CAPÍTULO 1

...ELIZABETH...

— Não... não! Por favor, não... Não mate meu pai! — imploro, a voz embargada de desespero.

— NÃO, PAAAI!

Acordei com um sobressalto, arfando, como se tivesse emergido de um afogamento. Levei alguns segundos para entender onde estava. O quarto ainda mergulhado na penumbra, o ar denso, e os lençóis colados ao meu corpo encharcado de suor.

Passei a mão trêmula pela testa e olhei ao redor, como se buscasse provas de que o pesadelo havia acabado. Meus olhos, ainda turvos, pararam sobre a fotografia na escrivaninha. Levantei-me devagar e a peguei com mãos hesitantes.

Era uma imagem de outro tempo, eu, pequena e sorridente, sentada no colo do meu pai. Por um instante, quase consegui sentir o calor daquele abraço. Como éramos felizes naquele dia. Eu era apenas uma criança, ingênua, protegida, sonhadora. Toda menina deseja um pai presente. Mas eu infelizmente não tive essa sorte.

Guardei a foto com mãos trêmulas, os olhos varrendo cada canto do quarto como se algo, ou alguém estivesse à espreita. Um arrepio percorreu minha espinha. Havia uma presença ali. Invisível, silenciosa, mas insistente.

Essa sensação me visita todas as noites desde que me mudei para Nova York, buscando paz em um bairro afastado, cercado por poucas casas e muito silêncio. Eu só queria estar sozinha, longe do caos, longe das lembranças. A solidão sempre foi um sonho. E, por um tempo, pensei em tê-la conquistado.

Mas a paz que encontrei foi rapidamente consumida por pesadelos. Sonhos horríveis com meu pai, morrendo das formas mais cruéis que uma mente doentia poderia conceber. Sempre alguém tentando matá-lo uma figura sem rosto, impiedosa, insana. E então, há ele.

Um homem. Sempre presente em minhas visões: alto, de corpo atlético, envolto em roupas elegantes como se tivesse saído de um baile. Mas seu rosto, permanece um vazio. Um vulto. Ainda assim, algo dentro de mim diz que ele é perigoso.

Não entendo. Talvez seja um sinal. Talvez meu pai esteja vivo, e sofrendo. Talvez aquele homem esteja realmente tentando matá-lo.

Não posso mais ignorar. Preciso descobrir por que ele me deixou, desapareceu sem deixar rastros, me condenando à infância sem um pai presente que eu tanto precisava.

Hoje, aos dezenove anos, tudo o que tenho são memórias partidas e pesadelos sombrios que parecem gritar por respostas. Entrei no banheiro e encarei o espelho. Meus olhos estavam embaçados de lágrimas, vermelhos, inchados. Eu chorava, não apenas de saudade, mas por aquele vazio fundo e doloroso, um buraco escuro no peito que só se fecharia no dia em que eu o visse novamente.

Fiquei ali, me observando. A expressão cansada, o rosto abatido, alguns fios de cabelo desalinhados como se refletissem o caos dentro de mim.

Foi quando aconteceu. Um vulto passou rapidamente atrás de mim. Arregalei os olhos, o coração disparando numa batida. O ar me faltou por um segundo.

— Droga, o que foi isso? — pensei, tentando controlar o pânico que me subia pela garganta. Num gesto rápido, lavei o rosto com água fria, como se aquilo pudesse me despertar daquele estado. Ou talvez, de loucura. Peguei a toalha e comecei a enxugar o rosto com mãos trêmulas.

Então, o som. Um estrondo violento ecoou pela casa. Barulhos secos e pesados, como se alguém estivesse tentando arrombar a minha porta de entrada.

— Quem será? — Olhei para o relógio pendurado na parede: 6h da manhã. Não era cedo demais. Mas o dia ainda despertava, e a luz tímida que atravessava as janelas parecia fraca diante daquela presença, algo estranho, denso, quase maligno que eu sentia se aproximar.

— Será que é algum vizinho, precisando de ajuda?

Minha mente começou a correr, como sempre faz. Penso demais. E, claro, passo horas da noite assistindo filmes de terror o que não ajuda em nada.

Talvez eu devesse trocar os filmes de assassinato e espíritos vingativos por romances clichês, daqueles cheios de beijos na chuva e declarações piegas.

Mas, verdade seja dita: Esses me fazem chorar ainda mais. Filmes sobre amores verdadeiros, almas gêmeas e promessas eternas coisas em que eu já não acredito.

Desci as escadas com uma leve pontada de dor na cabeça. Fui direto para a cozinha, em busca de um copo d'água e um analgésico.

