Helena não conseguia se divertir. Clara estava completamente solta na pista de dança, se entregando à música, enquanto Helena apenas observava ao redor, tentando se encontrar no meio daquele caos. O ambiente parecia muito distante de tudo o que ela estava acostumada. Ela não tinha o mesmo espírito de se jogar na diversão e, no fundo, sabia que precisava de algo mais para se sentir à vontade
Então, com um suspiro, decidiu sair de lá. Sabia que o calor da pista não estava ajudando e o barulho das pessoas se misturando com a música só aumentava a sensação de desconforto. Sem saber o que fazer, ela se afastou de Clara e foi até a porta. Respirou fundo quando saiu para a rua fria e quieta.
A praça estava vazia, exceto por algumas pessoas passando apressadas. Helena pegou o celular e começou a chamar um Uber, mas antes que a tela do celular carregasse completamente, ouviu uma voz que fez seu corpo congelar por um momento.
— Ei, você deixou cair. — A voz era familiar, mas cheia de malícia, um tom de quem sabe que a situação é estranha, mas adora ela assim mesmo.
Ela olhou para o lado, e lá estava Miguel, parado com o celular na mão e com algo na outra: o gloss que ela havia deixado cair mais cedo, sem perceber.
— Ah, obrigada — Helena disse, tentando manter a compostura, mas seu olhar já estava preso no sorriso dele. Ele parecia tão... diferente. A maneira como se movia e até como falava tinha algo de quase... insensato. Ele não se importava com nada, mas ao mesmo tempo estava completamente atento a cada movimento dela.
Miguel deu de ombros, com aquele jeito relaxado que já estava se tornando familiar.
— Não foi nada, relaxa. Tá precisando de ajuda? — Ele perguntou com um sorriso, o tipo de sorriso que parecia mais uma piada interna. Ele olhou ao redor e depois voltou a atenção para ela. — Aqui não é o lugar mais legal, né?
Helena franziu a testa, sem entender bem o que ele queria dizer.
— Não, não é... — Ela respondeu, com um tom de voz mais reservado, sem saber muito bem o que falar. — Eu só... precisava de um pouco de ar fresco.
Miguel deu um sorriso meio cínico, como se soubesse exatamente o que ela estava sentindo.
— Sei como é. Esses lugares, cheia de gente, música alta... Não dá pra respirar direito, né? — Ele deu uma risadinha baixa e se encostou em um banco da praça. A postura dele, relaxada, mas com aquele olhar provocante, deixava tudo meio desconfortável, mas ao mesmo tempo intrigante. — Você é da minha escola, né? Já vi você por lá.
Helena não sabia se deveria ficar nervosa ou se ele estava apenas brincando. A verdade é que ela estava sentindo uma mistura de emoções: ele, com aquele jeito mais descomplicado, parecia ser tão... distante da sua realidade. E ao mesmo tempo, de alguma forma, ela não conseguia ignorá-lo.
— Sim, sou — ela disse, tentando manter a calma, ainda um pouco desconcertada. — Mudei para lá alguns dias, vim morar com meu pai.
Ele levantou uma sobrancelha, uma expressão de curiosidade surgindo no rosto. O que ele parecia mais interessado em saber era como ela se encaixava naquele ambiente de escola.
— Ah, então você deve estar começando a conhecer as coisas, né? O pessoal, os cantos, os bagulhos... Eu mesmo sou bem novo por lá, mas é mais de boa. Não tem muita firula, você vai ver. Só que o pessoal... sempre um querendo se mostrar mais que o outro. Esse é o lance — Miguel falou com aquele tom malandro, típico de quem vive com as regras próprias, com um olhar que transparecia que ele estava te observando e, ao mesmo tempo, esperando ver sua reação.
Helena, mesmo sem querer, se viu interessada na conversa, na forma como ele falava tão solto, como se a vida fosse algo simples e sem grandes complicações.
— Eu sei como é — ela respondeu, com um meio sorriso. — As coisas sempre acabam assim. Todo mundo tentando se encaixar.
