A Obsessão

A Obsessão

Começo

Capítulo 01

Em 1450, na Idade das Trevas, a Igreja Cristã decretou que aquelas consideradas esposas do próprio Diabo seriam queimadas vivas por prática de bruxaria. Desde o infeliz decreto, várias mulheres — bruxas ou não — foram acusadas e levadas à fogueira, queimadas vivas para, segundo a Igreja e Deus, pagarem por seus pecados no inferno.

— Querido, o que vamos fazer? — diz ela chorando entre soluços, enquanto segura as mãos trêmulas do marido. — Meu amor...

— Não chore. Apenas se esconda. Eles não vão machucar você.

Eles arrombam a porta com violência e arrastam o casal para fora da casa, onde há várias pessoas do povoado e duas enormes fogueiras acesas ao lado.

— NÃO! POR FAVOR! MINHA ESPOSA NÃO TEM CULPA, POR FAVOR!

— NÃO! ELES NÃO SABEM O QUE ESTÃO FAZENDO! HA... SOLTEM-ME!!

Eles jogam a moça em um enorme monte de madeira e a amarram para queimá-la viva.

— NÃO! POR FAVOR!

— AGORA, QUEIMEM A BRUXA!

— NÃOOO, MARINAAA!

— AAAAH! — Ele grita enquanto ela queima nas enormes chamas da fogueira.

— Haaa... não... hahaa... meu amor, não... ahaa — ele grita desesperadamente ao ver sua amada queimar viva ao seu lado. Um grande ódio cresce em seu peito.

— Seus bárbaros malditos... — diz ele entre soluços, ajoelhado, com as mãos amarradas para trás.

— Sua esposa está sendo purificada, para que Deus aceite sua alma no paraíso — diz o bispo, montado em um cavalo ao lado de dois guardas reais.

— Minha esposa não era uma bruxa! Ela era apenas uma mulher da ciência!

— Ciência, você diz... mas era bruxaria.

— NÃO! Vocês estão cegos e loucos! Mataram minha mulher por não compreender! MATARAM O AMOR DA MINHA VIDA POR SEREM OBCECADOS PELO FALSO DEUS DE VOCÊS!

— OLHE COMO FALA DO TODO-PODEROSO! A bruxa o colocou sob um feitiço, e até sua crença em Deus foi afetada! Mas Ele aceitará seu perdão e salvará sua alma desviada.

— Haha... pedir perdão? Se Ele não consegue compreender... então é tão falso quanto sua palavra. Malditos sejam vocês e o seu falso Deus.

— Que Deus tenha pena desta alma...

— Hum?! O que ele está fazendo?

— Está falando... latim?

— Tenebris in tua maledictione de sanguine fuso manum porrigo, sume animam meam pro solutione et redde eos qui cruciatum meum inceperunt... — o homem fala em voz baixa, com a cabeça abaixada, ainda ajoelhado.

— Ei! O que ele está fazendo?!...

— Pare, aberração! — o guarda lhe dá um soco nas costas, fazendo jorrar sangue pelo rosto.

O homem se levanta ainda recitando em latim, vai até a parede e, com o sangue em sua língua, desenha uma estrela de cinco pontas dentro de um círculo.

— Ut bestiam marchionis serpentes voco serpens marcas...

571 anos depois de Cristo. Ano de 2021.

— Aaai... Luka, sai da cama! — diz Camila, batendo na porta euforicamente.

— Já vou, já vou... hum... — responde Luka, com a cara inchada de sono e a voz rouca.

— Anda, a gente vai se atrasar! Nosso voo é daqui a três horas!

— Tá bom... haaa... já tô indo... hum...

Ele se levanta e vai ao banheiro tomar um banho gelado, tentando acordar. Os dois estão se preparando para viajar à cidade natal da falecida mãe, na Ucrânia, que havia morrido de infarto duas semanas antes. Agora, Luka, Camila e Shofi — namorada de Luka — iriam morar com a tia Merry.

Quando crianças, Camila e Luka ouviam histórias da mãe sobre a cidade onde nasceu: como ela se perdia nas grandes florestas escuras, tomava banho nos lindos lagos que cercavam a cidade e comemorava a incrível festa de Ivana-Kupala, com guirlandas de flores feitas à mão por ela e suas amigas.

Mesmo tendo amigos de infância, Luka nunca foi apegado à cidade nem teve interesse em viver lá. Já Camila sempre sonhou em morar junto da tia e dos amigos de infância.

