...atualmente...
— Papai...
A voz manhosa de Duda cortou o silêncio quando me levantei da cama às cinco da manhã. Ela tinha o próprio quarto, com uma cama toda decorada com os personagens que adorava, mas, quase toda madrugada, acabava fugindo para o meu. Eu sabia que precisava corrigir esse hábito, mas a verdade é que essa fase da infância dela era tão preciosa que eu não conseguia negar esses momentos.
— Volte a dormir, filha. O papai vai trabalhar, meu amor.
Ela se aconchegou ainda mais no travesseiro, sem responder, e eu fiquei ali por um momento, observando-a. O cabelo bagunçado, o rostinho tranquilo... Era o tipo de cena que eu sabia que sentiria falta um dia.
No banheiro, tomei um banho rápido para despertar e fiz minha higiene matinal. Vesti uma calça jeans surrada, uma camisa quadriculada com as mangas dobradas até os cotovelos e minha fiel bota de couro, já marcada pelos anos de uso.
Descendo para a cozinha, o cheiro familiar de café fresco e pão de queijo me recebeu como um abraço. Minha mãe, dona Sônia, estava de pé junto ao fogão, mexendo em alguma panela. O dia na fazenda começava cedo para todos. Aproximei-me dela e depositei um beijo em sua testa.
— Bom dia, dona Sônia. A bênção?
Ela sorriu, sem desviar a atenção do que fazia.
— Bom dia, meu filho. Deus te abençoe e te dê juízo.
Sentei à mesa, que já estava repleta de delícias típicas: pão de queijo quentinho, queijo fresco, bolo de fubá, biscoitos de polvilho, canjica, pamonha e aquele café preto forte que só minha mãe sabia preparar. O aroma preenchia todo o ambiente, e meu estômago roncou em resposta.
— A senhora sempre capricha, hein, mãe? — comentei, pegando um pedaço de bolo de fubá.
Ela apenas riu, satisfeita. O café da manhã era um ritual sagrado aqui em casa, uma forma de começar o dia em família, mesmo que breve, antes que todos fossem cuidar de suas tarefas.
Desde que me entendo por gente, meu lugar sempre foi na roça. O cheiro da terra, o som dos animais, o céu infinito... era tudo que eu conhecia e amava. Mas, aos 19 anos, decidi me aventurar além dos limites da fazenda e entrei na faculdade de Medicina Veterinária. Foram os anos mais desafiadores e gratificantes da minha vida.
Entre provas difíceis e saudades de casa, vivi momentos que me moldaram, conquistei amigos e aprendi lições que levaria para sempre comigo. Quando finalmente segurei meu diploma, senti o orgulho de quem lutou por um sonho. No dia seguinte, sem pensar duas vezes, arrumei minhas coisas e voltei para onde meu coração sempre pertenceu: a fazenda.
A cidade grande nunca foi para mim. O barulho, a correria, a falta de horizonte... Não, meu lugar é aqui, onde o vento canta entre as árvores e o trabalho tem o cheiro bom de suor e terra.
Cheguei ao estábulo ainda de madrugada, com o céu começando a clarear, anunciando um novo dia. Meu amigo e parceiro de trabalho, Zeca, já estava por lá, encostado na porteira, com o chapéu de palha protegendo os olhos do pouco sol que nascia no horizonte.
— Tá pronto pra mais uma, doutor? — brincou ele, me lançando um sorriso de canto.
— Sempre. — respondi, ajustando as luvas de borracha enquanto caminhava até a baia. — Como ela tá?
— Agitada. Tá na hora. Acho que o filhote não espera muito mais, não.
Entrei na baia com calma, tentando não assustar a égua. Tinker, uma baia branca forte e robusta, estava visivelmente desconfortável, seu corpo suado e os músculos tensos. Acariciei seu pescoço devagar, deixando que ela sentisse minha presença antes de começar qualquer coisa.
— Calma, menina. Tá tudo bem, eu tô aqui. — murmurei, com uma voz baixa e tranquilizadora.
Zeca trouxe os materiais que havíamos preparado enquanto eu analisava a situação. O parto estava progredindo, mas o potro parecia estar em posição errada, algo que, se não fosse corrigido rápido, poderia ser perigoso para os dois.
— Zeca, segura firme a cabeça dela, vou precisar ajustar o filhote.
