...Capítulo 03...
Sentada no chão, sentindo a chuva me molhar, olhei ao redor e sabia que ninguém tinha visto o ocorrido. As lágrimas rolavam no meu rosto e, como um filme de terror, toda aquela cena passava na minha cabeça. Eu não sabia o que pensar, não sabia como reagir. Levantei-me e, ainda com a parte de baixo nua, coloquei a minha calcinha e a calça jeans, que estava toda suja de terra e molhada. Dei alguns passos para trás e peguei minhas coisas que aquele nojento tinha jogado antes de sair com o carro. Com toda a tristeza do mundo carregada no peito, caminhei até a via e dali comecei a andar em direção à minha casa, que ficava a uns 25 km de distância.
Na minha mente, uma voz diferente surgiu e dizia que eu não deveria retornar, e sim me matar.
Será que devo obedecer? — me pergunto.
Como vou contar à minha mãe? Ou à minha avó? Que sempre me dizia: "Não entre em carro de estranho, querida".
Mas ele é o meu professor...
Como ele conseguiu fazer isso comigo?
Por que ele fez isso comigo?
Já na via, com todas essas perguntas, as lágrimas e a dor são minhas companheiras. Um carro passa por mim e torço para que não pare. Para o meu azar, ele para e dá ré.
— Diana? — fala uma mulher, surpresa em me ver.
Em meio à dor, não a reconheci pela voz, mas ao olhar dentro do carro, vejo que é a professora Karen.
— Entre no carro, preciso levar você para casa agora. O que aconteceu? Onde você estava? Por que está tão suja?
As perguntas dela me fazem chorar ainda mais. Ela desce do carro e me empurra levemente pelo braço até a porta da frente, do outro lado.
— Entre, querida, está chovendo.
Sem questionar, eu a obedeço.
Qual seria o mal que ela poderia fazer? Pior do que esse? Então, não imaginava ser mais maltratada do que já havia sido.
Ela coloca o cinto e começa a dirigir.
— Vou levar você para a minha casa. Como estou morando sozinha, não precisa se preocupar. Lá você toma um banho e conversamos, se quiser.
Sinto que o ar quente do carro faz com que eu comece a tremer de frio. Então percebo: ela estava certa.
Eu não poderia chegar assim em casa. Com meu avô enfermo, isso traria muitos questionamentos, e eu não sei se queria contar o ocorrido.
Chegando à casa da professora, sem conversar muito, ela me direciona até o banheiro. A casa dela é grande e muito bem arrumada. Entro em um dos quartos e vejo ela abrir o guarda-roupa e retirar um roupão.
— Tem uma banheira nesse banheiro. Tome um banho relaxante. Eu vou fazer um achocolatado e depois você me conta o que aconteceu.
Eu não tinha palavras e não sabia como agradecer a ela por todo esse cuidado. Abracei-a, sujando sua roupa, mas ela não se importou. Devolveu o abraço e passou a mão nos meus cabelos, molhados e duros de terra.
— Vá tomar seu banho. Eu te aguardo na cozinha.
Confirmei com a cabeça e entrei no banheiro, obediente.
Depois de vestir as roupas que estavam em cima da cama, abri a porta do quarto e fui até a cozinha. Ela estava sentada, usando óculos e lendo algo no computador.
— Sente-se. Coma alguma coisa — ela indicou o lugar.
— Eu não estou com fome. Só quero ir embora.
— O que você estava fazendo no meio da pista? Molhada, suja?
— Eu não sei se quero falar sobre isso...
Toda aquela cena voltava e minhas lágrimas saíam sem eu conseguir controlar.
— Diana, você precisa confiar em mim — ela se levanta e senta ao meu lado.
— Eu... — já soluçando de tanto chorar, as palavras não saem — Eu fui abusada, professora.
A expressão dela muda. Ela retira os óculos.
— Por quem, Diana? Você precisa confiar em mim!
— Como vou saber se a senhora vai acreditar?
— Eu estou aqui, não estou? Trouxe você para a minha casa porque senti que não estava bem. E sei da situação da sua família.
— Pelo Mar... — As lágrimas me tomam e já não consigo dizer nada com clareza. Começo a gaguejar.
— É algum moleque? Um amigo seu?
— Não — falo, gaguejando. — Professor Marcelo...
Consigo respirar e a voz finalmente sai. A professora se levanta, coloca a mão na cabeça e respira fundo.
— Eu acredito em você. Mas como isso foi possível? O que você estava fazendo com ele?
— Eu estava na chuva e ele ofereceu carona. Aceitei por estar longe de casa. — Contei em lágrimas.
— Que maldito! Diana, você não pode contar isso à sua mãe.
Ao ouvir isso, a encaro sem entender.
— Por quê?
— Querida, isso é uma acusação muito séria. Sua família é simples, não terá condições de pagar um advogado — ela fala, sentando ao meu lado e colocando meu cabelo atrás da orelha. — Sei que está assustada. Mas já imaginou tudo que você vai ter que enfrentar em um julgamento? Vai ter que conviver com os olhares, os julgamentos... E sujaria o seu nome nas escolas, nas universidades. Eu sei que você tem sonhos. Imagine tudo isso sendo destruído diante dos seus olhos. O professor Marcelo é muito querido pelas pessoas. Ninguém acreditaria em você.
