primeiro dia

CAPÍTULO 2

O relógio marcava exatamente 06:45 da manhã quando Maria Eduarda chegou em frente ao edifício de Ana Luiza. O céu ainda carregava tons suaves de azul e lilás, e a brisa leve da manhã mexia com seus cabelos soltos. Suas mãos suavam um pouco, nervosas. Apesar do semblante tranquilo, ela carregava uma mistura de ansiedade e excitação — afinal, aquele era seu primeiro emprego formal, e a primeira vez que cuidaria de crianças que não conhecia.

Vestia uma calça jeans escura, uma camiseta branca simples, e levava uma mochila com alguns livros infantis, um caderno de anotações, e uma garrafinha de água. Ela tocou o interfone, e logo ouviu a voz suave, porém firme, de Ana Luiza:

— Pode subir.

Ao entrar no apartamento, foi recebida por um aroma de café fresco e um silêncio que logo foi quebrado por uma risada leve de criança. A porta se abriu, revelando Ana Luiza vestida com uma camisa social azul-marinho e calça preta. Seu cabelo estava preso em um coque elegante, e seu olhar estava — como sempre — atento, porém cansado.

— Bom dia — disse Maria, com um sorriso tímido.

— Bom dia. Pontual. Gosto disso — respondeu Ana, abrindo espaço para que ela entrasse.

O apartamento era espaçoso e bem decorado. Nada extravagante, mas muito organizado. Havia brinquedos organizados em cestos na sala, livros infantis empilhados com cuidado em uma estante baixa e um tapete felpudo no centro, onde Luna brincava sentada com um urso de pelúcia.

— Essa é a Luna — disse Ana, com um raro sorriso suave no canto da boca. — Valentina ainda está dormindo, mas já já acorda. Hoje é dia de escola.

Maria agachou-se para cumprimentar Luna, que a olhou com curiosidade. A pequena tinha olhos grandes e castanhos como os da mãe, e cabelo escuro preso num rabo de cavalo mal feito.

— Oi, princesa. Eu sou a Duda. Vamos brincar muito hoje, tá bom?

Luna sorriu e estendeu o urso de pelúcia para ela, como se aquilo fosse uma espécie de ritual de boas-vindas.

Ana observava de longe. Aquilo despertava algo estranho dentro dela. Uma mistura de alívio e... desconforto. Maria Eduarda era doce, gentil e parecia se conectar com crianças de forma quase natural. E isso era exatamente o que Ana precisava. Mas também era perigoso demais. Conexões sempre são.

— A Valentina é mais difícil — disse Ana, quebrando o silêncio. — Ela é esperta demais pra idade, e muito apegada a mim. Vai levar um tempo pra confiar em você.

— Eu entendo — respondeu Maria, levantando-se. — Eu não tenho pressa. Criança sente a verdade.

Ana pareceu concordar com um leve aceno.

— Eu deixei um cronograma colado na geladeira com os horários da escola, lanche, cochilo da Luna e alguns avisos importantes. Minha mãe ainda vai passar aqui por volta das 11h, então você terá uma ajudinha até se acostumar. Às 13h, Valentina volta da escola, e elas almoçam juntas.

Maria prestava atenção a cada palavra como se estivesse ouvindo instruções de um experimento delicado.

— E se precisar de qualquer coisa — disse Ana, estendendo um cartão — esse é o meu número direto da empresa. Evite me ligar por bobagens. Mas, se for necessário, pode me chamar a qualquer momento.

— Entendido.

Elas ficaram em silêncio por um instante. O tempo pareceu pausar. Ana olhou nos olhos da garota, buscando algo — talvez firmeza, talvez segurança. Maria sustentou o olhar com naturalidade. E havia algo ali, um brilho calmo, que Ana não soube nomear... mas sentiu.

— Então... boa sorte — disse Ana, já pegando a bolsa e as chaves do carro.

— Obrigada — respondeu Maria.

Quando a porta se fechou, o apartamento pareceu respirar de novo. Luna engatinhava até o cesto de brinquedos, e Maria a seguiu. Sentia-se leve, estranhamente confortável naquele espaço que não era seu.

Minutos depois, Valentina acordou. Abriu a porta do quarto com os olhos semicerrados, o cabelo todo bagunçado e uma expressão de desconfiança ao ver uma estranha na sala.

— Quem é você?

— Oi, eu sou a Duda... a nova babá. Sua mãe me contratou pra ficar com vocês.

Valentina cruzou os braços.

— Não gosto de babás. A última era chata e mandava eu escovar os dentes toda hora.

Maria sorriu.

— Eu também não gostava de escovar os dentes quando era pequena. Mas sabe o que minha avó me dizia? Que os dentes brilhantes fazem a gente sorrir melhor.

