CONFISSÕES AO ANOITECER

Vai sem direção

Vai ser livre

A tristeza não

Não resiste

Marisa Monte - O que você quer saber de verdade.

Acordei com Valéria abraçada à minha cintura. Uma fresta de sol iluminava o quarto, criando sombras suaves sobre os lençóis. Movi-me devagar para não acordá-la, mas, ao sentir meu movimento, ela me apertou contra si, num pedido silencioso para que eu ficasse.

Rejeitei seu toque. Era estranho acordar com uma mulher na minha cama depois de tantos anos, quebrando a regra que eu mesma impus para não me envolver emocionalmente.

Levantei-me e, ainda nua, fui direto para o banheiro. Deixei a água quente escorrer demoradamente sobre meu corpo, como se pudesse apagar o cheiro de Valéria da minha pele. Mas seu perfume ainda persistia, impregnado em mim.

Quando levantei o rosto e olhei para a porta, lá estava ela, parada, nua, os cabelos presos num coque bagunçado. Seu olhar sério encontrou o meu antes que sua voz cortasse o silêncio:

— Bom dia. Não vou demorar aqui...

Tentei forçar um sorriso e a chamei para o banho, mas ela recusou. Vestiu-se rapidamente e saiu, batendo a porta sem nem ao menos dizer adeus.

Suspirei, saí do banheiro e me vesti às pressas. Pensei em ir atrás dela, mas, ao olhar pela janela, já não a vi na rua. Voltei para dentro, preparei um café forte e bebi devagar, observando a cidade do lado de fora.

Por fim, decidi descer até a loja. Precisava trabalhar, ocupar minha mente e afastar de vez a lembrança da noite passada. Manter-me fria. Manter Valéria distante dos meus pensamentos.

As semanas passaram devagar. Não troquei mensagens com Valéria nem a vi por aí. Em uma cidade tão pequena, é quase impossível ficar muito tempo sem notícias de alguém, mas, de alguma forma, ela consegue. Some sem deixar rastros.

A preocupação começou a crescer dentro de mim, então decidi enviar uma mensagem:

"Boa tarde, quero saber como você está. Como sua mãe está? Manda notícias.

— Ana ☀️"

A resposta veio cerca de dez minutos depois:

"Boa. Estou tentando ficar bem. Sobre a minha mãe… queria conversar pessoalmente. Você está livre agora?

— Valéria 🌙"

Pensei por alguns instantes antes de pedir a Marcela, a adolescente que me ajuda na loja, para ficar no meu lugar enquanto eu saía.

Respondi:

"Sim, posso ir te buscar. Onde você está?

— Ana ☀️"

"Em casa. Te espero.

— Valéria 🌙"

Peguei as chaves, entrei no carro e dirigi até a casa dela. Quando cheguei, Valéria já me esperava na calçada, os cabelos cacheados esvoaçando ao vento, vestindo roupas sociais. Parei o carro ao seu lado e abaixei o vidro.

— Ei, entra…

Ela sorriu antes de abrir a porta e se sentar no banco do passageiro.

— Desculpa estar arrumada demais — disse, ajeitando a roupa. — Acabei de sair do banco e ainda não tive tempo de trocar.

— Tudo bem. Eu estava pensando em irmos à cafeteria da cidade vizinha. São uns quarenta minutos de estrada. O que acha?

Valéria sorriu de novo, um sorriso leve, quase de alívio.

— Acho ótimo. Longe dessa cidade e dos meus problemas.

O trajeto foi tranquilo. Conversei sobre minha semana, e ela, aos poucos, começou a desabafar sobre o trabalho no banco.

Ao chegarmos à cafeteria, escolhemos uma mesa mais afastada, que nos proporcionava privacidade. Pedimos dois cappuccinos, e a atendente foi rápida—logo estávamos sozinhas, imersas na conversa.

Olhei para Valéria e percebi que ela estava mais triste do que nos outros dias. Seu olhar parecia distante, pesado. Então, sem rodeios, falei:

— Estou aqui para te ouvir.

Ela tomou um gole do cappuccino antes de finalmente desabafar:

— Minha mãe vai precisar voltar para o hospital… O médico acha melhor.

