Heitor era pai.
Aquela menina era a cópia dele, como se alguém tivesse tirado todos os traços marcantes dele e colocado numa versão em miniatura. Loirinha, olhos azuis brilhantes, pele clara. A única diferença era que os olhos dele eram de um verde profundo, quase hipnotizante, e o cabelo um tom mais escuro.
A garotinha me olhava com curiosidade, e havia uma certa ansiedade em seu olhar, como se quisesse entrar na cachoeira comigo a qualquer custo. Meu olhar, porém, voltou para Heitor. Caramba. Ele não era só pai; era um homem que o tempo parecia ter moldado ainda mais.
Seu porte físico já era impressionante quando mais jovem, graças ao trabalho pesado na fazenda, mas agora... agora ele parecia ter saído de uma revista. Os bíceps estavam definidos, os ombros largos, e até a forma como ele segurava as rédeas do cavalo transmitia uma confiança natural.
— Eu vim a trabalho — respondi finalmente à pergunta dele, tentando parecer neutra.
Ele me encarou por alguns segundos, seus olhos verdes analisando cada detalhe, antes de se virar para a filha.
— Vamos pra casa, Duda. Você já colheu suas amoras? Então vamos. — Ele soava firme, mas não rude.
— Mas, papai, eu quero entrar na água com a moça bonita! — Duda protestou, e antes que Heitor pudesse responder, ela olhou para mim com aqueles olhos grandes e brilhantes. — Qual é o seu nome?
— Evelyn — respondi com um sorriso.
— Evenlynnn? — Ela tentou repetir, mas trocou as sílabas, e eu não pude deixar de rir.
— Maria Eduarda, já tá passando da hora do seu desenho, sabia? — Heitor insistiu, mas era claro que a menina não estava disposta a obedecer tão fácil.
— Não quero assistir mais.
Eu me agachei para ficar na altura dela, suavizando a situação:
— Oh, minha linda, sabe o que seria muito legal? Obedecer ao seu papai agora. Prometo que, outra hora, a gente brinca.
— Promete? — Ela perguntou, me olhando desconfiada, mas esperançosa.
— Prometo. — Sorri para ela.
Duda soltou um suspiro satisfeito e correu até seu pônei, deixando-me sozinha com Heitor.
Eu estava prestes a me virar para pegar minha bolsa quando senti a mão dele agarrar meu pulso, firme, quase com raiva. O aperto era forte, e minha respiração vacilou.
— Não faça promessas que você sabe muito bem que não pode cumprir, Evelyn. Não brinque com a minha filha. Ela é só uma criança. — Sua voz era baixa, mas cheia de tensão.
— Você está me machucando, Heitor. — Puxei o braço, tentando me soltar.
Ele olhou para o lugar onde me segurava, como se só então percebesse a força que usava, e soltou meu pulso imediatamente.
— Me desculpe — murmurou, quase inaudível, mas sem me olhar nos olhos. Ele respirou fundo e continuou, mais frio agora: — Apenas fique longe da Duda. Eu sei os seus joguinhos.
Aquelas palavras atingiram como um tapa, me deixando sem reação. Antes que eu pudesse responder, ele já estava ajudando Duda a subir no pônei, montando no próprio cavalo e partindo sem olhar para trás.
Fiquei ali, sozinha, com a sensação de que havia muito mais naquela conversa do que ele deixara transparecer.
...♘...
Ainda sentia o pulso sensível do aperto de Heitor enquanto caminhava de volta para o estábulo. Peguei uma escova e comecei a cuidar de Princess, o meu cavalo, que parecia tão nostálgico quanto eu ao estar de volta à fazenda. Deslizei a escova suavemente pelo pelo dela, tentando organizar meus pensamentos depois do encontro com Heitor.
Era estranho como ele conseguia mexer comigo mesmo depois de tantos anos. Aquele olhar, aquela presença... era como se o tempo não tivesse apagado nada, só intensificado.
— Não acredito que tô vendo você aqui de novo, Evelyn. — A voz masculina interrompeu meus pensamentos, e eu virei para encontrar Ramon, um dos moradores antigos da fazenda.
Ele continuava o mesmo de sempre, com seu sorriso fácil, o chapéu de palha inclinado de um jeito relaxado e aquele jeito amigável que sempre teve desde que éramos crianças.
— Ramon! — Sorri ao vê-lo, genuinamente surpresa e feliz. — Quanto tempo! Você ainda tá aqui?
— E onde mais eu iria? Meu lugar é aqui mesmo, na roça. Mas e você? Nunca mais deu sinal de vida, hein? — Ele se aproximou, encostando na cerca ao meu lado.
— Pois é... a vida tomou outros rumos. Mas estou aqui agora, pelo menos por alguns dias.
Ele riu, cruzando os braços.
— Dias? Duvido você aguentar. Sempre foi mais da cidade do que do campo. — A provocação foi leve, mas carregada de familiaridade.
— Você ficaria surpreso, Ramon. Acho que ainda tenho um pouco da Evelyn de antigamente.
— Vou acreditar quando eu ver — ele respondeu, sorrindo de lado.
Continuei escovando Princess enquanto Ramon me observava, claramente curioso.
— Então... ouvi dizer que você encontrou o Heitor hoje. — Ele comentou casualmente, mas com um brilho no olhar que denunciava o interesse.
Parei por um momento, soltando um suspiro.
— Não foi exatamente um encontro amigável, se é isso que você quer saber.
— Não é de surpreender — ele respondeu, coçando o queixo. — Heitor tá mais durão agora, especialmente com a filha dele. Ele protege aquela menina como um leão protege o filhote.
— É... deu para perceber. — Falei com um leve tom de amargura, lembrando do aperto no meu pulso e da maneira como ele me tratou.
Ramon inclinou a cabeça, me analisando.
— Ele ainda não superou o que aconteceu entre vocês, né?
Olhei para ele, surpresa com a pergunta direta, mas também sem saber o que responder. Havia muito não dito entre mim e Heitor, tanto do passado quanto agora.
— Não sei, Ramon. Talvez ele nunca vá superar.
Ele balançou a cabeça, pensativo.
— Olha, Evelyn, sei que não é da minha conta, mas... seja lá o que você veio fazer aqui, só toma cuidado. A fazenda ainda é pequena demais para segredos grandes demais, sabe?
Dei uma risada curta.
— Pode deixar, Ramon. Sei bem como as coisas funcionam por aqui.
Ele sorriu, deu uma batidinha na cerca e se afastou, deixando-me sozinha novamente com Princess. Enquanto continuava cuidando do cavalo, uma parte de mim não conseguia deixar de pensar no aviso de Ramon. Talvez ele tivesse razão. Segredos sempre tiveram o péssimo hábito de virem à tona quando menos se espera.
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Atualizado até capítulo 21
Comments
Julia Santos
aí aí age como uma idiota e quer está certa
2025-04-13
1
Fatima Maria
ATÉ O MOMENTO NÃO ESTOU ENTENDENDO NADA. QUEM FOI DAS DUAS QUE FEZ O ESTRAGO NA VIDA DE HEITOR SE FOI EVELYN OU FOI A MÃE DELA.
2025-02-19
2
Maria Lima De Souza
Sim também pensei nisso!
2025-01-20
3