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Enfrentando o frio da floresta, Henrique levava Luka e o resto do grupo para ver a tal bruxa. Ainda era dia, e, em meio ao campo aberto, os raios de sol atravessavam as árvores como cortinas douradas. Não estava quente, mas quando a temperatura está abaixo de zero, um simples raio de sol já é tudo.
Durante o trajeto, Luka e Henrique quase não trocaram palavras. Nenhum dos dois sabia exatamente como reagir depois do que havia acontecido. Luka nunca se sentira daquela forma por ele — na verdade, sempre sentira uma imensa raiva. Já com Henrique, era diferente.
Desde os dez anos, ele guardava uma queda escondida por Luka — e esse sentimento nunca desapareceu. É claro que ele precisou esconder. Mesmo em pleno século XXI, a cidade de Brígida ainda era muito antiga — não apenas na cultura, mas também nos costumes, nas maneiras e na conduta. Era como se ainda vivessem no século passado.
Pessoas trans, lésbicas, gays e afins não eram bem aceitas ali. Luka, por outro lado, jamais se importaria com isso — cresceu no mundo moderno de Nova York, acostumado à diversidade e à liberdade de ser quem se é.
Para chegar até a casa da bruxa, o grupo precisava atravessar o lago Selenyy — um enorme lago verde cercado por uma densa floresta. Era um ponto conhecido entre os jovens: um lugar onde adolescentes e adultos se reuniam para beber, fumar e, às vezes, se arriscar em um mergulho nas águas profundas e geladas.
Os mais ousados aproveitavam as sombras das árvores para trocarem beijos escondidos, enquanto outros apenas se deitavam na areia branca, desfrutando dos poucos momentos de sol.
Luka parou na ponta de uma pequena ponte de madeira e ficou observando a imensidão verde à sua frente. O reflexo da floresta nas águas tranquilas criava uma cena tão misteriosa quanto hipnotizante.
A vista era magnífica, porém o hipnotizava. A lembrança de quando estava dentro das águas fundas e geladas voltou à mente — o desespero ao se debater, gritando por ajuda, enquanto sentia a água fria perfurar seu corpo como agulhas. O gelo queimava seus braços, e a sensação era de pura agonia.
Luka realmente não queria estar ali, mas sua tia Merry jamais desistiria da ideia. Perdido em seus pensamentos e naquela terrível lembrança, foi surpreendido por uma mão em seu ombro. Por um momento, Luka se assustou, até virar e ver Henrique o encarando, visivelmente preocupado.
— Tudo bem? — perguntou Henrique, com angústia no olhar.
— Hum... sim, tá tudo bem — respondeu Luka entre suspiros, voltando a observar o lago.
Henrique continuou a olhar para ele, lentamente hipnotizado pela forma como a luz do sol batia em seu rosto. Os óculos de Luka refletiam o brilho dourado nos olhos azuis, criando um efeito quase encantador.
Aproveitando que as meninas estavam distraídas com as coisas na caminhonete, Henrique se aproximou por trás e envolveu a cintura definida de Luka, que se assustou ao sentir a proximidade e o calor da respiração em seu ouvido.
— Depois... vamos terminar o que começamos, Skavronsk — sussurrou Henrique em seu ouvido, soprando delicadamente em seu pescoço.
— Nhhg... — Luka gemeu baixo, sensível ao toque.
Henrique deu um sorriso malicioso e depositou um leve beijo em sua nuca.
— Hhmm!... — Luka estremeceu, soltando um pequeno som involuntário ao sentir o arrepio percorrer-lhe a espinha. Olhou para Henrique, corado, e ele apenas sorriu de forma provocante.
— Vamos, Skavronsk, sua tia já está chamando. — Henrique deu um tapa firme em sua bunda e saiu andando, ainda sorrindo.
Luka se contorceu, sentindo o impacto, e logo seguiu para a caminhonete, visivelmente corado.
— Hum? Luka, tá tudo bem? — perguntou Camila, ao notar o rosto vermelho do irmão.
— E-estou bem... é só o frio — respondeu Luka, sem jeito e envergonhado.
— Ha! — soltou Henrique, com um riso discreto.
Em poucos minutos, um barco chegou à margem para levá-los até a casa da bruxa. Entramos e seguimos pelo rio, sob uma temperatura congelante. O lago era enorme, então a viagem demoraria um pouco. Como Luka não havia dormido direito na noite anterior, o balanço suave da água o fez adormecer. Henrique, percebendo isso, ajeitou sua cabeça sobre seu ombro.
Algumas horas depois, chegamos à margem e descemos, seguindo agora a pé pela trilha. O pescador que nos conduzia começou a contar histórias sobre Brígida — lendas antigas, enraizadas muito antes da cidade existir. Paramos diante de uma enorme árvore cheia de galhos retorcidos.
— Cês podem ir sozinhos a partir daqui. É só seguir a trilha. — disse o homem.
— Não vai nos levar até lá? — perguntou Merry.
— Ôia, minha senhora, me desculpe, mas os morador daqui não passa desse ponto, não. Essas terra aí são tudo maldita e assombrada pelas malca. — o pescador cuspiu no chão. — Aí só tem coisa ruim... mas pode confiar, é só seguir a estrada que cês chegam lá.
— Está bem, obrigada — respondeu Camila, curiosa.
— Hum... — Henrique olhou ao redor e também cuspiu no chão.