Enquanto me apoiava no balcão, o som na porta continuava, estrondoso, insistente, como se alguém estivesse determinado a entrar.

Tomei a água em um único gole, tentando engolir junto o medo seco que subia pela garganta. Um calafrio percorreu minha espinha.

O barulho não parava. Ficava cada vez mais forte.

Até que não resisti. Me aproximei da janela da cozinha e, por uma fresta entre a cortina, espiando com cautela. Meus olhos se arregalaram de imediato.

Meu vizinho estava parado ali, me encarando. Um sorriso estampado no rosto, largo demais, estático demais. Um sorriso que não era de alegria, mas de algo mais profundo, mais distorcido. Algo... macabro.

— Droga...— sussurrei. Sem pensar muito, girei nos calcanhares e fui até a pia. Peguei a primeira faca que vi no escorredor. Segurei firme. Meus dedos estavam gelados.

Eu não fazia ideia do que ele queria. Mas sabia que precisava estar pronta.

Com a faca nas mãos, caminhei até a entrada. O barulho continuava. Cada batida parecia mais próxima.

E o medo, mais real.

Aproximei-me da porta com passos lentos, como se cada tábua do chão pudesse denunciar minha presença a algo que não deveria estar ali. A faca tremia na minha mão, mas eu a apertava com força, como se pudesse me proteger daquilo que nem compreendia.

As batidas cessaram de repente.

Silêncio.

Um silêncio tão espesso que parecia me engolir.

Fiquei parada diante da porta, o ouvido encostado na madeira. Nada. Nem passos, nem respiração. Apenas um vazio opressor do lado de fora.

Com o coração aos pulos, espiei novamente pela janela da cozinha. O vizinho sumira. Como se nunca tivesse estado lá.

A rua estava deserta.

Virei para voltar à cozinha, mas parei.

Algo mudou.

O ar estava mais frio. E então eu ouvi.

Sussurros.

Fracos. Arrastados. Como vento passando por uma garganta antiga.

Vinham de cima.

Do sótão.

Engoli seco. Nunca subia ali. Era um espaço abandonado, cheio de caixas velhas, poeira e lembranças que preferi trancar. Mas agora, algo me chamava. O sussurro se repetiu. Mais alto. Quase audível. Como se dissesse meu nome.

— Elizabeth! — Meu sangue gelou.

A faca escorregou um pouco na minha mão suada. Respirei fundo, tentando decidir se ignorava aquilo ou se subia. Se deixava a sanidade para trás ou aceitava que havia algo naquela casa, algo que esperava por mim.

Dei um passo em direção à escada que levava ao sótão.

Outro.

A madeira rangeu sob meus pés.

E então, a luz da sala piscou.

Uma.

Duas vezes.

Apagou.

Fiquei envolta em sombras.

E ouvi, bem perto do meu ouvido:

— Finalmente, acordou!

Congelei. A voz sussurrada junto ao meu ouvido não era desconhecida. Era grave, familiar, distante.

Era a voz do meu pai.

Meus olhos se arregalaram, e o instinto foi correr. Fugir. Mas algo me prendeu. Um sentimento que misturava medo e saudade como se aquela presença quisesse mais do que me assustar. Quisesse me guiar.

Olhei para a escada que levava ao sótão. O silêncio havia voltado, mas agora ele pesava de forma diferente. Como um convite sombrio.

Subi o primeiro degrau com o coração batendo no pescoço.

O segundo.

A cada passo, o ar ficava mais espesso, mais frio, como se eu estivesse atravessando um limiar entre o agora e algo muito mais antigo.

Quando alcancei a última tábua, estiquei a mão e empurrei a tampa do sótão. Ela rangeu como um lamento.

A luz fraca da manhã mal tocava aquele lugar. A escuridão ali parecia viva, quase pulsante. Iluminei com o celular. Pó dançava no ar. Caixas, molduras antigas, um baú enferrujado.

E no centro de tudo, algo me chamou a atenção.

Um espelho, grande, antigo, com a moldura de madeira escurecida pelo tempo. Mas o que me arrepiou até a alma não foi o espelho em si, e sim o reflexo.

Ali, entre sombras, estava meu pai.

Não o homem envelhecido pelo tempo, mas o pai da minha infância. O mesmo rosto gentil, o mesmo olhar preocupado. Ele não sorria.

Ele parecia: Preso.

Mais populares

Comments

Luciana Souza

Luciana Souza

quem sera que tava no carro, buzinando

2024-09-10

1

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!