— O que devo fazer? — pergunto, confusa.
— Mude de cidade. Ou melhor, de escola. Converse com sua mãe e fale alguma coisa, sem entrar nos detalhes. Tenho certeza de que você é o orgulho dela — ela sorri me encarando. — Estou com você. Conheço uma amiga que acabou de se formar em Psicologia. Quero que você passe com ela.
Ela vai até a geladeira e traz um contato.
— Eu não tenho condições...
— Não se preocupe. Para provar que estou com você, eu vou pagar suas sessões.
A professora me deu muitos conselhos. Do ponto de vista dela, ninguém acreditaria em mim. O próprio professor poderia dar outra justificativa, dizer que não estava comigo. A chance de provar era pequena. Por isso, ouvi a professora e me conformei.
Precisava esquecer aquele dia. Precisava tentar seguir em frente.
Chegando em casa, minha mãe estava com o telefone na mão e os olhos vermelhos.
– Onde você estava, garota? Olha a hora! – Sua voz era de muita preocupação, e eu não a culpo. Eu nunca havia chegado tão tarde em casa, e ao olhar para o relógio, já passava das 19h.
– Senhora, ela estava comigo. Encontrei-a na chuva e resolvi levá-la para casa, pois estava muito molhada. Como a chuva estava forte, convidei-a para tomar um café comigo. Não se preocupe, ela está bem. – A professora não me deu tempo de dizer qualquer coisa.
– Entre! Vá para o seu quarto AGORA! – minha mãe falou, brava. Eu nunca a tinha visto tão nervosa. – Obrigada, professora. Eu estou irritada porque ela sempre me diz onde está.
– Eu entendo sua preocupação. Peço desculpas por não ter informado antes. Eu não tenho seu contato e o celular dela molhou. – Olho para trás e vejo a professora entregando meu celular para minha mãe. Ela deve ter pego o celular para secar enquanto eu tomava banho, assim imaginei.
– Obrigada, professora Karen. Fico mais aliviada de vê-la em boas mãos. – Encosto a porta do meu quarto e não escuto mais nada.
Deitei na cama e, ainda com a virilha dolorida, consegui descansar.
(Sonho) — Me solta! Não! Por favor, não... eu faço o que você quiser...
Acordo assustada. Meu quarto está escuro e sinto as lágrimas escorrendo.
– Filha? Você está bem? – minha avó perguntou, entrando no quarto e acendendo a luz.
– Sim, eu tive um pesadelo, não se preocupe. – Olhei para o relógio: eram 00:34. – O que a senhora faz acordada?
Ela abaixa a cabeça.
– Seu avô teve um ataque cardíaco esta noite.
Levantei num pulo e passei por ela, indo em direção ao quarto deles.
– Por que você não me acordou?
– Eu percebi que você estava muito cansada. Ele está bem, a ambulância já está vindo. – Entro no quarto e vejo meu avô pálido, e diante de toda aquela situação, começo a chorar.
– Ele vai ficar bem, não precisa chorar – minha mãe fala, entrando no quarto.
– Vovô, você está me ouvindo? – Ele confirma com a cabeça. – Eu te amo muito. O senhor vai sair dessa. – Ele abre um sorriso para mim, e as lágrimas não cessam.
– Venha comigo, Diana. Vamos tomar um chá. – Minha mãe me guia pelos ombros até a cozinha. – Calma, ele vai ficar bem. – Houve um minuto de silêncio. – Me desculpa, filha, por gritar com você. Eu não quis... – ela começa a chorar – eu só me preocupei. Tenho tanto medo de você passar pelo que eu passei...
Mal ela imaginava o que eu havia enfrentado naquele dia. E foi ali que percebi que ela não podia saber. Ela se sentiria uma mãe horrível, sendo que a culpa não foi dela. Ela sempre fez de tudo por mim. Me aproximei e abracei-a.
– Me desculpa, mãe. Eu deveria ter te ouvido. – E as lágrimas rolam, tanto do meu rosto quanto do dela.
– Está tudo bem agora. – Tomamos o chá, e logo em seguida a equipe médica chegou. Vejo a movimentação e meu avô sendo levado por eles.
– Eu vou ficar com o papai no hospital. Filha, cuida da sua avó, ela está abalada. Tendo qualquer novidade, eu vou ligar para o celular da mamãe, ok?
– Sim, mãe. Cuida bem dele. – Dou um beijo nele, já dentro da ambulância, e outro na minha mãe. – Eu amo vocês.
Logo em seguida a ambulância vai embora, e ao olhar para minha avó, ela está chorando muito. Não demorou para que ela fosse ao quarto rezar. E, naquela ocasião, o meu coração já machucado se feriu ainda mais. Após o momento de silêncio, deitei na cama com ela e conversamos bastante. Então, ela me contou como conheceu o meu avô: foi em um dia de festa da escola, onde os alunos iam participar de uma competição, e meu avô era o goleiro do time adversário.