— Haaai! Tô tão animada pra conhecer sua tia, Luka!

— Hum... que bom — diz ele, totalmente desanimado, jogando no celular.

— Ai, credo, até desanimei...

— Liga não, Shofi. Ele só tá assim porque não quer ir morar em Brígida — explica Camila, sentando-se no banco, com um cappuccino numa mão e uma revista na outra.

— E quem é que quer deixar Nova York pra morar num fim de mundo onde ninguém ouviu falar?! — reclama Luka, com raiva.

— É só por isso que não gosta de Brígida?

— É! E também porque aquele lugar é muito estranho. O povo de lá é todo esquisito! Sem contar que sempre tive pesadelos quando morávamos lá.

— Pesadelos?

— Hahaha! Ele insistia em dizer que tinha uma “malca” correndo na floresta à noite e que vinha buscá-lo! — ri Camila, zombando do irmão, que fica furioso.

Eles discutem até o aviso do voo, que sairia em cinco minutos. Depois de embarcarem, Luka coloca os fones de ouvido para evitar as conversas de Camila, já que ela não entendia o quanto ele detestava aquela cidade.

Ao chegarem, pegam um ônibus, cruzando uma ponte que levava a uma estrada de terra cercada por uma imensa floresta.

— Nossa, esse lugar é demais! — diz Shofi, tirando várias fotos, impressionada com a beleza das florestas de Brígida.

— Huum... — Luka solta um suspiro de desânimo total, deixando claro que não está feliz.

Eles seguem pela estrada até chegarem a Brígida, uma linda cidade antiga, cheia de lendas e mistérios. Luka já se sente desconfortável. O ônibus para diante dos portões da fazenda onde Merry mora, num enorme casarão antigo que pertence à família há gerações.

— Huuuf... — Luka para diante da casa, hesitante em entrar, tomado por um medo antigo.

— Vamos, Luka — diz Shofi, puxando-o pelas mãos para tranquilizá-lo.

— Ah... claro — responde ele, nervoso e um pouco assustado.

— Vamos, Luka!

— Ok, ok... huf...

— Olá, meus meninos! Há quanto tempo! — exclama Merry, alegre ao ver os sobrinhos após nove anos. — Vamos entrando! Seus quartos estão exatamente iguais àquela época. Não mudei nada!

— Aaah... minha caminha de princesa!

— Brega! — provoca Luka.

— Cala a boca, seu fedido!

— Bruxa! — ele mostra a língua.

— Meu Deus, vocês continuam idênticos àquela época!

— É, a Camila continua feia!

— Feio é você, ridículo!

— Aplique falso!

— Meu aplique não é falso!

— Tá, tá, chega de brigar, gente! Escolham os quartos e fiquem à vontade! — diz Merry, rindo.

— Valeu, tia! — Luka a abraça, e ela retribui com um beijo.

— De nada, meu bem. Agora vai.

— Tá bom.

Desde criança, Merry sempre foi muito apegada a Luka, mas depois que Angélica — mãe de Luka — foi embora, elas se distanciaram. Há nove anos não se viam. Merry está realmente feliz por rever os sobrinhos e conhecer Shofi, namorada de Luka.

Enquanto as meninas aproveitam o pôr do sol para tirar fotos, Luka fica deitado, olhando para o teto, ouvindo música no volume máximo, perdido nas lembranças dos pesadelos da infância — o motivo de tanto medo daquela cidade.

Mais tarde, Luka, Merry, Shofi e Camila se reúnem em volta de uma mesa no jardim, iluminada por luzes que Luka pendurou numa árvore.

— Então, o que acharam da comida?

— Uma delícia!

— Tá muito gostosa, tia — responde Luka, desanimado.

— Luka, está se sentindo bem, meu amor? Se quiser, posso preparar um chá de ervas pra você.

— Não precisa... eu só tô cansado da viagem.

— Tem certeza?

— Sim... vou dormir. Assim fico melhor pra amanhã.

— Ok, boa noite.

Luka sobe para o quarto, se joga na cama e fica encarando o teto, pensando nos pesadelos que o perseguiam na infância.

— Huh... haa... Amanhã eu vou ficar melhor... — diz, virando-se e se cobrindo.

Durante a noite, enquanto todos dormem, Luka acorda com barulhos fortes, como se algo batesse na janela.

