No fim de uma rua onde os postes piscavam com saudade e os muros carregavam mais grafites do que tinta, havia uma casa... que crescia.
Ela não era notada facilmente. Seus tijolos tinham a mesma cor das manhãs nubladas e suas janelas, o mesmo silêncio das despedidas. Mas, se alguém olhasse com atenção suficiente — daquelas atenções que só os cansados sabem ter — veria que a casa tinha algo de... inquieto.
A cada vez que alguém entrava com o coração cheio, ela esticava uma parede.
A cada vez que saía alguém quebrado, ela encolhia o corredor.
E, às vezes, quando o mundo lá fora se tornava insuportável, a casa respirava — rangendo portas como quem suspira em segredo.
A moradora chamava-se Aurora. Nome de amanhecer, vida de entardecer.
Tinha os cabelos sempre presos como se temesse que pensamentos escapassem, e olhos tão quietos que pareciam escutar mais do que ver. Morava sozinha, mas não solitária — pois a casa nunca permitia solidão.
Era ela quem pintava as paredes internas de cores improváveis: verdes que só existiam no meio de florestas que ninguém mais visita; azuis tão profundos quanto perguntas sem resposta; vermelhos intensos como lembranças que queimam.
O curioso é que Aurora não tinha pressa.
— “A casa ainda não terminou de crescer”, dizia.
Mas ninguém entendia o que isso significava.
Ela acolhia todo tipo de gente.
— Um menino que tinha medo de dormir sozinho.
— Uma mulher que deixara tudo para trás.
— Um homem que havia esquecido como era ser ouvido.
Aurora não perguntava muito. Nem julgava.
Apenas oferecia chá, um cobertor e... tempo.
E a casa fazia o resto.
Ela estendia janelas para que a luz encontrasse quem se escondia.
Abria alçapões para que traumas escorressem.
E, certa noite, até moveu as escadas — porque alguém precisava subir, mesmo sem forças.
Um dia, Aurora adoeceu.
Nada físico.
Apenas... silêncio demais.
A casa sentiu.
Começou a gemer pelas vigas. A porta da frente emperrou. As luzes piscavam sem motivo aparente.
E então, algo inédito aconteceu.
A casa encolheu.
Os quartos desapareceram, os corredores se apertaram, as janelas sumiram.
Tudo virou um só cômodo — onde Aurora se deitou, e tudo o que ela era... descansou.
Ela não morreu.
Mas deixou de estar ali.
Meses depois, quando ninguém mais passava por aquela rua, um menino — já homem — voltou.
Trazia na mão um envelope.
Dentro, um desenho malfeito de quando tinha sete anos: ele e Aurora tomando chá, com a legenda escrita torta: “Casa de se curar”.
Chorou, mesmo sem entender o porquê.
E decidiu entrar.
A porta, antes emperrada, se abriu como se esperasse por ele.
E então...
A casa voltou a crescer.
Dizem que, desde aquele dia, ela nunca mais parou.
Cada vez que alguém leva dor, ela se expande.
Cada vez que alguém deixa um pouco de si, ela se transforma.
Hoje, há quem jure que a casa não está mais naquela rua — que ela aparece onde é necessária.
Como um sussurro.
Como uma pausa.
Como um recomeço.
Mas ninguém jamais viu Aurora de novo.
Talvez... porque agora, ela é a casa.
Lição?
Talvez você também tenha sido abrigo.
Talvez você precise encontrar o seu.
Ou talvez... só precise lembrar que crescer, às vezes, é apenas voltar a ser espaço para si mesmo.
Fim.
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Atualizado até capítulo 21
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