🎵 Trilha Sonora: Hurricane - Fleurie"
...Diana Damon...
Querido diário,
Sonhei novamente.
Desta vez, não havia o peso de pesadelos — mas também não havia paz. Era uma casa que nunca vi desperta, mas que, ao adormecer, sinto como lar.
Eu era uma criança no balanço, rindo ao vento, enquanto a voz de uma mulher — suave como o sopro da primavera — me embalava com frases doces, quase canções.
"Assim você vai acabar voando, meu amor."
Essas palavras ecoaram com tamanha nitidez que, ao despertar, por um instante, jurei que ainda estavam no ar do meu quarto. O problema é que não vi seu rosto. Nunca vejo. Mas a sensação de pertencimento, de amor… ela me envolve com uma melancolia que não sei explicar.
Então, ali, no limite entre o sonho e o abismo da consciência, ele apareceu. O mesmo garoto. De novo. Parado próximo à casa, como um fantasma à espreita — familiar, porém inalcançável.
Não sei se minha mente está me pregando peças ou se estou finalmente me lembrando do que tentam esconder de mim.
Estou cansada de viver na penumbra das verdades abafadas.
Hoje… hoje não vou esperar mais.
---
Minha mãe entrou no quarto pouco depois, trazendo na voz aquele mesmo tom doce que ela usa quando quer me dissuadir de alguma coisa. Quase sempre funciona. Hoje não.
— Estou preocupada com você, Diana.
Ela se sentou ao meu lado. Por um instante, deixei que a ilusão do cuidado me tocasse. Mas bastou uma pergunta minha, e lá veio o velho suspiro — o prelúdio das evasivas.
— Vamos te contar, querida… Mas não agora.
Claro. Sempre “não agora”.
Engoli o incômodo e escondi meu diário. Algumas verdades não são segredos — são cicatrizes. E mesmo que ela dissesse que era por amor, havia algo egoísta na forma como meus pais nos protegiam.
Pedi desculpas com o olhar, mas já havia tomado minha decisão.
Se eles não me dariam respostas, eu mesma as encontraria.
... ⚜️...
O motor da moto ronronava como se também guardasse segredos.
Atravessei as estradas sinuosas rumo ao sul, sentindo o vento cortar minha pele e levar embora, por alguns minutos, o peso das dúvidas.
A Riccia era sempre silenciosa. A torre decadente na colina observava o mundo em ruínas como um guardião cansado — e era exatamente o que eu precisava.
Subi, sentei entre as pedras cobertas de musgo e respirei fundo. Lá embaixo, o mundo continuava a girar, mas ali em cima, eu estava suspensa, entre o ontem e o que ainda não entendo.
Então, ouvi.
— Desta vez foi mais fácil te encontrar.
Levantei-me num impulso, e quando o vi, tudo em mim silenciou.
Ele caminhava entre os escombros como um felino faminto: elegante, controlado… e perigosamente calmo.
A pele era de um branco quase translúcido, como seda ao luar. Os cabelos castanhos, cortados com precisão, emolduravam um rosto de traços finos, aristocráticos, como se esculpido por mãos antigas.
Mas o que me fez hesitar foram os olhos. De um castanho intenso rubro.
Rubro.
Não em tom de sangue violento, mas de rubi — como brasas contidas, ardendo em segredo.
— Não pensei que me encontraria tão rápido assim — murmurei, mais para mim mesma do que para ele.
— Não fuja desta vez, eu não vou te machucar, Ivy.
Ivy.
A palavra bateu em mim como uma lembrança que não era minha.
— Quem? Meu nome é Diana.
Ele arqueou uma sobrancelha, sem surpresa.
— Certo, Diana. Entendi. Mas não fuja.
— Não era minha intenção fugir desta vez.
— O que te fez mudar de ideia?
— Estou cansada. Cansada de perguntas sem respostas. Eu quero entender.
Um leve sorriso surgiu em seus lábios. Não era zombeteiro. Era o tipo de sorriso de quem carrega um segredo há muito tempo e finalmente encontra alguém digno de ouvi-lo.
— Isso… facilita muito pra mim.
A brisa da colina soprava, mas dentro de mim era tempestade.
Eu não sabia o que ele queria, mas sei que, naquele instante, nada mais me parecia tão necessário quanto ouvir o que ele tinha a dizer.
Mesmo que isso me destruísse.
O ar ao meu redor parecia mais denso, como se o próprio tempo me observasse com cautela.