— Hum...? O quê...? — ele se levanta, confuso, pega os óculos na mesinha e vai até a janela. Só vê o jardim escuro e silencioso, o vento balançando as flores e as árvores.

— Hum... só posso estar ficando louco. É melhor voltar a dormir. — Luka vira-se e, de repente, um corvo se atira contra o vidro, quebrando a janela e caindo morto e ensanguentado no chão. Luka se assusta — isso nunca aconteceria em Nova York.

— Um corvo...? Essa cidade é muito estranha... — diz, fechando as cortinas e voltando a dormir.

Durante a madrugada, o quarto está tão frio que sua respiração se condensa no ar. Luka acorda tremendo.

— Que merda... agh... vou buscar outro cobertor... — resmunga, indo até o armário e pegando mais dois lençóis de pele. — Essa casa não tem nem um maldito aquecedor... huu... — reclama, tremendo com os lábios roxos.

Ele se deita novamente, de costas para a porta. Logo, ouve o som de cacos se partindo, como se alguém andasse sobre os vidros quebrados. Luka começa a se assustar — era real demais para ser imaginação. Os passos se aproximam. A respiração dele fica pesada e rápida, o coração dispara, o corpo treme.

De repente, Luka abre os olhos e se vê deitado no teto da sala, incapaz de se mover ou gritar. Diante dele, uma figura de cabelos brancos, rosto oculto, e olhos amarelos — como os de uma cobra. Ele entra em pânico, tentando se mover, mas nada acontece. A figura se aproxima lentamente, sobe até Luka e solta um grito terrível.

Luka cai na cama gritando desesperadamente:

— AAAH! NÃO! SAI! NÃOOO! — ele se debate, acordando todos da casa.

— Luka?! — diz Merry, preocupada.

— AAAHAA! SOCORRO! NÃO! SAI DAQUI! — continua gritando e suando.

— Luka...

— T-tia...? Ahaa... — ele acorda, confuso, tremendo e em pânico, mas aliviado de ter saído do pesadelo.

— Meu amor, o que foi? Por que esses gritos?!

— E-eu vi... ele... tava na sala... sentado na poltrona... — fala desesperado.

— Tudo bem, senhora Merry, eu vou dormir com ele — diz Shofi, sentando-se ao lado dele. Luka encosta a cabeça em seu ombro, e ela o envolve com os braços.

Merry vai até a cozinha, prepara um copo de chocolate quente com ervas calmantes e leva para Luka.

— Tome, meu amor... respira, ok? — diz Shofi, entregando o copo. Luka bebe tremendo, mal conseguindo respirar.

Depois de algumas horas, ele finalmente adormece, abraçado em Shofi, que também pega no sono.

Pela manhã, Luka acorda antes de todos e fica tocando guitarra num balanço pendurado numa enorme árvore do jardim.

— Luka, já está acordado — diz Merry, sentando-se ao lado dele e cobrindo-lhe os ombros com um sobretudo de crochê. — Está se sentindo melhor?

— Huf... sim, tô bem. Não se preocupa.

— Seus pesadelos voltaram, não é?

— Sim... é o que parece. Mas talvez seja porque fiquei pensando muito nisso e acabei sonhando.

— Mas isso não pode continuar, Luka. Você queimou em febre, e alta!

— Tia, não foi nada... — ele é interrompido quando Merry põe a mão em seu ombro.

— Eu vou te levar até a bruxa da cidade. Ela pode te ajudar.

— Tia?! Bruxa? Essas coisas não existem! E me levar num lugar estranho com gente estranha não vai piorar meus pesadelos?

— Não. Ela vai te ajudar. Vamos hoje à tarde.

— Tia...

— Não discute. Já está decidido. Vamos, o café está pronto.

— Huf...

Eles se levantam e entram para o café, enquanto Luka pensa em mil coisas, preocupado com a ideia de visitar uma “bruxa” — o que só o deixava mais nervoso e assustado.

Fim...

