NUNCA É TARDE PARA O AMOR
..."Lembranças do passado, como folhas secas ao vento,...
...Sussurram segredos, de um tempo que já foi."...
De volta à cidade que prometi nunca mais pisar, as lembranças e a mágoa me atingem com uma força que eu achava ter superado. Os anos longe daqui não foram suficientes. Ao encarar a fachada da casa da minha mãe, sinto meu estômago revirar. Preciso cuidar da mulher que mais me machucou nesta vida e, em troca, terei minha própria vida revirada por causa dela.
Respiro fundo e digo a mim mesma que preciso ser forte. Ela precisa de mim. Sou filha única e não posso abandoná-la, não agora que está doente. Bato na porta e sou recebida por Ester, a cuidadora que contratei assim que soube do estado de saúde da minha mãe. A filha da senhora Francisca me ligou para avisar, e eu não podia ignorar.
Entro em casa e me apresento:
— Bom dia, eu sou Valéria, filha de Dona Rosa. Como ela está?
Ester sorri, me cumprimenta com um abraço e responde:
— Eu sou a Ester. Hoje ela acordou bem, está ansiosa para ver você.
Retribuo o sorriso e agradeço:
— Obrigada por cuidar dela. Vou encontrá-la e depois conversamos. Começo a trabalhar no banco daqui a três dias e precisamos nos organizar.
Ela apenas acena com a cabeça, concordando, e eu sigo para o quarto da minha mãe. Assim que entro, percebo o quanto ela envelheceu. Está magra, abatida, e o câncer a consome aos poucos. Um nó se forma na minha garganta, mas respiro fundo. Não quero chorar na frente dela.
— Bom dia, mãe! Acabei de chegar — digo, beijando sua testa.
Ela segura minha mão e sorri:
— Você está linda, minha filha.
Forço um sorriso, tentando segurar as lágrimas. O médico me orientou a não demonstrar tristeza diante dela, pois preciso proporcionar um ambiente acolhedor para seus cuidados paliativos.
— Como está se sentindo hoje? — pergunto, afastando os sentimentos dolorosos.
Ainda segurando minha mão, ela responde:
— Estou feliz.
Ester entra no quarto para administrar uma medicação, e eu aproveito para sair. Vou para o meu antigo quarto, onde tantas lembranças me invadem. De repente, me sinto sem ar e me permito chorar. As lágrimas que segurei por tanto tempo caem com uma intensidade que me assusta. Em meio aos soluços, relembro o dia em que fui expulsa de casa. Minha mãe descobriu que eu sou lésbica e deixou seu preconceito falar mais alto. Sem ter para onde ir, passei a noite na rodoviária, o único lugar que me pareceu seguro naquela cidade.
Se não fosse pela senhora Francisca, que tinha um restaurante próximo à rodoviária e, sem questionar, me acolheu e me deu um emprego, eu não sei o que teria acontecido comigo. Eu tinha apenas 18 anos. Trabalhei por três meses, juntei dinheiro e fui embora, prometendo nunca mais voltar.
Mas a vida tem suas ironias. Enxugo o rosto, levanto-me e começo a organizar minhas coisas no guarda-roupa. Tomo um banho e decido contratar uma enfermeira para ajudar nos cuidados com minha mãe. Aviso a Ester que estou indo ao hospital em busca de uma profissional.
No hospital, converso com a chefe das enfermeiras, que me indica Míria, uma mulher de 38 anos com bastante experiência em cuidados paliativos. Converso com Míria, que aceita o trabalho, e combinamos para que ela comece no dia seguinte. Ao sair do hospital, caminho pela cidade. Ainda não estou pronta para encarar tudo, então me distraio um pouco.
Percebo que a cidade mudou. Alguns rostos são novos. Paro diante do prédio onde funcionava a igreja que minha mãe me obrigava a frequentar. Agora, a igreja não existe mais; no seu lugar, há uma pequena loja. Entro, observando tudo ao redor, surpresa com a mudança.
— Posso te ajudar? — uma voz feminina pergunta.
Me viro e vejo uma mulher me encarando com curiosidade. Sorrio e respondo:
— Não, eu só entrei porque aqui antes era uma igreja. Fiquei feliz que um lugar tão opressor fechou e deu lugar a algo útil.
Ela arqueia as sobrancelhas, intrigada.
— Faz uns cinco anos que fechou. Eu comprei o local — diz, estendendo a mão. — Sou Ana.
Aperto sua mão e sorrio:
— Prazer, sou Valéria.
— Você é nova na cidade, Valéria?
— Depende… Morei aqui até os 18 anos, depois fui embora. Agora estou de volta, por motivos maiores. Cheguei hoje.
— Seja bem-vinda! Se precisar de algo, provavelmente tenho o que procura.
Sorrio e me despeço.
Percebo que passei tempo demais fora e decido voltar para casa. Os cuidados da noite serão por minha conta, e ainda não sei como lidar com tudo o que está acontecendo. A mágoa ainda pesa no meu peito.
Ester vai embora, e eu fico sozinha com minha mãe. Dou o jantar para ela e conto um pouco sobre minha vida nos últimos anos. Falo sobre minha formação em administração, minha aprovação no concurso e minha carreira como gerente de banco há mais de quinze anos. Como ela sempre previu, não tive sorte no amor.
Vejo uma lágrima escorrer pelo seu rosto e me arrependo de ter sido cruel com a última frase. Ela sussurra:
— Desculpa… Eu não fui uma boa mãe.
Apenas sorrio e respondo:
— Tudo bem.
Mudo de assunto e comento sobre as mudanças na cidade. Digo que está mais agitada e que gostei das transformações. Falo sobre a nova enfermeira que começará amanhã e peço para que ela não se preocupe. Ela sorri enquanto conversamos. O jantar termina, dou a ela um remédio para dor e, em pouco tempo, ela adormece.
Fico sozinha com meus pensamentos. Aproveito para me organizar pela casa e observar o que precisa ser feito. Já que irei morar aqui, preciso deixá-la mais confortável.
Sorrio ao lembrar das vezes em que fumava escondida no meu quarto. O cheiro se espalhava pela casa inteira, e eu corria para abrir as janelas e ligar o ventilador, tentando dissipá-lo. A lembrança me relaxa por alguns minutos, e logo adormeço.
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Atualizado até capítulo 56
Comments
Maria Andrade
já estou gostando da história, me parece bem interessante atualizar por favor
2025-03-30
3
Ana Faneco
já amando suas histórias são maravilhosas parabéns linda 😻💓😻💓💓
2025-04-15
1
Nilva Vieira Santos
suas histórias sempre começa de um jeito muito interessante
2025-04-01
1