— Então pode começar, garoto. Só não entendo… como você parece o mesmo depois de todos esses anos? — murmurei, tentando não vacilar diante daquela presença enigmática. A desconfiança ardia sob minha pele.
Ele soltou um suspiro profundo, o tipo de suspiro que vem de alguém que carrega séculos nos ombros.
— Isso é simples, Diana. Mas precisamos ir devagar. — Sua voz soava como algo que eu já conhecia, mesmo que a memória não me entregasse a origem. — E foi bom você ter me ouvido… não ter tomado o remédio.
Engoli em seco. Uma lembrança latejava na minha nuca, mas era um vulto fugidio. — Eu não tinha certeza se a voz na minha cabeça era real. Mas arrisquei. — Falei mais para mim mesma do que para ele. O coração batia num compasso desordenado, como se reconhecesse antes de mim.
— Esse foi o primeiro passo para me encontrar. — Ele sorriu, como quem assiste um enigma prestes a se abrir.
— Acho que mereço saber seu nome. — Minha voz falhou na borda da pergunta.
— Alecsander Barton, mas por favor, me chame de Alec. — Ele falou, como se estivesse libertando um eco antigo. — Eu sei que, de alguma forma, você se lembra de mim.
Uma sensação me percorreu por inteiro. Era como se meu espírito tentasse tocar algo que minha mente ainda não alcançava.
— Eu não me lembro… — sussurrei. — Mas meu corpo inteiro diz que conheço você. Como se estivéssemos ligados por algo que ninguém mais vê.
— Porque estamos. — Alec deu um passo à frente. — E eu posso te ajudar a lembrar. Mas precisa confiar em mim, Diana.
— Como? — dei um passo instintivo para trás, mesmo sentindo o magnetismo inexplicável entre nós.
— Eu vou me aproximar.
E foi nesse exato instante que tudo ao redor pareceu ser engolido por uma rajada de vento invisível.
Theo surgiu do nada, como se o próprio tempo o tivesse trazido. Seu rosto carregava um desespero familiar, mas dessa vez com uma fúria contida.
— Diana, fica longe desse cara! — Ele se pôs entre nós como um escudo humano. — Não deixa que ele te toque.
Fiquei paralisada. Como ele havia chegado tão rápido? E por que parecia… tão aterrorizado?
— Você sabe que eu não vou machucá-la, Theodor. — Alec murmurou, com uma calma quase perigosa.
Theo cerrou os punhos, seu corpo inteiro tremia. — Você não entende, Diana. Você não pode confiar nele. Ele não é quem diz ser.
— Theo, não me coloca nessa posição. Eu preciso saber a verdade. — Minha voz soou firme, mas por dentro… eu estava desmoronando. Algo em Alec me chamava. E algo em Theo tentava me prender.
— Ela precisa saber — Alec insistiu. — Quanto mais tempo ela perde, mais os Arcanjos se aproximam.
— Arcanjos? — Minha voz saiu num sussurro. Um arrepio me percorreu as costas.
Theo virou-se para mim num movimento súbito. — Não escuta ele, Diana. Apenas… confia em mim.
Mas como confiar em quem só oferece silêncio?
O olhar de Alec se tornou feroz por um segundo. Ele se inclinou levemente, como quem prestes a se lançar. Theo percebeu. E então… tudo mudou.
Como num piscar de olhos, o mundo se desfez.
Quando voltei a respirar, estávamos em meu quarto. Meu coração batia em um ritmo insano. A janela aberta deixava o vento brincar com as cortinas, como se zombasse da minha confusão.
— O quê...? Como você fez isso? — Me afastei dele. — O que você está escondendo de mim, Theo?
Ele não respondeu de imediato. Olhou o corredor. Trancou a porta. O silêncio gritou entre nós.
— Eles ainda não voltaram — disse ele, baixo, como se cada palavra queimasse sua língua. — Nossos pais. Estão te procurando.
— Procurando? Por quê? — Minha voz estava embargada. — Quem sou eu, Theo? Quem é Alec? Por que eu me sinto dividida entre algo que não entendo?
Ele abaixou o olhar, como quem carrega um fardo que nunca quis segurar.
E naquele momento, entendi. As respostas sempre estiveram ali, entre os silêncios. E a verdade… a verdade estava prestes a sangrar.
O silêncio entre nós era mais ensurdecedor do que qualquer grito.
Eu o olhava.