Seus olhos ficaram marejados, como se tentasse conter as lágrimas. Mas ela continuou:

— Ela piorou muito essa semana. Sente muitas dores, enjoos… mal consegue comer. Ela precisa mais de mim agora. E eu… eu estou desesperada, angustiada. Às vezes, acho que não vou aguentar.

Dessa vez, as lágrimas escorreram sem controle. Segurei sua mão, apertando-a com firmeza, tentando oferecer algum conforto.

Ela respirou fundo e tentou continuar:

— O médico disse para eu me preparar. Pode ser a qualquer momento…

Sem pensar duas vezes, puxei Valéria para um abraço apertado. Ela se entregou ao meu toque, chorando em silêncio contra meu ombro.

Ficamos assim por um longo tempo. Tudo o que consegui dizer foi:

— Sinto muito… 

Valéria se afastou, enxugando discretamente o rosto, e me olhou com um sorriso tímido.

— Desculpa por estar chorando descontroladamente… Eu precisava conversar com alguém.

— Não precisa se desculpar. Apesar de termos nos conhecido há apenas dois meses, você já se tornou uma amiga.

Ela apenas sorriu e, mudando de assunto, perguntou:

— Quer dividir um pedaço de torta de chocolate comigo?

Assenti com a cabeça, e logo fizemos o pedido. Enquanto comíamos, conversamos sobre as comidas que gostávamos e aquelas que evitávamos a todo custo. O clima ficou mais leve, e por um momento, a tristeza pareceu dar uma trégua.

Quando escureceu, percebi Valéria olhando para o celular com frequência.

— Você precisa ir? — perguntei, enquanto pagava a conta.

— Sim. Acabei de receber uma mensagem avisando que consegui adiantar minhas férias. Começam amanhã mesmo.

— Isso é bom. Quando você vai levar sua mãe ao hospital?

— Daqui a dois dias. Preciso resolver algumas burocracias antes.

Assenti e, enquanto ligava o carro, disse:

— Se precisar de algo, estou aqui. É só me mandar uma mensagem.

A estrada estava vazia, e a noite trazia consigo um frio leve. O silêncio entre nós não era desconfortável, apenas reflexivo. Valéria parecia perdida em seus pensamentos, enquanto no rádio tocava uma playlist de Marisa Monte.

Quando estacionei em frente à casa dela, ela hesitou por um instante antes de dizer:

— Obrigada. Você está sendo uma grande amiga.

Sorri para ela sem dizer nada, apenas a observei entrar em casa antes de seguir meu caminho.

Ao chegar, vi que Marcela já havia fechado a loja. Peguei o celular e mandei uma mensagem agradecendo e avisando que precisaria dela nos próximos dias.

Depois, abri uma garrafa de cerveja, me sentei no sofá e fiquei ali, envolvida nos meus próprios pensamentos.

