre soluços. E ele... mais uma vez, não soubera como consolá-lo.
Naquela manhã, a nova babá chegaria. Não por escolha, mas por pura necessidade.
Ao abrir a porta, deparou-se com uma mulher de expressão doce e postura firme. Chamava-se Helena. Tinha cabelos castanhos presos num coque simples e uma pasta nas mãos.
— Sr. Farias — cumprimentou com seriedade. — Vim conforme solicitado.
Celso assentiu, direto.
— Carlos está no jardim. Ele... está sensível.
Helena apenas fez um gesto sutil com a cabeça e seguiu para os fundos da mansão. Carlos estava sentado na grama, sob a sombra de uma árvore, com o boneco de pano favorito agarrado contra o peito. Os olhos inchados, o rosto ainda manchado de choro.
Assim que viu a mulher se aproximar, o menino virou o rosto, escondendo-o entre os bracinhos e balbuciando:
— Não, não... mamãe, cadê?
Helena não tentou tocá-lo. Apenas se sentou na grama, um pouco afastada, e ficou ali, em silêncio. Fez alguns gestos calmos com as mãos, mostrou o brinquedo de pano que ele tinha deixado cair, mas nada que o pressionasse. E, de alguma forma, aquela presença tranquila começou a quebrar a resistência da criança.
Celso observava de longe. Precisava sair. Tinha um encontro marcado.
Pouco tempo depois, ouviu passos firmes na entrada da casa.
Era Miguel.
O velho mafioso — e pai de Lavínia — Nenhuma menção à filha, nenhum assunto proibido. Aquelas eram as regras.
Celso o recebeu com um aceno breve e o conduziu ao escritório.
— Onde está o meu neto? — perguntou Miguel, a voz mais rouca que o normal.
— No jardim. Com a nova babá. — Celso afundou-se na poltrona, passando a mão pelos cabelos. — Ele está sofrendo, Miguel.
Miguel se aproximou da estante, como se procurasse distração do peso da conversa. Pegou uma garrafa de uísque, serviu dois copos e estendeu um ao genro.
— E você?
Celso aceitou a bebida, mas não respondeu de imediato. Bebeu num gole só, os olhos baixos.
— Tento manter tudo no lugar. A máfia, os aliados, a fachada de poder... Mas quando ele acorda de madrugada e diz “mamãe... vem cá, mamá”, como se ela ainda fosse aparecer pela porta... eu me sinto um lixo.
Miguel permaneceu em silêncio.
— Lavínia destruiu tudo. Enganou o nosso filho por meses. Se fez de mãe. Fez ele se apegar. E agora... ele sente falta dela. Ele a ama. A chama como se ela fosse voltar a qualquer momento.
O velho se aproximou, encarando Celso como se visse o reflexo de um erro antigo.
— Eu tentei fazer alguma coisa por ela, achei que ela mudaria com o casamento de vocês, mas estava errado. — Sua voz era dura, mas havia um peso de cansaço. — Mas também fui cego. Pior... eu sou pai dela.
Celso ergueu os olhos, tomado por mágoas acumuladas.
— Eu só queria proteger o meu filho... — murmurou, a voz embargada. — Mas agora não sei como arrancar dela a dor que ele sente. Como explicar pra ele, Miguel? Ele nem entende o que é perda... só sente o vazio.
Miguel se sentou diante dele, firme.
— Minta.
Celso franziu o cenho.
— O quê?
— Diga que Lavínia morreu.
— Não!
— Escute, Celso. Ela não vai sair de lá nunca mais. A LME decidiu. Lavínia... minha filha... perdeu o direito de ser mãe no instante em que tentou matar uma criança. — Ele respirou fundo, com dificuldade. — E quanto mais tempo Carlos passar esperando por ela, mais vai doer. Dê a ele um ponto final. Crianças esquecem. Ele vai crescer, e a dor vai diluir com o tempo.
Celso virou o rosto, perturbado.
— Você está pedindo pra eu matar a mãe dele... com palavras.
— É a única morte que ela merece. Uma morte simbólica. Indolor. — Miguel se levantou, os olhos pesados de culpa e convicção. — E essa mentira, por mais cruel que pareça, pode ser a única forma de vocês dois viverem em paz.
Celso fechou os olhos.
O silêncio foi preenchido por lembranças. As noites falsas com Lavínia, as promessas vazias, o teatro de uma família que nunca existiu. E agora, o buraco.
— Eu falhei com a Karina — murmurou de repente. — Tentei vendê-la pra fechar uma aliança. Depois roubei tudo dela... tudo por Lavínia. Tudo por uma mulher que só me destruiu.
Miguel não respondeu. Apenas pousou a mão firme no ombro do genro.
— Está na hora de recomeçar, Celso. Pelo Carlos. Pela única coisa que Lavínia deixou de bom.
— Mas como?
Miguel caminhou até a porta, sem olhar para trás.
— Comece enterrando os mortos. Mesmo os que ainda respiram.
E saiu.
Celso permaneceu ali, sozinho.
Do jardim, ouviu uma risada tímida. A primeira em semanas. Carlos, balbuciando palavras desconexas, parecia ter se distraído por um instante com a babá.
Mas logo em seguida, veio a voz fininha e insistente do menino:
— Mamãe? Cadê mamá? Mamãe, vem cááá...
Celso se encurvou na poltrona, cobrindo o rosto com as mãos.
Talvez... talvez fosse mesmo preciso matar o passado.
Mesmo que fosse com uma mentira.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 68
Comments
Isa Abreu
E o quê Celso? mata logo aquela louca, tira de vez da vida do seu filho.
2025-04-22
3
Ana Bezerra
gostando do início. simbora
2025-04-25
0
Dulce Gama
já que o pai dela reconhece que a filha quem errou e pediu pro Celso mentir então minta ela realmente não vai mas voltar mesmo 👍👍👍👍👍🎁🎁🎁🎁🎁🌹🌹🌹🌹🌹❤️❤️❤️❤️❤️
2025-04-11
1