A rotina, o toque e o susto

CAPÍTULO 5

A primeira semana com Maria Eduarda morando na casa passou como um sopro. Para Ana Luiza, era estranho chegar do trabalho e ver a casa em silêncio, limpa, com as filhas alimentadas, e uma jovem mulher no sofá, com um livro no colo, esperando apenas um “oi”. Era estranho… e confortável. Quase íntimo demais.

Na quarta-feira à noite, depois de um dia intenso na empresa, Ana chegou em casa mais tarde do que o habitual. As luzes já estavam mais baixas e as meninas dormindo.

Encontrou Maria sentada à mesa, revisando algo no caderno da faculdade. A blusa de moletom larga, os pés descalços, o cabelo preso de forma desleixada. Ela parecia parte da casa, como se sempre tivesse estado ali.

— Desculpa a hora — disse Ana, tirando os sapatos. — O projeto atrasou mais do que eu queria.

— Tudo bem. As meninas dormiram cedo hoje. Luna brincou até cansar e Valentina pediu que eu lesse a mesma história duas vezes — disse Maria, sorrindo.

Ana sentou-se do outro lado da mesa, esfregando os olhos.

— Às vezes eu me pergunto se sou uma boa mãe.

Maria parou de escrever.

— Por quê?

— Porque... eu trabalho demais, perco momentos com elas. E agora você faz tantas coisas por aqui, que às vezes me sinto como uma visita na minha própria casa.

Maria fechou o caderno devagar. Seus olhos se fixaram em Ana com cuidado.

— Você é uma mãe incrível. Eu vejo nos olhos delas. O que você faz... ninguém faz por obrigação. Só faz por amor.

Houve silêncio. Ana abaixou os olhos, vulnerável. Pela primeira vez, Maria se levantou, deu a volta na mesa e sentou ao lado dela. Tocou levemente seu ombro.

O toque foi breve, mas o suficiente para fazer o coração de Ana disparar.

— Obrigada — disse Ana, baixinho, sentindo o calor subir pelas bochechas.

Maria hesitou, mas não se afastou. Ficaram ali, lado a lado, em silêncio. E foi naquele silêncio que algo mudou.

Na manhã seguinte, Ana estava mais inquieta. Evitava contato visual, falava pouco. Maria percebia, mas não dizia nada.

Ao fim da tarde, quando Maria voltou do mercado com as meninas, Ana estava no telefone. Era Carolina.

— Eu só queria ver as meninas, Ana! — dizia a voz do outro lado, irritada.

— Carolina, você sumiu por um ano. Aparecer do nada e exigir vê-las como se nada tivesse acontecido? Não é assim!

— Você não pode apagar o que eu sou pra elas!

— Você apagou sozinha quando escolheu o Gustavo!

Maria, parada no corredor, ouviu apenas fragmentos. Valentina a olhou assustada.

— Mamãe tá brigando?

Maria se abaixou e abraçou a menina.

— Vai ficar tudo bem, meu amor.

Quando Ana desligou, estava visivelmente abalada. Maria foi até ela, oferecendo um copo d’água. Ana segurou com as mãos trêmulas.

— Desculpa... isso foi péssimo de se ouvir.

— Você não precisa pedir desculpa por estar magoada.

Ana sentou no sofá e, impulsivamente, desabou:

— Ela quer voltar, Duda. Não por mim. Pelas meninas. Mas eu não confio mais. E eu... eu tenho medo. Medo de ceder. Medo de estragar tudo de novo.

Maria se sentou ao lado dela, pegando sua mão.

— Você tem direito de sentir medo. Mas também tem o direito de seguir em frente.

Os olhos de Ana encontraram os dela. Havia um nó na garganta. Mas no meio daquele caos emocional, havia também uma certeza silenciosa: a presença de Maria era um alívio que ela não esperava encontrar tão cedo.

— Você é diferente de tudo que eu já conheci — sussurrou Ana.

— E você é mais forte do que imagina — respondeu Maria, apertando sua mão.

Naquele momento, nada foi dito além disso. Mas pela primeira vez, elas se entenderam num nível que ultrapassava a convivência. Um laço começou a se formar ali — profundo, silencioso, inevitável.

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Comments

Allan Ricardo Araujo

Allan Ricardo Araujo

tinha que ter uma infeliz no meio pra vir infernizar a vida da outra, mas espero que Ana não ceda a essa infeliz da Caroline

2025-04-15

0

A.Maysa

A.Maysa

o amor entre elas vai se tornando tão forte e quando acontecer vai ser maravilhoso de vê

2025-04-08

3

Julinha Rolim

Julinha Rolim

sempre tem q ter um espinho no meio.

2025-05-07

0

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