Capítulo 2 — Voltar Para Recomeçar

A viagem até sua cidade natal foi silenciosa. Ana havia decidido embarcar naquela jornada poucos dias depois de receber a carta. Com uma mochila e algumas caixas no porta-malas, ela guiava o carro por estradas que pareciam estranhamente familiares e, ao mesmo tempo, distantes. A cada quilômetro, sua mente era invadida por memórias da infância: as manhãs ensolaradas no jardim, o cheiro de café que vinha da cozinha, o som das risadas de seus pais.

O relógio marcava três da tarde quando ela finalmente avistou a entrada da cidade. Era um pequeno lugar cercado por colinas e campos verdes, exatamente como se lembrava. No entanto, algo parecia diferente. Talvez fosse ela quem havia mudado.

Quando estacionou em frente à casa, sentiu um nó na garganta. Lá estava a pequena construção de tijolos vermelhos, com as janelas brancas e o jardim que agora estava tomado por ervas daninhas. Uma placa de "vende-se", já desbotada, estava jogada no chão perto da entrada. Era evidente que ninguém cuidava do lugar há muito tempo.

Com as mãos trêmulas, Ana destrancou a porta e entrou. O cheiro de madeira antiga a recebeu, trazendo uma onda de nostalgia. Cada cômodo parecia conter ecos do passado: o sofá onde sua mãe lia a Bíblia à noite, a cozinha onde seu pai costumava assoviar conforme preparava o café da manhã, o pequeno quarto de Ana com a cama ainda intacta.

Ela se sentou no chão da sala, então olhou ao redor. Era como se o peso da ausência de seus pais estivesse mais forte ali. Mas, ao mesmo tempo, sentiu uma espécie de conforto. Talvez porque, naquele espaço, ainda restassem fragmentos da vida que ela tinha antes de tudo desmoronar.

Conforme explorava a casa, encontrou uma velha caixa no armário do corredor. Dentro dela, havia álbuns de fotos, algumas cartas antigas e uma Bíblia com anotações feitas à mão por sua mãe. Ana folheou o livro, encontrando trechos sublinhados e pequenas orações escritas nas margens. Uma delas chamou sua atenção:

"Quando tudo parecer perdido, lembre-se de que Deus sempre tem um plano."

Aquelas palavras ficaram ecoando em sua mente.

No final da tarde, Ana decidiu sair para respirar um pouco de ar fresco. Caminhou até a praça central da cidade, onde havia uma pequena feira acontecendo. As cores vibrantes das barracas e o cheiro de comida caseira trouxeram um sorriso tímido ao seu rosto. Ela sentiu como se estivesse, aos poucos, voltando a se conectar com algo que havia perdido.

Foi lá que ela encontrou Dona Lurdes, uma senhora de cabelos grisalhos que a reconheceu imediatamente. "Ana Clara? É você mesmo, minha filha?" perguntou com entusiasmo. A idosa a abraçou calorosamente, como se o tempo não tivesse passado.

Dona Lurdes era uma amiga próxima da família e, ao saber sobre o acidente, segurou as mãos de Ana com um olhar cheio de compaixão. "Sua mãe sempre dizia que Deus tinha grandes planos para você, mesmo que você não conseguisse enxergar isso."

As palavras simples da senhora tocaram o coração de Ana. Durante a conversa, Dona Lurdes mencionou que a igreja local, liderada pelo jovem pastor Gabriel, estava organizando encontros de apoio espiritual. "Você devia passar lá. Nem que seja só para ouvir. Às vezes, Deus fala conosco nos momentos mais inesperados", sugeriu com um sorriso acolhedor.

Ana não respondeu. Apenas agradeceu e prometeu pensar no assunto.

De volta à casa, a noite caiu silenciosa, exceto pelo som distante dos grilos. Sentada no antigo quarto de sua infância, Ana segurava a Bíblia da mãe nas mãos. Ela queria acreditar que havia um propósito em tudo aquilo, mas a dor ainda parecia um obstáculo intransponível.

Por fim, abriu o livro aleatoriamente e leu um versículo:

"Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês’, diz o Senhor, ‘planos de fazê-los prosperar e não de causar dano, planos de dar a vocês esperança e um futuro." — Jeremias 29:11.

As lágrimas começaram a cair conforme ela refletia sobre aquelas palavras. Talvez fosse um sinal, ou talvez fosse apenas o cansaço. De qualquer maneira, Ana sentiu, pela primeira vez em meses, um lampejo de esperança. Talvez, só talvez, voltar para sua cidade natal fosse o início de algo novo.

Na manhã seguinte, Ana decidiu organizar a casa. Enquanto varria o chão e limpava as janelas, sentiu como se estivesse limpando também algo dentro de si. No entanto, as palavras de Dona Lurdes ainda ecoavam em sua mente. Deveria ir à igreja? Poderia mesmo ouvir algo que fizesse sentido em meio à sua confusão?

A dúvida persistia, mas uma coisa era certa: ela não estava mais tão presa ao vazio como antes. Um pequeno passo havia sido dado, e o caminho diante dela começava a se abrir, mesmo que ainda nebuloso.

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