CAPÍTULO 1

Um ano depois...

A chuva caía fina sobre os jardins da mansão Agrece, como se o céu também compartilhasse do desespero silencioso que pairava na escuridão. A madrugada engolia os corredores com sombras, e apenas os passos apressados de Ana quebravam o silêncio sufocante.

Ela tremia — não de frio, mas de medo. De culpa. De amor.

O vestido claro arrastava-se no chão de pedra. As botas estavam sujas de barro. O capuz ocultava seus cabelos dourados, mas não escondia as lágrimas que insistiam em escapar.

“Me perdoe, Vanessa”, ela pensava, o coração descompassado como tambores de guerra. “Eu não posso me casar com ele. Não posso viver essa mentira, sou uma covarde.”

Ela tropeçou ao atravessar o pátio lateral, as mãos arranhadas pelas roseiras que conhecia tão bem desde menina. O portão dos fundos estava destrancado — como combinado. Os olhos marejados buscaram entre a névoa a carruagem discreta, parada à distância. Dois cavalos. Um cocheiro pago com joias da família.

Ela não olhou para trás.

Porque se olhasse, voltaria.

Se visse o quarto de Vanessa iluminado, talvez se arrependesse. Se visse os guardas de seu pai fazendo a ronda, talvez congelasse. Mas ela apenas seguiu, um passo de cada vez, até desaparecer na noite, como se nunca tivesse pertencido àquele mundo.

Ana não fugia apenas de um casamento. Ela fugia de um destino que lhe negava o direito de amar.

Porque o amor dela… não era por Ryan.

Era por Isaac.

Isaac, com seus olhos que pareciam decifrá-la sem esforço. Isaac, que nunca dizia o que sentia, mas cujos silêncios gritavam quando ela se aproximava. Isaac, que agora estava longe, tão longe, e talvez jamais soubesse que ela partira por ele.

 

Na manhã seguinte, o caos.

—O que você quer dizer com ela fugiu?—A voz do imperador Eze cortou o ar como uma lâmina, ressoando pelas colunas do salão do trono. O tom era tão gélido que todos ao redor recuaram, instintivamente. Todos... menos o duque Eckart, ao lado do trono, e os cavaleiros postados em uma linha imponente atrás do estrado.

À frente de Vanessa, seus pais se encolheram, tremendo. Ela não entendia por que ainda tentavam apelar para piedade. Mostrar fraqueza diante de Eze não era apenas inútil — era perigoso.

—Eu...—O pai dela engoliu em seco, a voz falhando.— Peço perdão, Majestade. Mas... Ana é só uma criança! Tem apenas 17 anos. Não sei por que el—

—Cale-se.—O imperador não gritou. Ele nem precisou. Sua voz, baixa e controlada, fez o ar da sala parecer mais denso. —Poupe-me das suas súplicas patéticas. Suas filhas carregam o que é necessário para se tornarem duquesas. Por lei, você é obrigado a oferecer uma delas ao herdeiro do ducado.

Ele se inclinou levemente para a frente.

—Recusar uma ordem imperial não é só desobediência... é traição.

Vanessa sentiu o sangue gelar. O chão pareceu mais distante por um instante.

E então ela deu um passo à frente.

—Leve-me.

A voz dela cortou o silêncio que se formava, firme apesar do tremor escondido. Antes que os pais pudessem reagir, Vanessa ajoelhou-se diante do trono. Suas mãos cerradas tocaram o chão, os nós dos dedos já se avermelhando, e ela abaixou a cabeça.

—O meu sangue é o mesmo.—Sua voz saiu mais suave, mas determinada. —Leve-me no lugar dela, Majestade.

O silêncio que seguiu pareceu durar uma eternidade.

Vanessa sentia os olhares da corte queimando sua pele. A vergonha apertava seu estômago, mas ela não recuou. Conseguia imaginar os sorrisos disfarçados, os cochichos maldosos, o escárnio escondido sob os véus dourados das damas e os olhos semicerrados dos nobres. Seu noivo arranjado provavelmente suspirava em algum canto, desapontado.