Miguel fez um gesto com a mão, quase como se estivesse dispensando a ideia de "encaixar-se" em algum lugar.
— Pra mim, nem ligo muito pra isso. Eu sou o que sou, não tô aqui pra agradar ninguém. Tem uns caras que vivem tentando se mostrar... mas no fundo, é tudo teatro. — Ele deu uma risada baixa, como se estivesse rindo de algo que só ele entendia. — O que importa é ser real. E você, não parece de quem entra nessa onda. Eu gosto disso.
Helena sentiu algo esquisito dentro de si. Ela não estava acostumada com esse tipo de sinceridade, esse tipo de troca de palavras cruas e sem filtros. Miguel não estava ali para impressioná-la. Ele estava ali apenas para ser quem era, e isso, de alguma forma, a fazia questionar suas próprias atitudes.
— Você parece saber muito sobre essas coisas... — Helena disse, tentando tirar o foco de si mesma.
Miguel deu de ombros, parecendo mais à vontade.
— A vida te ensina, não tem jeito. Eu, por exemplo, não nasci em berço de ouro. Já vi muita coisa, e acredite, não tem nada de glamouroso nisso. O pessoal da escola fica achando que é tudo perfeito, mas eu sou mais da rua, da realidade. Aqui a gente aprende que nem sempre as coisas são do jeito que as pessoas querem ver. — Ele deu uma pausa, se recostando mais no banco. — E você, o que achou da escola até agora? Tá se acostumando?
Helena hesitou. Não sabia se deveria contar o que realmente pensava. Mas algo sobre a forma como ele falava, sem rodeios, sem pressa de ser aceito, fez com que ela se abrisse um pouco mais.
— Não sei. Tem seus altos e baixos. É difícil... você sente que não pertence ali, mas ao mesmo tempo, tem uma parte sua que quer tentar. — Ela olhou para ele, como se esperasse uma resposta mais profunda.
Miguel sorriu, mas era um sorriso simples, quase como uma compreensão silenciosa.
— Essa é a vida. A gente tenta se encaixar, mas a verdade é que somos todos meio deslocados, né? Só que uns sabem disso e outros não. — Ele deu um risinho de canto. — Mas olha, se precisar de algo... me chama. Pode ser o que for. Aqui na rua a gente se ajuda, sem cobrança.
Helena ficou em silêncio por um momento, absorvendo as palavras dele. Ela não sabia exatamente o que ele queria dizer com aquilo, mas algo na sua oferta parecia ser genuíno. Algo que ela não encontrava facilmente nas outras pessoas.
— Obrigada — disse ela, com um leve sorriso. — Eu vou lembrar disso.
Miguel a observou por mais alguns segundos, e seus olhos brilharam com algo difícil de ler. Ele se levantou, se preparando para voltar para seus amigos.
— Tranquila, a gente se esbarra por aí, é só questão de tempo. — Ele acenou com a cabeça, e se afastou, mas antes de se virar por completo, ele jogou mais uma frase no ar: — E aí, lembra do que eu te disse, viu? Não precisa tentar ser mais do que você é.
Helena o observou se afastar, sem saber muito bem o que pensar. Mas uma coisa era certa: aquele encontro, naquela praça fria e silenciosa, havia mexido com ela de um jeito que ela não conseguia explicar.
Helena finalmente chegou em casa naquela noite, e, ao fechar a porta do quarto, sentiu-se aliviada, como se o peso da festa tivesse sumido. Ela tirou os tênis e se jogou na cama, ainda pensando em tudo o que aconteceu com Miguel. Algo sobre ele a fazia pensar mais, não apenas pela atitude dele, mas pelo jeito como ele parecia se encaixar tão naturalmente no mundo dele, sem se preocupar com nada. Ela balançou a cabeça e tentou se distrair com o celular, mas a imagem de Miguel não saia da sua cabeça.
No outro dia, ao acordar e se preparar para mais um dia de aula, o pensamento de vê-lo novamente estava lá, como um eco. Será que ele também pensava nela? Ela não sabia. Tentou se concentrar na escola e nas coisas que teria que fazer, mas algo parecia desconfortável.
