Caminho da Promessa
O sol tímido daquela manhã nublada não parecia capaz de atravessar as pesadas cortinas do pequeno apartamento. Ana Clara estava desperta há horas, mas ainda deitada em sua cama. Os olhos fixos no teto branco, a mente perdida em um turbilhão de pensamentos que insistiam em se repetir. Há seis meses, sua vida havia desmoronado com o trágico acidente que tirara a vida de seus pais. Desde então, os dias pareciam indistinguíveis, um borrão de tristeza e apatia.
O rádio que antes enchia a casa de música gospel estava desligado. A Bíblia, presente de sua mãe no aniversário de 15 anos, permanecia intocada sobre a mesa de cabeceira. Ana já não sabia como orar. Sentia-se abandonada, como se Deus tivesse dado as costas a ela no momento em que mais precisava.
Finalmente, ela se levantou. O apartamento era um reflexo de seu estado emocional: caixas ainda por desfazer, louça acumulada na pia, e o vazio opressor preenchendo os cantos. Após um gole rápido de café requentado, ela decidiu sair. Talvez uma caminhada ajudasse a afastar a tristeza sufocante.
Ana seguiu sem destino certo pelas ruas do bairro. O ar fresco da manhã lhe trouxe um breve alívio, mas não suficiente para espantar a angústia. No caminho, avistou a pequena igreja da comunidade. Era um prédio modesto, com paredes brancas e uma cruz de madeira na entrada. Um grupo de fiéis parecia sair de uma reunião matinal, os rostos iluminados por sorrisos e conversas animadas.
Ela parou por alguns segundos, observando à distância. Em outros tempos, ela teria se juntado a eles, compartilhando palavras de encorajamento e orações. Mas agora... algo dentro dela a impedia de dar aquele passo. Sentia-se indigna, desconectada de tudo o que um dia havia acreditado.
Com um suspiro pesado, Ana seguiu adiante. Voltando para casa, encontrou uma pequena surpresa. Na caixa de correio, havia um envelope de papel pardo, com o nome dela escrito à mão. Intrigada, ela pegou o envelope e subiu as escadas rapidamente.
De volta ao apartamento, sentou-se no sofá e abriu o envelope com cuidado. Lá dentro, encontrou uma carta escrita pelo advogado que havia administrado os bens dos pais. O conteúdo a deixou atônita. Além do seguro de vida que mal cobria as despesas do funeral, eles haviam deixado para ela uma propriedade simples, mas quitada, na cidade onde Ana crescera.
Por um momento, a memória do lugar inundou sua mente. A casa era pequena, com um jardim cheio de flores que sua mãe cultivava com carinho. Fazia anos que ela não voltava lá, desde que se mudara para a cidade grande em busca de independência. Agora, o destino parecia chamá-la de volta.
Conforme lia a carta mais uma vez, algo em seu coração parecia despertar. Era como se aquela casa representasse uma oportunidade — não apenas de recomeçar, mas de encontrar algo que estava perdido dentro de si. No entanto, a ideia de voltar era assustadora. E se nada tivesse mudado? E se a dor apenas aumentasse?
Ana olhou para a Bíblia empoeirada na cabeceira. Pela primeira vez em meses, sentiu uma centelha de curiosidade. Talvez fosse hora de abrir o livro novamente. Não naquele momento, mas... em breve. Quem sabe?
Naquela noite, enquanto o vento balançava as árvores do lado de fora, Ana se deitou com a mente cheia de dúvidas, mas também com uma leve sensação de propósito. Talvez aquela carta tivesse chegado até ela por um motivo maior. E se fosse um sinal? Um convite para recomeçar, mesmo em meio às ruínas de sua vida?
O primeiro passo seria decidir: ficar ou partir? A resposta parecia ao mesmo tempo simples e assustadora. Mas uma coisa era certa: sua jornada estava apenas começando.
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Atualizado até capítulo 26
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