Invento o amor
E sei a dor de me lançar
Eu queria ser feliz
Invento o mar
Invento em mim o sonhador
Milton Nascimento - Cais
Estava em casa, sozinha, mergulhada em um livro. As horas passavam devagar. A vida poderia ser mais fácil, mas insistimos em torná-la difícil. Pensei em morrer, mas falhei até nisso. Dirigir sem rumo pareceu uma boa ideia, até que parei aqui, nesta cidade. Um lugar onde ninguém me conhece, onde a memória dela não está estampada em cada canto, onde seu cheiro não impregna meu apartamento. Aqui me pareceu uma boa opção. Gastei todas as minhas economias, vendi o apartamento, comprei este prédio, abri a loja e consegui me manter por um tempo. Já se passaram sete anos, e o vazio no meu peito ainda não foi embora.
Olho para o celular e vejo uma mensagem de Valéria. Respondo e espero uma resposta que não vem. Volto minha atenção ao livro e acabo adormecendo no sofá.
Acordo sentindo o corpo dolorido. Às vezes esqueço que tenho 45 anos e que meu corpo já não responde como antes. Ainda está escuro quando decido sair para correr. Chamo minha cadela, Estrela, e saímos pelas ruas desertas da cidade. O sol ainda não nasceu quando passo em frente à casa de Valéria. Ela está sentada na varanda com a mãe, os cabelos amarrados, óculos no rosto e uma xícara nas mãos. Sorri para a mãe, e percebo que estão se entendendo. Isso me faz sorrir também. Acelero o passo para que ela não me veja. O sol vai nascendo devagar no horizonte, e o silêncio desse momento me faz querer gritar. Corro mais rápido, tentando fugir desse impulso, e chego em casa sem fôlego. Estrela adora quando eu faço isso.
Entro direto no chuveiro, ainda vestida. A água escorre pelo meu corpo, e o rosto de Valéria insiste em aparecer na minha mente. Suspiro. Devo estar carente para pensar tanto nela. Faz três meses que não tenho nada com ninguém. Abro o aplicativo de relacionamento e começo a deslizar pelas fotos das mulheres solteiras da cidade. E então, como se fosse uma brincadeira do destino, a foto de Valéria aparece. Dou um super like e sinto o coração acelerar. Espero que ela corresponda.
Mais tarde, desço para abrir a loja. Organizo tudo e me sento com uma xícara de café, esperando os clientes. Um carro, parecido com o de Valéria, estaciona em frente. Dou um gole no café e escuto sua voz:
— Bom dia, Ana. Você é o único comércio aberto nessa cidade a essa hora. Deve salvar muita gente.
Apenas sorrio, lembrando do super like que dei na foto dela no Tinder. A observo de longe, escolhendo o que vai levar.
— Valéria, você quer café? — ofereço sem nem pensar, enquanto a vejo decidir entre os pães.
— Quero sim. Ainda não tomei. Saí correndo assim que Ester chegou, e estou morrendo de sono.
Sirvo o café e me arrependo da minha falta de educação.
— Eu fui mal-educada com você, nem te dei bom dia.
Na verdade, o que eu queria mesmo era te beijar no estoque, mas afasto esse pensamento e apenas sorrio. Valéria bebe o café enquanto registro suas compras. Antes de sair, ela se vira para mim e diz:
— Se estiver disponível em alguma dessas noites, me liga ou me manda mensagem. Estou entediada...
Ela entra no carro, me deixando zonza e confusa.
Passaram quatro dias e nenhum sinal de Valéria. Decido enviar uma mensagem:
"Ainda está entediada? Pensei que você poderia vir jantar comigo, se for possível. Ou podemos apenas sair pela cidade e parar no mesmo bar.
Ana ☀️"
Ela responde de imediato:
"Olha, poder eu não posso, mas nada que o dinheiro não resolva. Estou precisando conversar com alguém que não fale sobre doença, remédios ou dinheiro. Nem terapia.
Valéria 🌙"
"Te espero às 20:00.
Ana ☀️"
As horas passam rapidamente, e Valéria chega com cerveja. Servimo-nos, e ela começa a falar:
— Minha mãe me pediu desculpas, e eu a perdoei. Eu só quero que ela viva por mais dez anos. Vou levá-la para uma consulta na segunda-feira, e estou com medo do que os médicos vão dizer.
Percebo sua tensão e respondo:
— Você precisa relaxar... E trabalhar esse sentimento de que ela não viva os dez anos que você deseja. Talvez ela não queira porque está sofrendo com a doença.
As lágrimas escorrem pelo seu rosto, e por impulso, eu a abraço. Quando percebo que parou de chorar, entrego outra garrafa de cerveja. Ela bebe apressadamente, e eu faço o mesmo. Tento disfarçar meu desejo por ela, mas Valéria é mais rápida:
— Eu vi seu super like... Se você quiser apenas ser minha amiga e me foder de vez em quando, eu topo.
Abro outra garrafa de cerveja e bebo o mais rápido que consigo. Ela ri, me olhando como se quisesse ler meus pensamentos. Eu sorrio e respondo:
— Por mim, tranquilo. Não acredito no amor, e uma buceta amiga é sempre bom.
Me aproximo dela e a beijo. Ela retribui.
Paro o beijo e digo:
— Vamos jantar?
Ela sorri e concorda com um aceno de cabeça.
— Minha mãe sempre soube da minha sexualidade. Ela me fazia ir aos cultos, me obrigava a namorar rapazes da igreja, mas eu nunca os beijava, e eles desistiam de mim. Quando ela me viu ficando com um colega da escola, surtou. Foi nesse dia que me expulsou... Ela me pegou na cama com essa garota.
Valéria fala enquanto seus longos cabelos cacheados caem sobre o rosto. Ela os afasta com os dedos, e percebo como sua boca grande combina perfeitamente com seus olhos castanho-claro. Tudo em seu rosto está em harmonia.
Volto aos seus relatos e reflito antes de responder:
— Talvez te ver com outra mulher tenha sido difícil para ela, por isso surtou. Não estou justificando o que fez, mas tentando entender o que a levou a tomar essa atitude.
Valéria me olha e diz:
— Você tem razão. E, afinal, já se passaram anos. Hoje tenho 40 anos e me saí bem sem ela.
— Apenas aproveite esse tempo que vocês têm agora para viver o amor de mãe e filha — digo, segurando sua mão.
Ela volta a comer em silêncio.
Depois do jantar, ficamos sentadas conversando no sofá. Nos beijamos novamente, desta vez sem pressa, apenas deixando o tempo seguir seu curso.
Percebo que Valéria está excitada, mas não quero me aproveitar de sua vulnerabilidade. Me afasto. Ela olha o celular e diz:
— Preciso ir. Só paguei algumas horas extras. Depois marcamos, porque você precisa me fazer relaxar.
A beijo uma última vez e a acompanho até o carro. Fico observando enquanto ela desaparece ao virar a esquina.
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Atualizado até capítulo 56
Comments
Maria Andrade
estou gostando da história de Ana e Valéria 😍 interessante
2025-03-30
1
Iara Nicolau
amo suas histórias 💕
2025-05-11
1