...Capítulo Seis...
...***...
Alguns anos se passaram desde aquele dia triste, onde Aveline vira seus sonhos de infância despedirem-se pela janela. Embora ainda jovem, as dezessete primaveras qualquer nobre podia ver o quanto se transformara em uma bela flor.
Seu semblante outrora risonho agora carregava um ar maduro, forjado pelas agruras da realidade. Compreendera ser frágil tentar fugir ao destino traçado, e foi assim que aos poucos permitiu-se guiar pelas rédeas do jogo real.
Gradativamente, suavizaram-se as cordas que prendiam seu coração, e aceitou com dignidade o pedido de casamento do filho do Duque Ashton. Pois aprendera, ao longo da jornada, que a vida tem seus propósitos além do que se escolhe. E, se a vontade de seu coração não pudesse ser, que ao menos pacificasse a alma com o que viesse consigo. Arthur, aceitara a decisão da irmã mesmo que contrariado.
"Você merece ser feliz, irmã. Deveria seguir seus próprios sonhos", disse o príncipe com gentileza.
Aveline suspirou, sem desviar os olhos do horizonte.
"É irônico ouvi-lo dizer isso, sabendo que também não faz o que quer."
Arthur soltou um riso melancólico. Sabia que a irmã tinha razão.
"Para mim é diferente. Como futuro rei, nem sempre terei escolha. Mas você ainda pode escolher ser feliz."
"Felicidade é algo efêmero demais para se buscar."
O príncipe reparou no semblante pensativo e apático que a irmã vinha demonstrando nos últimos anos. Parecia ter encerrado de vez a doçura de outrora.
"O que aconteceu com a menina sorridente que costumava ver pelos jardins?"
Aveline desviou os olhos, buscando nas folhagens uma resposta.
"Ela ainda está aqui, irmão. Apenas precisou crescer."
Arthur suspirou.
"Repense sobre esse casamento."
"Já está decidido há anos. Assim agradaria mais nosso pai."
"Mas você não seria feliz", preocupou-se Arthur.
"E o que o deixaria satisfeito? Que você parasse de desafiá-lo como faz!", ela rebateu.
O príncipe fitou o chão. Sabia que a irmã queria seu bem, mas não podia ignorar os sofrimentos do povo.
"Não importa o que ele queira. Seu reinado tem envenenado a terra."
Aveline suspirou, conhecendo o espírito indômito do irmão.
"É tão teimoso quanto eu... O que planeja agora?"
"Na lua nova irei à vila encontrar meus contatos. É hora de agir."
"Arthur, isto é perigoso! Se o pai desconfiar..."
Ele sorriu, afagando seu rosto.
"Não se preocupe, estarei bem. Confie em mim."
Aveline apenas assentiu, apreensiva. Só esperava que o irmão soubesse o que fazia em meio àquela luta silenciosa.
O reinado outrora próspero de Relish encontrava-se em franca decadência. Longe dos dias prósperos, o povo agora gemia sob o jugo de Isaac. Apenas a camada nobre e alguns monarcas adjacentes ainda prestavam vassalagem cega ao tirano. Isso porque suas terras e privilégios não foram abalados, ao contrário dos camponeses.
Nas cidades, a miséria se alastrava. Sem dinheiro para pagar impostos abusivos, muitos se viam obrigados a vender bens e propriedades. Quem não conseguia era preso ou vendido como escravo. No campo, a situação era ainda mais dramática. Secas e pragas destruíam safras inteiras, resultado da degradação ambiental provocada pelo desmatamento desenfreado para expansão de latifúndios.
Sem apoio real, os camponeses definhavam à beira da inanição, enquanto nobres aliados do rei se engordavam em suas terras. Começavam a pipocar revoltas esparsas. Homens reunidos às sombras, em vilarejos, discutiam formas de derrubar aquele que outrora juraram servir.
Entre cortes e segredos, mensageiros clandestinos começavam a articular alianças. Uma rebelião silenciosa fervia, e logo o reino inteiro saberia o peso de ter um monarca que já não merecia tal nome.
Arthur sofria com a dor do povo mais do que qualquer outro. Nos últimos anos, testemunhara impotente o declínio de Relish sob o jugo de seu pai. Não tolerava mais ver o povo morrer. Temia o pior se a situação persistisse.
Em segredo, vinha articulando alianças com rebeldes em várias regiões. Homens prontos a lutar se lhes desse esperança de mudança. Sabia que se descoberto, o pai não hesitaria em condená-lo à morte, como fizera com tantos outros. Mas não encontrava mais alternativa além da ação direta.