E já não via meu irmão — via um cúmplice de um teatro que eu não aceitava mais interpretar.
— Você vai me dizer o que sabe. Agora. — minha voz cortou o ar, firme, crua, impaciente. Segurei seu braço, não com raiva, mas com urgência. — Desembucha.
Theo recuou um passo, os olhos alarmados como se tivesse ouvido uma ameaça onde só havia desespero.
— Eu vou te contar, Diana... mas agora não. Eles vão voltar.
Eles. Sempre eles. As sombras atrás da cortina, os donos da verdade que nunca me pertenceu.
— Já chega! — gritei.
A palavra explodiu de dentro, antes que eu pudesse contê-la. Theo arregalou os olhos. Eu nunca havia gritado com ele — e isso dizia tudo.
Naquele instante, ele percebeu: eu tinha deixado de ser a menina que esperava respostas; eu era a mulher que exigia a verdade.
— Você vai me levar de volta ou eu mesma volto a pé.
— Certo... mas se acalme.
Não havia mais calma em mim. Só cansaço. Um cansaço velho, que eu carregava sem saber, como se fosse herança genética.
— Estou exausta de mentiras. De cada gesto calculado. De cada silêncio cúmplice. Vocês me criaram num palco. E até agora, acho que só o Alec teve coragem de ser verdadeiro comigo.
Theo empalideceu.
— Você confia mais nele do que em mim, Diana?
Houve um silêncio. E ele doeu.
— Nem sei se este é realmente meu nome.
Ele baixou os olhos. Aquela verdade o atingiu como um soco.
— Certo...
A voz do meu pai ecoou lá embaixo, cortando o momento.
— Theo, você está aí em cima? Encontrou Diana?
— Me leva de volta, Theo. Por favor.
Ele me olhou como se buscasse forças para trair um pacto. Então assentiu, segurando minha mão.
Fechei os olhos e, como antes, o mundo girou.
Quando abri, estávamos diante de um lago. O reflexo da água tremia como se soubesse demais.
— Que lugar é esse? — perguntei.
Havia algo naquele ar que me fazia arder por dentro. Como se a memória estivesse à espreita, prestes a despertar.
— Vínhamos muito aqui quando éramos pequenos. Você amava esse lugar. — disse ele, quase em sussurro. — Brincávamos ali, com um barco de controle remoto. O barco era meu... mas você o sequestrava.
Ele riu com a lembrança, mas eu não consegui acompanhá-lo.
Porque a sensação que me invadia não era de alegria — era de vazio.
— E onde fica a casa?
— Vou te levar até lá.
— Espero que seja caminhando. — forcei um sorriso. Ele retribuiu com um riso frágil.
Enquanto andávamos sob as árvores, o som das folhas secas sob nossos pés era quase terapêutico. Mas o silêncio entre nós era denso, como névoa.
— Sabe... eu nunca quis mentir pra você. Mas meus pais sempre disseram que era para te proteger.
— Seus pais, Theo? Você sempre diz “meus pais”, e não “nossos”. — As palavras saíram afiadas, antes que eu pudesse filtrá-las.
Ele parou de andar. Ficou imóvel por segundos. O vento soprou forte, como se quisesse apagar a cena.
Theo suspirou — e o som desse suspiro pareceu mais velho que ele.
— Isso... isso não cabe a mim contar. — sua voz estava falha. — Por favor, não me obrigue.
Olhei para ele. O irmão que cresceu ao meu lado. O único rosto familiar na multidão de máscaras que me rodeia.
E pela primeira vez... eu me perguntei se ele também não era uma.
Por mais que eu deseje arrancar a verdade à força, algo em mim diz que não devo. Forçá-lo seria como quebrar uma vidraça já trincada — e mesmo que eu queira ver o que há por trás, o que restaria de nós?
— Eu não vou te pressionar. Só... quanto mais descubro, mais me afundo. Por que não me lembro de nada?
— Porque não é comigo que você deve conversar sobre isso. Mas se quer saber o que há nos comprimidos... — Theo hesita. Ele sabe que está cruzando uma linha. — Verbena e orquídea negra.
Esses nomes ecoam na minha mente como feitiços antigos. Não me dizem nada, e ao mesmo tempo... sinto que deveriam.
— Não faço ideia para que servem essas ervas.
— A verbena te afastava do Alec. A orquídea... para que não se lembrasse. Se eu te explicasse tudo agora, só te confundiria ainda mais.
