O Alfaiate de Outonos

No coração de uma viela esquecida pelo GPS e pelas ambições modernas, existia uma alfaiataria que só abria durante o outono.

Não havia placa, nem horário fixo. Apenas uma porta de madeira escura, com uma campainha de som agudo e elegante. Quem passava apressado nunca a via. Mas os que carregavam saudades no bolso, dores nos ombros ou memórias no forro do coração... esses sempre acabavam encontrando o lugar — sem entender muito bem como.

Ali costurava um homem já velho, de mãos finas e olhos que pareciam ter dormido pouco, mas sonhado muito. Chamavam-no apenas de Senhor Elías.

Sua voz era baixa, como um casaco de lã em um dia cinza. Seus gestos eram precisos, quase silenciosos, como se costurasse o próprio tempo em cada ponto.

O ateliê era pequeno, mas imensamente detalhado: rolos de tecido empilhados em cores que pareciam tiradas de sentimentos e não de tintas; tesouras penduradas como instrumentos cirúrgicos; fios dourados e prateados que cintilavam sob a luz âmbar de um lustre antigo.

O mais curioso, no entanto, não era o lugar — e sim os pedidos.

Elías não costurava roupas comuns.

Costurava despedidas.

Recomeços.

Promessas que precisavam ser vestidas.

E por um valor que jamais envolvia dinheiro.

Naquela tarde, com as folhas já cobrindo os paralelepípedos da rua como cartas não enviadas, foi Clara quem entrou.

Trinta e sete anos. Cabelos negros como tinta derramada, olhos de quem já riu muito, mas havia esquecido como. Carregava uma pasta desgastada, e dentro dela, a papelada de um divórcio que mais parecia uma sentença de esquecimento.

O sino tocou.

— Venho por um casaco — disse, tentando parecer casual.

Elías, sem levantar os olhos, respondeu:

— Que tipo?

— Um que me caiba agora.

Ele finalmente ergueu o olhar. Observou Clara como quem mede não as medidas físicas, mas os espaços em que a alma deixou de habitar.

— Entendo — murmurou. — O que está disposta a deixar no bolso?

Clara hesitou. O que aquilo significava?

— Não estou certa do que o senhor quer dizer...

— Cada peça leva um pedaço de quem a veste. Só posso costurar com o que estiver disposta a abrir mão.

Ela permaneceu em silêncio. Tirou da pasta uma fotografia amassada — tirada em uma primavera distante. Ela e ele, sorrindo. Uma bicicleta ao fundo. A foto de um tempo que já não existia.

— Isto — disse. — Eu deixo.

Elías pegou a foto com cuidado. Dobrou-a com uma delicadeza que ninguém mais teria. Guardou-a dentro de um bolso costurado à parte do tecido cru. E começou o trabalho.

Os ponteiros do relógio pareciam perder o ritmo enquanto ele cortava, alinhava, alinhavava. Nenhuma máquina. Apenas agulha, linha e um silêncio que dizia mais do que qualquer conversa.

O casaco ficou pronto antes do pôr do sol.

Era marrom, de lã pesada, com forro interno que lembrava os cobertores da infância. Bolsos fundos, como para guardar lembranças que pesam. Botões de madeira antiga. E uma gola alta, que protegia até o que não se dizia.

Clara vestiu. E não disse nada.

Mas seus ombros, antes curvados, pareciam agora conversar com o céu.

Pagou com a fotografia.

E antes de sair, perguntou:

— E se o casaco começar a pesar?

Elías sorriu pela primeira vez. Um sorriso sutil, de quem já ouviu essa pergunta muitas vezes.

— É sinal de que ainda está lembrando. Mas, com o tempo, ele só aquece.

Ela foi embora.

Nunca mais voltou.

Dizem que Elías fechou a alfaiataria naquela estação. E que em todos os outonos seguintes, só abria se houvesse alguém com uma história ainda mal costurada no peito.

Alguns duvidam que ele exista.

Outros afirmam que receberam dele um terno que os ajudou a encerrar um luto. Um vestido que curou uma culpa. Um cachecol que selou o perdão.

O que é certo...

É que naquela rua esquecida, as folhas ainda caem mais cedo.

E quem passa por lá, juraria ter ouvido o som de uma tesoura, abrindo espaço entre o passado e o que ainda está por vir.

Fim.

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