Ao chegar na escola, foi diretamente para o seu lugar habitual, tentando passar despercebida. Clara logo se aproximou com uma energia cheia de curiosidade.
— E aí, o que aconteceu? Não te vi na festa ontem! — Clara disse, dando um empurrão amigável.
Helena, com um sorriso fraco, deu de ombros.
— Olha, Clara, eu não sou de festas, e acho que nunca mais vou em uma dessas — respondeu, tentando manter o tom leve, mas não conseguindo esconder o quanto a festa a havia deixado incomodada.
Clara deu uma risada, balançando a cabeça, como se já esperasse uma resposta assim.
— Aí, tá bom então. Vamos para a aula sim — disse Clara, mudando de assunto e puxando Helena para a sala de aula. Não estava nem um pouco surpresa com a resposta da amiga, mas sempre achava engraçado como Helena nunca se deixava levar pelas festas e agitação.
Quando entraram na sala, Helena se acomodou em seu lugar, mas seu pensamento estava longe, ainda ruminando sobre a noite passada. Foi então que, ao sair para pegar um caderno, ela esbarrou em alguém.
— Ah, desculpa — ela murmurou, levantando os olhos para ver quem era.
Era Miguel. Ele estava ali, parado à sua frente, com aquele sorriso de sempre. Ele parecia tranquilo, como se estivesse acostumado a se esbarrar com pessoas no corredor.
— Foi mal, não te vi — ele disse, passando os olhos por ela antes de continuar. — Então, você desapareceu na festa, hein?
Helena, surpresa pela observação, olhou para ele e deu um sorriso leve.
— Não sou muito de festa — ela respondeu, como se fosse a explicação mais simples possível. — Eu meio que... desapareci, sim.
Miguel deu uma risada, meio de canto de boca, e encostou a mão na parede ao lado dela.
— Ah, entendi. Festas não são pra todo mundo — ele disse com aquela calma característica dele. — E aí, tudo certo por aqui? Como anda a escola?
Helena, um pouco surpresa com o tom descontraído, deu um leve sorriso.
— Tudo tranquilo, nada de novo. Só mais um dia de aula — respondeu, ajeitando o cabelo, tentando não ficar nervosa com a conversa.
Miguel deu um passo à frente, sem pressa de sair.
— É, pra você é fácil falar assim. Eu sei que você não curte muito agitação, mas vai ver que a escola fica mais interessante se você der uma chance para as coisas — ele comentou, olhando diretamente nos olhos dela.
Helena o observou por um momento, e algo na maneira como ele falava fez com que ela se sentisse mais à vontade. Não era uma pressão, nem um julgamento.
— Pode até ser... Mas acho que já estou bem no meu cantinho — disse ela com um sorriso discreto.
Miguel deu um sorriso de volta, esse mais largo, e deu de ombros, como quem diz: "tudo bem".
— É, mas quem sabe... um dia você muda de ideia — ele disse, com um tom brincalhão, quase como se estivesse sugerindo uma possibilidade.
Helena riu levemente e balançou a cabeça.
— Não conte comigo por enquanto — ela respondeu, mas sua voz soava mais leve, menos defensiva do que antes.
Ele deu um passo para trás, ainda com aquele sorriso tranquilo.
— Tá certo, só não me venha dizer que a vida na escola é chata. Aqui é onde as coisas acontecem — Miguel disse, antes de se afastar lentamente, voltando para seu lugar.
Helena observou ele indo embora, e, mesmo com o jeito despreocupado de Miguel, ela não podia deixar de pensar no quanto ele parecia diferente de todos os outros. Algo nele a deixava curiosa, mas ao mesmo tempo, ela não sabia exatamente o que.
Ela suspirou e voltou para seu lugar, sentindo-se um pouco mais leve do que antes. A conversa com ele tinha sido... inesperada. E quem sabe, talvez fosse o começo de algo novo.
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