Confusão. É tudo o que tenho sentido desde que acordei nesse mundo de meias-verdades. Mas algo muda em mim assim que saímos da floresta. Meu coração dispara, quase como um aviso sagrado.
Ali está ela.
A casa do meu sonho.
A realidade e o sonho se sobrepõem como véus finos. O tempo a castigou, mas eu a reconheço como se tivesse sido moldada na minha alma.
— Ela existe... Então era real... — sussurro, caminhando rápido até a árvore imensa no jardim. — O balanço ainda está aqui.
Meus dedos tocam a corda desgastada e sinto uma vertigem emocional. Um riso escapa, entrecortado pelas lágrimas. É como se eu me visse ali, anos atrás, e tudo tivesse sido arrancado sem aviso.
— Isso é surreal...
— Diana... você não está pensando em se sentar aí, está? Esse balanço... vai—
Sento. Balanço uma, duas vezes... E então, a corda se parte. Caio no chão, a risada me tomando inteira. Pela primeira vez em dias, sinto algo parecido com liberdade. Theo corre até mim, preocupado, mas estendo a mão para ele com um sorriso verdadeiro.
— Estou bem. Melhor do que estive há muito tempo. Podemos entrar?
Ele hesita. O olhar se prende à porta da casa como se fosse um portão para um passado que deveria permanecer enterrado.
— Não sei se é uma boa ideia...
— Vai me dizer que tem medo de ratos? De fantasmas? Eu preciso entrar.
Ele cede. Pega uma pedra entre os arbustos, retira uma chave escondida nela e destranca a porta.
— Só... tome cuidado.
O cheiro de abandono me invade assim que cruzamos o limiar. Poeira, tempo e silêncio. Tudo parece suspenso, como se o lugar tivesse prendido o ar para me esperar.
Sobre a lareira, retratos envoltos em fuligem. Um deles me chama. Meus dedos se movem sozinhos, limpando o vidro com a manga da blusa.
Sou eu. Menor, mais frágil, mas é inegável. Uma mulher repousa a mão em meu ombro com ternura. Os traços dela refletem os meus — cabelos, tom de pele, até o formato do rosto. Mas seus olhos... são de um azul profundo, quase violeta. Os meus, mais esverdeados, não carregam aquela tempestade.
— Quem é ela, Theo? — minha voz quase falha. Não é uma pergunta qualquer. É um pedido desesperado.
Ele fecha os olhos por um segundo, os lábios pressionados num silêncio cruel.
— Me responde, por favor. Na floresta você falou "meus pais". Theo... eles não são meus pais, são?
O silêncio dele confirma o que eu temia.
Recuo.
Algo em mim desaba com fúria contida. Não é só pela mentira. É pela confiança traída. Pela cumplicidade falsa. Pela ferida aberta que sangra sem nome.
— Você também? Como pôde...? Eu confiei em você.
— Diana... vamos voltar, por favor. Isso tudo vai te machucar.
— Eu estou machucada, Theo! E essa... — levanto o porta-retrato. — Essa era minha casa. Não vou a lugar nenhum. Você sim. Vai embora!
Corro até a porta, mas o mundo gira. De repente, tudo muda de lugar, e estamos de volta na sala da outra casa. Do nada. Theo usou os poderes. Me sinto traída de novo.
Mel e Rael estão ali. Os rostos misturam alívio e culpa. Mel nota o quadro em minhas mãos e seus olhos se arregalam.
— Theo... o que você fez?
Não espero a resposta. Subo as escadas com o coração pulsando como um tambor de guerra. Tranco a porta e me encosto contra ela. O quadro ainda em minhas mãos. A imagem ainda queimando minha retina.
Espero que Theo não atravesse a porta. Se me ama... se ainda restar algo verdadeiro entre nós... ele vai respeitar meu silêncio.
Sento no chão, abraçada à moldura, e sussurro para ninguém:
— Quem é você? Por que me tiraram de você?
A resposta virá. Nem que eu tenha que arrancá-la de cada parede dessa casa.
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Atualizado até capítulo 108
Comments
Rosangela Tadaisky
é livro 1 da quarta estória
2024-01-23
0
Rosangela Tadaisky
é livro 4
2024-01-23
0
Thayná Andrielli
quem tá confusa sou eu, tem que ler outro livro antes desse pra entender? pq eu vi aqui que está como livro um, então não é livro um?
2024-01-12
2