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Não compensa

Não compensa

Na minha cidade é macumbeira o nome kkkkk

2025-01-30

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Capítulos
1 Começo
2 Terror noturno
3 Desespero...
4 Além disso...
5 Desejos e caprichos
6 Por um fio da loucura que chega ao fim
7 Espelho negro
8 Erro
9 Contra mim
10 Sobre nós
11 Verdades
12 Noivado
13 Ivana kupala
14 Lua sangrenta
15 Perdido
16 A distância (a busca de Henrique)
17 A distância ( além da parede de pedra)
18 A distância ( Depois das paredes de pedra)
19 A caçada
20 Apenas me beije.
21 Mr. Skavronsk
22 O herdeiro do lobo
23 Apenas meu
24 Calebe
25 "Estou de volta, coelhinho "
26 De volta
27 Me perdoa
28 Caçadores
29 O fim do controle
30 Negação
31 Aceitação
32 Máscara quebrada
33 Sobre isso
34 Marcado em mim
35 Dentro de mim
36 O vestido
37 A mulher de branco
38 Silêncio
39 De novo e de novo
40 Só por você
41 Primeiro dia de inverno
42 Flores e gelo
43 O preço
44 Amor carnívoro
45 Perto do eclipse
46 A face da lua
47 A beira do lago
48 A queda
49 Julgamento
50 Selo quebrado
51 Lua nova
52 Lua crescente
53 Renascer
54 Como uma noite familiar
55 capítulo especial
56 Mudança no coração
57 O livro de Tardelli
58 Ruínas
59 A obsessão
60 Reconciliação
61 "Fora" da cela.
62 Maré de sombras.
63 De nada
64 A visitante
65 Ala 7-C
66 A sala dos esquecidos
67 Conexão
68 Visitante noturno
69 Sem sinal
70 Ainda espero
71 Vai...
72 Por outros olhos
73 Se não for por ele
74 O sangue do lobo
75 A maldição
76 A morte de Luka Skavronsk
77 O luto
78 Estrelas de sangue
79 Sangue, palavras e o livro
80 A.S
81 Lágrimas
82 Troll das neves
83 A sombra da verdade
84 Revelação
85 Além de mim
86 Blue house
87 Entre celas e feras
88 Aviso
89 Rupturas
90 Reencontro
91 Desordem
92 Ponto fraco
93 Aliados
94 Ruínas
95 O resgate
96 O peso da Lua
97 Libertação
98 Últimas palavras
99 Fagulhas
100 Cacos no chão
101 Mais do que tudo no mundo
102 Pontas soltas
103 A máscara
Capítulos

Atualizado até capítulo 103

1
Começo
2
Terror noturno
3
Desespero...
4
Além disso...
5
Desejos e caprichos
6
Por um fio da loucura que chega ao fim
7
Espelho negro
8
Erro
9
Contra mim
10
Sobre nós
11
Verdades
12
Noivado
13
Ivana kupala
14
Lua sangrenta
15
Perdido
16
A distância (a busca de Henrique)
17
A distância ( além da parede de pedra)
18
A distância ( Depois das paredes de pedra)
19
A caçada
20
Apenas me beije.
21
Mr. Skavronsk
22
O herdeiro do lobo
23
Apenas meu
24
Calebe
25
"Estou de volta, coelhinho "
26
De volta
27
Me perdoa
28
Caçadores
29
O fim do controle
30
Negação
31
Aceitação
32
Máscara quebrada
33
Sobre isso
34
Marcado em mim
35
Dentro de mim
36
O vestido
37
A mulher de branco
38
Silêncio
39
De novo e de novo
40
Só por você
41
Primeiro dia de inverno
42
Flores e gelo
43
O preço
44
Amor carnívoro
45
Perto do eclipse
46
A face da lua
47
A beira do lago
48
A queda
49
Julgamento
50
Selo quebrado
51
Lua nova
52
Lua crescente
53
Renascer
54
Como uma noite familiar
55
capítulo especial
56
Mudança no coração
57
O livro de Tardelli
58
Ruínas
59
A obsessão
60
Reconciliação
61
"Fora" da cela.
62
Maré de sombras.
63
De nada
64
A visitante
65
Ala 7-C
66
A sala dos esquecidos
67
Conexão
68
Visitante noturno
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Sem sinal
70
Ainda espero
71
Vai...
72
Por outros olhos
73
Se não for por ele
74
O sangue do lobo
75
A maldição
76
A morte de Luka Skavronsk
77
O luto
78
Estrelas de sangue
79
Sangue, palavras e o livro
80
A.S
81
Lágrimas
82
Troll das neves
83
A sombra da verdade
84
Revelação
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Além de mim
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Blue house
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Entre celas e feras
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Desordem
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Libertação
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Mais do que tudo no mundo
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Pontas soltas
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