Aveline compartilhava dos ideais do irmão, mas temia por sua segurança. Se algo lhe acontecesse, seria o fim de qualquer chance de liberdade para o reino. Ela pedia calma, e que Arthur esperasse o momento certo para agir. Mas o príncipe sabia que a cada dia de espera, mais vidas inocentes se perdiam na miséria. Precisava fazer algo, antes que fosse tarde demais.
A febre que tomara Aveline nos últimos dias não fora suficiente para demovê-la de seus temores quanto ao irmão. Aveline sabia que Arthur não deixaria de lado sua luta, por mais que implorasse para preservar sua segurança.
Naquela noite, em meio a delírios febris, foi desperta por gritos ao longe. Envolta em seu roupão, correu até a janela apenas para ver criados correndo em desespero pelos jardins iluminados pela luz da lua minguante.
Um deles avistou seu semblante aflito e gritou-lhe, angustiado:
"Princesa! O príncipe desapareceu!"
"Meu irmão..." sussurrou, sentindo a garganta doer. Algo dentro de si a fazia temer pelo pior.
O mundo pareceu ruir sob os pés de Aveline. Suas pernas fraquejaram e tudo se apagou à sua volta. Quando abriu os olhos novamente, sentia apenas uma mão úmida tentando refrescar sua testa ardida. Marion estava ali.
Por longos dias e noites, grupos de homens percorreram vale e montanha em busca do desaparecido príncipe, sem qualquer sinal do seu paradeiro. Com o passar do tempo, a esperança de encontrá-lo com vida se esvaindo.
Enquanto isso, trancada em seu quarto, Aveline murchava como flor sem sol. Marion testemunhava, apreensiva, a princesa definhar a cada manhã, enquanto noites de choro e delírio a castigavam.
Quando enfim a notícia do príncipe dado como morto chegou aos seus ouvidos, qualquer resquício de luz abandonou seus olhos. Sem mais forças para lutar, entregou-se de corpo e alma à tristeza que a consumia.
Passava os dias em letargia, o olhar perdido nas sombras do quarto, presa a lembranças que traziam dor, mas também conforto. Já não comia ou dormia, alheia ao mundo a seu redor, como se parte de si mesma também tivesse partido com o irmão amado naquele trágico dia.
Um dia, Aveline recuperou parte das forças, e deixou seus aposentos pela primeira vez em semanas. Ainda fraca, arrastou-se pelo corredor silencioso até o gabinete de seu pai, buscando alguém com quem desabafar sua dor, mesmo que fosse aquele homem.
Ao se aproximar da porta entreaberta, ouviu a grave voz do conselheiro de seu pai.
"Meu senhor, sem o príncipe resta apenas a princesa Aveline como possível herdeira. Porém, sendo mulher..."
"Jamais estará preparada", cuspiu Isaac com desdém. "Ela teria sido digna se fosse como sua falecida mãe. Mas não passa de um estorvo, tal qual o irmão, para o qual fiz o favor de livrar-se também."
O sangue de Aveline gelou em cólera. Então fora o próprio pai quem arquitetou a desgraça de Arthur? O ódio e a mágoa queimaram em seu peito, dando-lhe coragem.
Empurrou a porta de supetão, encarando o pai e o conselheiro com os olhos azuis faiscando.
"Você assassinou meu irmão!" gritou, encarando o genitor pela primeira vez sem medos.
O rosto de Isaac empalideceu por um breve momento, antes de um sorriso cínico despontar em seus lábios.
"O que importa isso agora? Nem você e muito menos Arthur jamais poderiam ocupar o trono de Relish."
"Sou sua única filha legítima! O direito real é meu por direito de sangue!"
"Direitos podem ser mudados quando convirem. Logo se casará com o filho de Ashton, e não será mais problema meu. Depois, tomarei uma nova esposa e terei filhos mais adequados para ascender ao trono."
Como fora capaz, o homem que um dia chamara de pai, de tamanha crueldade contra seu próprio sangue? Ela e Arthur nada representavam para ele além de meros empecilhos em sua obsessão por poder. E agora o destino preparara o mesmo para ela, como castigo por também desafiá-lo.
Em meio a soluços, a princesa compreendeu estar trilhando o mesmo caminho de seu amado irmão. Se permanecesse, seria apenas uma questão de tempo até Isaac ter coragem de livrar-se dela também, para conseguir seus intentos. Aveline estava sozinha.
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Atualizado até capítulo 50
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