Ela encolheu os ombros, esperando a rejeição.

Mas falou de novo, mais baixo, mais íntimo:

—Eu sei que não sou Ana. Sei disso melhor do que ninguém. Mas já tenho idade para casar. E... eu não vou fugir.

Levantou o rosto e encontrou os olhos do imperador. Queria que ele entendesse o que ela não podia dizer em voz alta: "Se isso salvar minha família, eu aceito morrer."

Porque Vanessa não era Ana.

Ana era fofa. Brilhante. Gentil. Linda, com a pele clara como porcelana, cabelos loiros que reluziam ao sol, e um sorriso que encantava a todos. As pessoas viviam dizendo o quanto ela era perfeita, quase como uma boneca feita para ser admirada.

Vanessa, por outro lado, herdará os traços da tia esquecida — a ovelha negra da família. Era mediana em tudo: altura, aparência, talentos. Pele negra como o céu antes da tempestade, cabelos cacheados castanhos que ela mal sabia domar, e olhos verdes que falavam pouco. Era calma, discreta, boa apenas com números. E, em breve, se casaria com um comerciante rico, num casamento sem amor, mas cheio de estabilidade.

Ser escolhida para entrar na casa do duque? Era... impensável.

Ela não disse nada quando as risadas ecoaram. Nem quando as piadas começaram. Nem quando o silêncio dos cavaleiros do imperador a sufocou.

Finalmente, Eze ergueu a mão, exigindo silêncio. Seus olhos repousaram sobre Vanessa por longos segundos, como se estivesse pesando uma moeda antiga.

Ele não via uma jovem ajoelhada.

Via uma solução conveniente.

Se Vanessa aceitasse o casamento — e morresse tentando, o acordo ainda seria cumprido. A honra restaurada. Os pais poupados. O império seguiria. E ninguém, absolutamente ninguém, perderia.

Exceto ela.

Mas... esse era seu papel, certo? Carregar os fardos que a irmã mimada não podia.

O futuro duque se aproximou a pedido do imperador. Curvou-se para conversar com o pai e com Eze. Vanessa lutou contra o impulso de encará-lo. Queria ver com quem iria se casar, mas não podia parecer ansiosa. Isso a tornaria vulnerável. E ela já estava exposta demais.

O peito dela doía. O ar parecia preso dentro dos pulmões. Quando o imperador finalmente os dispensou e voltou o olhar para ela, Vanessa sabia que já estava condenada.

—Assim seja.— A sentença caiu como chumbo.—Estão dispensados por esta noite. O casamento acontecerá ao amanhecer, conforme o planejado.

Oito horas.

Era isso que restava.

O estômago de Vanessa se revirou. Ela não sabia como se preparar para o que a esperava. Mal conseguia pensar. Três meses de viagem até o castelo imperial... um mês vivendo ali como uma sombra... e agora, isso.

Ela passou os dias explorando cada canto do castelo. Memorizando corredores, janelas, jardins. Coisas belas que poderia guardar para sempre, porque... bem, ela sempre soube que sua vida não teria muitas alegrias. Pensava que teria tempo. Pensava que teria um casamento simples, com um marido distante e uma casa grande demais.

Agora, o que deveria ser uma vida longa havia sido reduzida a oito horas.

O peito dela apertou.

Algo deveria ser dito. Algo grandioso, marcante.

Mas ninguém disse nada.

Então, Vanessa apenas baixou a cabeça mais uma vez. Murmurou um agradecimento quase inaudível. E seguiu seus pais, em silêncio, para fora da sala do trono e de volta à suíte que, até aquela noite, ainda chamava de lar.

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Comments

Lourdes Antonelli

Lourdes Antonelli

,cadê o lobisomem desta história não ouvi falar nada de alguém se transformar, está ficando chato

2025-04-27

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