Entramos floresta adentro, seguindo a trilha. O frio aumentava, e a neblina cobria tudo, tornando difícil enxergar o caminho. Continuamos andando até que nossa passagem foi bloqueada por uma enorme árvore caída no meio da trilha.
— Tem uma árvore ali — disse Shofi, apontando para frente.
Luka começou a sentir um desconforto inexplicável no corpo. Quando encarou a estrada à frente, quase teve um infarto: o cenário era o mesmo de seu pesadelo. O pânico tomou conta. Sua respiração começou a falhar, a visão escureceu, e ele caiu no chão, se debatendo.
— Luka?! Tia! — gritou Camila, correndo para ajudá-lo.
— É um ataque de asma! — gritou Shofi entre lágrimas, segurando firme as mãos geladas de Luka.
— Hahaha... — Luka tentava puxar o ar, suando frio.
— Aqui, a bombinha! — disse Henrique, pegando o inalador e colocando na boca de Luka, ajudando-o a respirar.
— Calma, Luka! Tenta respirar! — dizia, completamente preocupado.
Após alguns minutos, Luka conseguiu voltar a respirar. Ainda ofegante e pálido, Henrique o ajudou a se levantar.
— Aaah... estou bem... cof... cof... estou bem, tia — disse Luka, com a voz fraca e a respiração pesada.
— T-tem certeza? Consegue respirar direito? — perguntou Merry, tremendo, enquanto segurava as mãos ainda frias do sobrinho.
— Você ainda não está bem. Eu vou te levar no colo — disse Henrique, abaixando-se de costas, esperando que Luka subisse.
— Não precisa.
— Deixa de ser teimoso, você ainda está mal.
— Eu já disse que estou melhor.
— Mentiroso, mal consegue ficar de pé! Luka, não é hora de bancar o menininho teimoso.
— Desculpa, mas eu não me lembro de ter pedido sua ajuda — respondeu Luka, irritado.
Henrique o encarou por alguns segundos, depois foi até ele e o pegou no colo como uma princesa.
— E-ei!? O que pensa que está fazendo? Me coloca no chão! — protestou Luka, se debatendo nos braços de Henrique.
— Não quer vir por bem, vai vir por mal. Eu até tentei pedir com educação, mas você não quis ouvir. E para de se mexer ou vai derrubar nós dois.
— Olha só, a princesa Luka sendo salva pelo seu príncipe Henrique! — zombou Camila, rindo e gravando um vídeo.
— Vai se f0der, Camila!
— Olha o palavreado com a sua irmã, Luka!
— Pois é, menino levado — provocou ela, rindo.
— Como se você fosse comportada, né, peste — retrucou Luka.
Continuamos o caminho por entre a neblina e a floresta escura, até que um raio de sol atravessou as copas das árvores. A névoa começou a se dissipar, e o clima pesado deu lugar a uma atmosfera mais amena. À frente, surgiu um pequeno campo, com um jardim e um chalé no fim da trilha.
— Nossa, que fofo! — disse Shofi, tirando uma foto.
Henrique colocou Luka no chão, que ficou observando o lugar ao redor. Não demorou muito para que a porta do chalé se abrisse, revelando uma linda mulher. Ela tinha longos e lisos cabelos pretos, pele negra e um dos olhos cegos. Vestia trajes indígenas e carregava uma presença forte — era bela, elegante e envolta em um ar de mistério.
A mulher caminhou com passos firmes e confiantes até Luka.
— Eu estava à sua espera, Luka Skavronski.
— Como sabe meu nome? — perguntou ele, desconfiado.
— Eu sei de muitas coisas. — respondeu ela com um leve sorriso.
— Hum... — murmurou Luka, ainda a observando com cautela.
— Por favor, podem entrar. Está frio. Minha sobrinha preparou uma deliciosa sopa para aquecê-los.
— Hum... claro, obrigado — respondeu Luka, entrando.
Ao entrarem na casa, viram uma jovem arrumando a mesa. Ela não se parecia em nada com a mulher: era loira, de olhos claros, e embora usasse alguns apetrechos parecidos, a semelhança parava por aí.
— Podem se sentar e se servir. Fiquem à vontade. Querida, traga o pão — pediu a mulher à sobrinha, que apenas acenou com a cabeça e foi buscá-lo.
— Ela é sua sobrinha de sangue? — perguntou Luka.
— Hum! Não. Encontrei Luá em um barco, sozinha, quando ela tinha apenas oito anos.
— Entendi... — respondeu Luka, ainda desconfiado.
— Bom, depois que comerem, podem subir para seus quartos. Já estão prontos.
— Nossos quartos? — perguntou Merry.
— Sim. Para vocês dormirem. Como há muita gente e poucos quartos, os dois meninos irão dividir um.
— Claro, não tem problema. Muito obrigado — disse Henrique, lançando um meio sorriso a Luka.
— Hhmm... ótimo — respondeu a bruxa, sorrindo de volta, de modo enigmático.
Após terminarem a refeição, todos subiram para seus quartos. Luka, porém, ficou perdido em pensamentos. Não queria estar ali — nem por um minuto —, mas ao mesmo tempo não tinha certeza se realmente queria ir embora.
Aquele lugar o confundia. Havia algo ali que chamava profundamente sua atenção... mas o quê? A pergunta martelava em sua cabeça. Ainda assim, o ambiente transmitia uma sensação de segurança e conforto.
Não demorou muito para que Luka pegasse no sono.
Fim...
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Atualizado até capítulo 103
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