Valentina arregalou os olhos. Pensou. Ficou em silêncio. E sem dizer nada, entrou no banheiro.

Era um começo O dia seguiu com uma suavidade inesperada.

Maria Eduarda logo se adaptou à rotina da casa. Após o café da manhã com Valentina — que ainda mantinha uma pontinha de desconfiança —, ela ajudou a pequena a se arrumar, amarrou seus cabelos com delicadeza e a acompanhou até a van da escola. Valentina saiu sem se despedir, mas antes de entrar no veículo, olhou por cima do ombro e soltou um breve "tchau" baixinho, quase imperceptível.

Para Maria, aquilo já era uma vitória.

Enquanto isso, Luna dormia no sofá com o urso entre os braços. Maria aproveitou o tempo livre para arrumar os brinquedos espalhados pela sala, lavar a louça do café e fazer anotações no seu caderno sobre os horários e preferências das meninas.

Às 11h em ponto, Fernanda chegou. Trazia uma sacola com frutas e um bolo fresco.

— Oi, minha filha. Você que é a Duda, né?

— Isso! Bom dia, dona Fernanda. A senhora é a mãe da Ana?

— Sou sim, meu bem. Pode me chamar de Fernanda. Menina, que olhar calmo o seu. As meninas vão adorar você.

Conversaram por um tempo enquanto Luna acordava de seu cochilo. A bebê abriu os olhos e, ao ver Maria, sorriu de imediato. Era como se ela já tivesse aceitado aquela nova figura em sua rotina.

A tarde correu com brincadeiras leves e muito carinho. Valentina voltou da escola com o humor um pouco mais doce, comeu o almoço e até permitiu que Maria escovasse seu cabelo — um gesto raro, segundo Fernanda. As duas crianças estavam bem, felizes. E Maria sentia, no fundo do peito, que aquele lugar... talvez pudesse ser mais que apenas um emprego.

Já eram quase 19h quando Ana Luiza chegou em casa.

Abriu a porta com passos silenciosos, o salto do sapato ecoando de leve no piso de madeira. O ambiente estava tranquilo. Os brinquedos estavam guardados, a louça lavada, Luna no colo de Fernanda brincando de palminha e Valentina no chão, rindo com Maria enquanto pintavam juntas.

Ana parou na porta da sala. Por um instante, apenas observou. A cena era tão incomum que doeu um pouco. Era como ver sua casa cheia de vida — coisa que não via há meses.

Maria olhou para ela, surpresa com a presença silenciosa. Levantou-se imediatamente, ajeitando a blusa e limpando as mãos com um paninho.

— Boa noite, senhora Ana.

— Boa noite... — Ana respondeu, olhando rapidamente para as filhas e depois para ela. — Elas se comportaram?

— Muito. Luna dormiu bem, Valentina comeu tudo e até deixou eu arrumar o cabelo dela.

Ana arqueou as sobrancelhas.

— Sério?

— Juro.

Fernanda se levantou sorrindo e comentou:

— A Duda tem jeito. As meninas se encantaram.

Ana olhou novamente para Maria. Havia algo em sua forma de falar, no jeito suave de se mover... Algo que incomodava. Ou encantava. Ela não sabia distinguir ainda.

— Que bom... — disse com um leve suspiro. — Pode ir descansar. Amanhã no mesmo horário?

— Claro! Se precisar de mim mais cedo, é só avisar. Boa noite.

— Boa noite.

Maria pegou sua mochila, despediu-se das meninas com beijos e saiu. Enquanto esperava o elevador, sorriu sozinha. Sentia-se leve, e seu coração batia num ritmo diferente. Não sabia explicar, mas ali havia algo especial.

Já no quarto, após o banho das meninas e a casa em silêncio, Ana sentou-se na beirada da cama, ainda com os cabelos molhados. Olhava para o celular, revendo mentalmente cada detalhe do dia. As filhas estavam bem, mais alegres... e ela, por mais que tentasse negar, se sentia mais em paz.

Mas algo a perturbava.

A forma como Maria falava com Valentina. O jeito como Luna sorriu para ela. A leveza com que andava pela casa. Era como se aquela garota de apenas 20 anos tivesse entrado na vida delas com a suavidade de uma brisa... mas com o poder de um furacão silencioso.

Pegou o celular, abriu o bloco de notas, e escreveu uma única frase:

"Ela tem algo que eu não consigo ignorar."

Suspirou. Apagou o que escreveu.

E deitou-se, fechando os olhos, sem saber que aquele era apenas o começo do que mudaria tudo.

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Comments

Julinha Rolim

Julinha Rolim

tá nascendo algo mais forte.

2025-05-07

0

Maria Andrade

Maria Andrade

a história me parece boa

2025-04-22

1

Allan Ricardo Araujo

Allan Ricardo Araujo

bem interessante

2025-04-15

1

Ver todos

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