Mais populares

Comments

Maria Andrade

Maria Andrade

que gelo hein Ana

2025-04-02

1

Ver todos
Capítulos
1 DE VOLTA AO PASSADO
2 RECONCILIAÇÃO
3 Entre o Desejo e a Compreensão
4 Entrega Silenciosa
5 CONFISSÕES AO ANOITECER
6 ENTRE FLORES, SILÊNCIO E CONEXÕES
7 ENTRE O CANSAÇO E O CUIDADO
8 SONHOS E DESPEDIDA
9 O PESO DO SILÊNCIO
10 LUTO E DESEJO
11 SEM ÁLCOOL, SEM ESCUDO
12 PALAVRAS NAO DITAS
13 QUANDO O CORPO DIZ SIM
14 SÓBRIAS NO CAOS
15 A CALMA DE UM NOVO COMEÇO
16 SOL E LUA
17 ABRAÇO QUE VIRA LAR
18 O PESO DOS OLHARES
19 DEDOS E CONFISSÕES
20 O PESO DO PODER
21 SEM MEDO, SÓ NÓS
22 SILÊNCIO ENTRE LINHAS
23 DEPOIS DO GRITO
24 AMOR CALMO
25 EU TAMBÉM ESTOU APRENDENDO A ESPERAR
26 QUANDO ACORDO COM VOCÊ
27 DEBAIXO DO MESMO CÉU
28 PROMETO TE FAZER FELIZ
29 NOSSO JEITO DE SER FELIZ
30 COISAS QUE NÃO SE DIZEM TARDE
31 DISSEMOS SIM!
32 LUA DE MEL
33 ISSO É REAL
34 PARA SEMPRE
35 NOSSO TEMPO
36 EMOÇÕES À FLOR DA PELE
37 SEGUNDA NOITE NO CRUZEIRO
38 TERCEIRO DIA: A BORDO DO CRUZEIRO DO REI
39 ÚLTIMO DIAS DE VERÃO
40 ENQUANTO O CORAÇÃO ESPERA
41 A PRESENÇA DO AMOR
42 DEPOIS DO FIM
43 DEPOIS DA TEMPESTADE, O AMOR
44 REDESCOBRINDO
45 REDESCOBRIR O PRAZER
46 PELE QUE CONHECE O TEMPO
47 O CORPO DELA É CASA
48 ALÉM DE NÓS
49 PROMESSA DE ACOLHIMENTO
50 VOZES QUE CHAMAM
51 PRIMEIRO ENCONTRO, PRIMEIRA PROMESSA
52 LAÇOS EM FORMAÇÃO
53 ONDE O AMOR SE RECONHECE
54 AGORA É DEFINITIVO
55 AS ESTAÇÕES QUE FICARAM
56 EPÍLOGO
Capítulos

Atualizado até capítulo 56

1
DE VOLTA AO PASSADO
2
RECONCILIAÇÃO
3
Entre o Desejo e a Compreensão
4
Entrega Silenciosa
5
CONFISSÕES AO ANOITECER
6
ENTRE FLORES, SILÊNCIO E CONEXÕES
7
ENTRE O CANSAÇO E O CUIDADO
8
SONHOS E DESPEDIDA
9
O PESO DO SILÊNCIO
10
LUTO E DESEJO
11
SEM ÁLCOOL, SEM ESCUDO
12
PALAVRAS NAO DITAS
13
QUANDO O CORPO DIZ SIM
14
SÓBRIAS NO CAOS
15
A CALMA DE UM NOVO COMEÇO
16
SOL E LUA
17
ABRAÇO QUE VIRA LAR
18
O PESO DOS OLHARES
19
DEDOS E CONFISSÕES
20
O PESO DO PODER
21
SEM MEDO, SÓ NÓS
22
SILÊNCIO ENTRE LINHAS
23
DEPOIS DO GRITO
24
AMOR CALMO
25
EU TAMBÉM ESTOU APRENDENDO A ESPERAR
26
QUANDO ACORDO COM VOCÊ
27
DEBAIXO DO MESMO CÉU
28
PROMETO TE FAZER FELIZ
29
NOSSO JEITO DE SER FELIZ
30
COISAS QUE NÃO SE DIZEM TARDE
31
DISSEMOS SIM!
32
LUA DE MEL
33
ISSO É REAL
34
PARA SEMPRE
35
NOSSO TEMPO
36
EMOÇÕES À FLOR DA PELE
37
SEGUNDA NOITE NO CRUZEIRO
38
TERCEIRO DIA: A BORDO DO CRUZEIRO DO REI
39
ÚLTIMO DIAS DE VERÃO
40
ENQUANTO O CORAÇÃO ESPERA
41
A PRESENÇA DO AMOR
42
DEPOIS DO FIM
43
DEPOIS DA TEMPESTADE, O AMOR
44
REDESCOBRINDO
45
REDESCOBRIR O PRAZER
46
PELE QUE CONHECE O TEMPO
47
O CORPO DELA É CASA
48
ALÉM DE NÓS
49
PROMESSA DE ACOLHIMENTO
50
VOZES QUE CHAMAM
51
PRIMEIRO ENCONTRO, PRIMEIRA PROMESSA
52
LAÇOS EM FORMAÇÃO
53
ONDE O AMOR SE RECONHECE
54
AGORA É DEFINITIVO
55
AS ESTAÇÕES QUE FICARAM
56
EPÍLOGO

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!