Ele assentiu, segurando Tinker com cuidado, mas firmeza. Trabalhar na fazenda era sempre assim: uma mistura de emoção e responsabilidade. Com mãos experientes, comecei a reposicionar o potro, sentindo cada movimento dela e ajustando com paciência.
— Você acha que dá tempo? — Zeca perguntou, a preocupação evidente na voz.
— Dá, mas tem que ser agora.
Depois de alguns minutos que pareceram horas, senti o potro finalmente na posição certa. Tinker relinchou alto, como se soubesse que estava perto do fim.
— Tá quase, menina. Só mais um esforço. — incentivei.
Com um último puxão firme e sincronizado com a força da égua, o potro deslizou para o mundo, caindo sobre o feno macio. Tinker olhou imediatamente para ele, instinto maternal aflorando no mesmo instante.
— Bem-vindo ao mundo, garotão. — disse Zeca, rindo enquanto limpávamos o potro.
A cena me fez lembrar por que escolhi essa vida. Não era só trabalho duro; era estar conectado com algo maior, mais simples e, ao mesmo tempo, mais profundo. Enquanto Tinker lambia seu filhote e ele dava seus primeiros sinais de vida, senti uma onda de orgulho e gratidão.
— Tá vendo, Zeca? É por isso que eu nunca troco isso aqui por nada. — falei, dando um tapinha no ombro dele.
Ele riu.
— Eu sei, doutor. Isso aqui é vida de verdade.
Depois de limpar tudo no estábulo e ter certeza de que Tinker e o potro estavam bem, fui tomar outro banho e agora estava no bebedouro para dar água aos outros cavalos. O dia estava começando a esquentar, e os animais pareciam animados com a movimentação ao redor.
Peguei o balde, enchi de água fresca e comecei a servir cada um. Enquanto fazia isso, ouvi passos leves atrás de mim, seguidos de uma voz animada:
— Papai, olha só!
Me virei e lá estava Duda, minha pequena, vestida com uma calça jeans, botas de montar e um chapéu que era quase maior do que a cabeça dela. Ela segurava as rédeas de um pônei, com aquele sorriso que sempre iluminava meu dia.
— Olha só quem tá pronta pra virar amazona! — disse, rindo. — Cedo assim, minha filha?
— Quero montar, papai! Hoje é domingo, e a gente sempre passeia no domingo. Esqueceu?
Cruzei os braços, fingindo pensar por um momento.
— Hmmm... E quem disse que o papai ia dar folga hoje?
Ela colocou as mãos na cintura, com uma expressão determinada.
— O vovô disse que o papai sempre tem tempo pra mim.
Não consegui segurar o riso. Essa menina sabia como me dobrar em um segundo.
— Tá bom, tá bom. Vamos lá. Mas primeiro, vamos cuidar do pônei. Ele já tomou água?
— Não! É por isso que eu vim aqui. Você tem que me ensinar a cuidar dele direitinho.
Deixei o balde no chão e me agachei na frente dela.
— Certo, mocinha. Antes de montar, a gente cuida do animal, combinado? Porque ele é seu parceiro, e parceiro a gente respeita e ajuda.
Ela assentiu, com os olhos brilhando de entusiasmo. Juntos, demos água ao pônei e verificamos se estava tudo certo com a sela e as rédeas. Enquanto isso, Duda não parava de falar sobre o passeio.
— Papai, a gente pode ir até o riacho? Quero ver os peixinhos de novo!
— Podemos, sim, mas só se você prometer segurar firme. Nada de se distrair, hein?
— Prometo!
Coloquei-a na sela com cuidado e montei no meu cavalo logo ao lado. O dia estava só começando, mas eu já sabia que, com Duda por perto, seria um dos melhores. Não importava o trabalho duro ou os desafios, momentos como esse faziam tudo valer a pena.
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Atualizado até capítulo 21
Comments
Melissa 🪸
paraaaa😔KKKK
2025-01-02
2
Ana Karol Campos
coisa mais lindaaaaaa!!! gente, tem criança de 7 anos que não anda de bicicleta ainda kkk e ela com 3 anos já anda a cavalo o nem gente grande! kkkk a minha com 2 pra 3 anos aprendeu a andar de bicicleta... a Duda me lembrou a minha Bruna kkkk
2025-01-02
2
Ana Karol Campos
literalmente!!! papel não é vida não! 🙈
2025-01-02
2