– Sabe, Diana, eu era muito bonita como você naquela época. Os rapazes viviam atrás do meu pai, me pedindo em casamento. – Rimos.
– Você ainda é muito linda, vó. – Beijei sua testa. – Continue – falei, ansiosa pela história.
– Ele era alto, muito bonito e, já naquela idade, um homem muito trabalhador. Ajudava sua família, que vivia passando necessidade. Quando o vi, percebi que ele era o amor da minha vida. Meu coração acelerou, senti um arrepio... e nunca imaginei que aquele sentimento nos levaria a se conhecer. Ele era amigo do meu irmão mais velho, o tio Chico… — que já é falecido. — E naquele mesmo dia, no campeonato, depois de perder para o meu irmão, Chico o convidou para almoçar em casa, e ele aceitou. Quando chegou, disse que se apaixonou por mim. Conversamos e, todo domingo, ele saía da sua cidade para vir até a nossa, e passava o dia brincando pelo quintal com o meu irmão. Logo, meu pai percebeu o interesse dele e nos chamou para conversar, perguntando se queríamos nos casar. Ele disse que seria uma honra. Mesmo naquela época, em que a mulher não tinha direito a escolha, meu pai me perguntou se eu gostava dele. Confirmei com a cabeça, pois meu pai não entregava suas filhas a nenhum homem sem a vontade delas.
– Que história linda, vó!
– Nos casamos. Engravidei dois anos depois, mas meu útero era muito pequeno e não consegui segurar o bebê. – Quando minha avó fala isso, fico de boca aberta. Não sabia que ela já tinha perdido um filho.
– Sério, vó? E por que você nunca me contou isso antes?
– Você é uma criança querida, não tem que saber tudo ainda – ela fala, limpando as lágrimas ao relembrar do passado. – Seu avô foi incrível. Um homem bom e presente. Em meio a tanta dor, ele sempre segurava minha mão e dizia que um dia teríamos um bebê, e que esse seria o nosso orgulho. E ele estava certo. Olha sua mãe, ela é a nossa alegria. Vive por nós e ainda nos deu o maior presente que um pai e uma mãe podem desejar: você, querida. – Sorrio com esse comentário fofo dela. – Eu peço tanto a Deus para colocar um homem bom na vida da sua mãe, e também na sua.
Relembro o que ocorreu naquele dia e fico sem reação.
– Vocês ainda vão ser muito felizes, eu sei disso.
Não demorou muito para adormecermos, e despertei com o celular da vovó tocando às 8h40 da manhã.
– Alô?
– Filha… – escuto uma voz chorosa.
– Mamãe? O que foi?
– Ai, querida... – houve um silêncio e muito choro. Então percebo: – Ele se foi, filha.
O que eu mais temia tinha acabado de acontecer. Começo a chorar, abalada. Minha avó acorda, e ao me ver chorando já entende o ocorrido.
– Meu João... cuida dele, Deus! – ela diz em voz alta, chorando desesperadamente. Abraço-a e ficamos um tempo ali.
– Vó, estou aqui com você.
(Alguns dias depois)
Após a perda do meu avô, fiquei duas semanas em casa e não tinha vontade alguma de voltar para a escola. Carla, Maria, Gabriel e Tônio já haviam me ligado para dizer o quanto sentiam pela minha perda, e Carla não cessava de dizer que estava com muita saudade de mim na escola e nas aulas de natação. A professora Karen foi até minha casa naquela semana para conversar comigo e me levar alguns remédios, para evitar qualquer gravidez indesejada. Para minha sorte, minha menstruação já havia descido.
Conversei com minha mãe e consegui me mudar para a escola da Maria Clara. Ela ficou muito feliz com a novidade, mas as novas amizades dela não nos deixaram tão próximas. Carla não entendeu a mudança repentina, e minha explicação foi que a antiga escola me fazia lembrar do meu avô.
– Filha, sua nova escola ligou e disse que entende sua dor, mas você precisa retornar às aulas – disse minha mãe, entrando no quarto. Eu estava mexendo no celular novo que ganhei da minha tia-avó, irmã do falecido vô João.
– Prometo que segunda eu vou. – Era quinta-feira, não valia a pena ir só um dia.
– Ok, ok... segunda então, sem falta. – Ela se aproxima e beija minha testa. – Preciso ir. Te amo. Se cuida.
– Também te amo.
Comecei as minhas terapias com a psicóloga Renata Fiore. Ela é muito gentil. Contei a ela toda a minha história e, de psicóloga, ela virou uma grande amiga. A professora Karen sempre me visitava e ligava para mim. Nunca imaginei que teria uma professora tão boa assim ao meu lado.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 65
Comments
Elaine Ferreira
Que bondade dessa tal professora apoiar isso , qual o real interesse? Até quando esse ser escroto vai fazer suas vítimas?
Estou com a pulga atrás da orelha, tem caroço nesse angu.
2023-01-05
1
Monny_Sol_Hope🇧🇷
não acredito, que essa mulher tá apoiando um barbaridade dessa.
2022-11-22
2
Rifa Sorte
Nunca imaginei que uma história iria me fazer chorar, parabéns autora, espero muito que essa história tenha um final feliz.
2022-08-16
3