Helena chegou em casa, jogou a mochila no chão e se jogou na cama. Abriu o caderno para tentar estudar, mas os pensamentos insistiam em voltar para Miguel e o que ele tinha dito mais cedo.
"O mundo não é só a escola, o bairro rico e os rolês chiques. Tem muita coisa além disso."
Ela nunca tinha parado para pensar nisso. Sempre viveu no mesmo bairro, com as mesmas pessoas, indo para os mesmos lugares.
Antes que pudesse refletir mais, ouviu uma batida na porta.
— Helena, já começou a estudar? — a voz do pai veio do corredor.
— Sim, pai.
Ele entrou no quarto e olhou para o livro aberto na mesa.
— Tem prova essa semana?
— Só uns exercícios.
— Precisa de ajuda?
— Não, tá tranquilo.
O pai assentiu, mas ficou parado por um instante, observando a filha.
— E aquele menino, o Miguel?
Helena franziu a testa.
Capítulo 10 – O Convite
O dia seguinte passou rápido, e Helena nem percebeu o tempo voar
— Ei, patricinha.
Era Miguel, sentado ao lado, com aquele sorrisinho que já estava começando a se tornar familiar.
— O que foi? — ela sussurrou, tentando prestar atenção na aula.
— Cê faz o quê depois da escola?
Helena franziu a testa.
— Nada de mais. Por quê?
Ele se inclinou um pouco mais perto.
— Então cê já tem tempo livre pra conhecer um lugar comigo.
Ela arqueou a sobrancelha.
— Que lugar?
Miguel sorriu de canto.
— Segredo. Mas relaxa, nada que vá sujar sua reputação de garota certinha.
— E por que eu aceitaria ir num lugar que nem sei qual é?
— Porque cê confia em mim.
Ela soltou um riso.
— E quem disse isso?
— Se não confiasse, nem tava rindo.
Helena ficou em silêncio por um instante.
— E se eu disser não?
Miguel deu de ombros.
— Perde a chance de ver um lado da cidade que nunca viu.
Ela mordeu o lábio, pensativa. Miguel a olhava como se já soubesse que ela diria sim.
— Tá bom. Mas se for uma cilada, eu te mato.
Ele riu baixinho.
— Relaxa, patricinha. Vai ser divertido.
— O que tem ele?
— Vocês estão próximos?
— A gente só conversa na escola, pai.
Ele suspirou.
— Só quero que tome cuidado com as amizades. Alguns garotos não têm nada a perder.
Helena fechou o caderno, irritada.
— Miguel não é assim. Você nem conhece ele.
— E você conhece?
Ela ficou em silêncio. O pai balançou a cabeça e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.
Suspirando, Helena pegou o celular e viu uma notificação.
Miguel: E aí, patricinha, já saiu da sua bolha ou tá de castigo?
Ela riu sozinha e respondeu:
Helena: Tô estudando.
Miguel: Ô vida triste.
Helena: Diferente de você, eu gosto de tirar notas boas.
Miguel: Ai, toda certinha. Até parece que nunca pensou em dar uma fugidinha.
Helena: Não sou dessas.
Miguel: Tá bom. Mas ó… um dia cê vai ver que tem vida além desses livros.
Ela ficou olhando para a tela, mordendo o lábio. Sem perceber, estava sorrindo.
Na manhã seguinte, Helena entrou na sala e se jogou na cadeira ao lado de Clara.
— A cara de quem dormiu pouco. — Clara comentou, rindo.
— Culpa dos estudos.
— Ou culpa de outra coisa. — Clara arqueou as sobrancelhas.
— Que outra coisa?
— Talvez um certo garoto que tá sempre te chamando de patricinha.
Helena revirou os olhos.
— Nem começa.
Antes que Clara respondesse, um grupo de meninas sentadas mais à frente começou a cochichar, e Helena logo percebeu o motivo. Miguel tinha acabado de entrar na sala. Ele passou direto, cumprimentando alguns caras com um toque de mão e se jogando na cadeira dele, um pouco mais afastado.
— Se liga nas meninas. — Clara sussurrou, rindo.
Helena olhou discretamente. Algumas garotas estavam claramente olhando para Miguel, algumas rindo baixo, outras lançando olhares curiosos.
— Ele nem usa uniforme direito. — uma delas comentou.
— É meio largado, né? Mas tem um charme. — outra disse.
— Aposto que é encrenca.
— E desde quando isso impede alguém?
Helena desviou o olhar antes que percebessem que ela estava ouvindo.
— E aí, tá gostando do novo queridinho da escola? — Clara provocou.
— Para com isso.
— Ah, fala sério. Até parece que ele não te dá atenção especial.
Helena suspirou e abriu o caderno, tentando ignorar o assunto. Mas, lá no fundo, sabia que Clara não estava totalmente errada.
O resto da manhã passou rápido, mas Helena não conseguia tirar Miguel da cabeça. Ele parecia estar em todos os cantos, mesmo quando ela tentava se concentrar nas aulas. Cada vez que olhava para ele, ele estava cercado de risos e conversas, mas parecia sempre dar uma atenção especial para ela. Era como se, de alguma forma, ele a estivesse observando.
No intervalo, enquanto Clara conversava animadamente com as outras meninas, Helena sentou sozinha em um canto da escola, tentando se afastar da agitação. Foi quando viu Miguel, saindo do grupo de amigos, andando calmamente na direção dela.
— E aí, patricinha. — Miguel disse, com o sorriso de sempre.
Helena levantou os olhos, tentando não demonstrar que estava surpresa.
— E aí.
Ele se sentou ao seu lado sem pedir permissão, o que fez Helena se sentir um pouco desconfortável.
— Você sempre fica aqui sozinha? — ele perguntou, casualmente.
Helena deu de ombros, sem saber o que responder.
— Às vezes é bom. Gosto de silêncio.
— Eu entendo. Aqui tem muita gente se metendo na vida dos outros.
Helena olhou para ele, curiosa. Ela estava tão acostumada com o estilo de vida das suas amigas, com a rotina mais tranquila, que nunca tinha parado para pensar na realidade de quem não vivia em sua bolha.
— E você, Miguel? Como é sua vida?
Ele deu um sorriso maroto.
— Minha vida é… diferente. Não tenho tempo pra essas coisas de escola, sabe? O importante é sobreviver e curtir os rolês.
Helena ficou em silêncio por um momento. Ela não sabia muito bem o que responder a isso. Não queria fazer perguntas demais, mas ao mesmo tempo sentia uma curiosidade crescente.
— Você tem certeza de que não é só isso? — perguntou, sem pensar.
Miguel a olhou com um sorriso provocador.
— Olha, não sou certinho igual você, mas não sou um “marginal”, se é isso que tá pensando.
Helena abriu a boca para responder, mas foi interrompida por uma voz familiar que ecoou atrás deles.
— Helena! Vamos pra sala!
Era Clara, com a expressão de quem sabia exatamente o que estava acontecendo.
Helena se levantou rapidamente, tentando esconder a leve cor que subiu ao seu rosto.
— Eu vou, Clara. — ela disse, virando-se para Miguel. — Nos vemos depois.
Miguel deu de ombros.
— Certeza. Só não demora muito.
Ela sentiu o olhar dele seguir enquanto ela se afastava. Mesmo com o desconforto que sentia em torno dele, algo ali a intrigava, e ela não conseguia parar de pensar.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Comments