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VISÃO DE KAEL

Capítulo 2 — Invasão e Sombras

O vento cortava meu rosto enquanto minhas asas se abriam, carregando-me sobre as terras geladas do Clã do Norte. Rhyor, o senhor do frio eterno, havia cometido um erro que eu não poderia ignorar.

Seu clã ousou atravessar as fronteiras de Eryon e atacar um de nossos postos de vigia. Alguns dizem que foi apenas um teste de força, mas eu não aceito insultos — não quando se trata do meu povo.

O mundo está morto, mas nossa honra ainda respira, e eu não deixaria que o desrespeito de Rhyor passasse sem consequência.

Meus irmãos e subordinados voavam atrás de mim, suas asas negras cortando o ar, formando um exército de sombras. A tensão era quase palpável.

Quando pousamos, a neve crivada de gelo rangia sob nossas garras. Rhyor nos esperava no campo aberto, suas asas parcialmente abertas, o frio envolvendo-o como uma armadura invisível. Seus olhos cinza me desafiaram. Eu sorri — o frio nunca me tocou.

“Kael”, disse ele, a voz mais afiada que lâmina, “não deveria ter vindo. Isso custará caro.”

“E você pagará, Rhyor. Pela audácia de tocar nosso território”, respondi.

Não havia espaço para palavras suaves entre nós. Apenas ação.

O choque veio como uma tempestade.

Nossas asas se abriram, criando ventos que lançavam neve e gelo como lâminas cortantes. Nossos músculos se tensionaram, e o ar pareceu vibrar com cada golpe. Meus punhos colidiram com o peito dele, e ele respondeu com um chute que quase me arremessou para trás.

Não houve piedade. Cada golpe era calculado, cada movimento uma dança de morte. Os subordinados em volta de nós tentavam imitar nossa força, mas eram apenas sombras diante de dois monstros alados.

A neve ao redor se tingiu de vermelho, e mesmo assim nenhum de nós cedeu.

Rhyor atacava com ferocidade, combinando velocidade e força em um ritmo que faria qualquer inimigo comum recuar. Mas eu também não era comum. Cada golpe que ele desferia eu bloqueava, cada investida que ele fazia eu devolvia com dobro de intensidade.

As asas bateram, a terra tremeu, e os gritos dos nossos subordinados se misturaram ao rugido do vento. Alguns caíram feridos, arrastando-se entre a neve, mas nós seguimos lutando, cientes de que aquele embate não permitiria interrupções.

Minutos ou horas se passaram — não sei. O tempo parece distorcido quando corpos monstruosos se chocam no limite da força e da habilidade. Finalmente, percebi uma abertura. Rhyor hesitou por uma fração de segundo, e eu não precisei de mais. Um golpe certeiro, direcionado à lateral, o empurrou contra a rocha.

Ele recuou, respirando fundo, olhos ainda fixos em mim. O respeito mútuo surgiu entre nós, não como amizade, mas como reconhecimento de quem sobreviveu.

Consegui o que queria: demonstrar que Eryon ainda impunha medo, que nosso clã não seria violado.

Bati em retirada com meu grupo, levando os feridos e observando a neve queimada de sangue atrás de nós. Mas a vitória sempre traz consequências.

Não demorou para que Rhyor enviasse caçadores atrás de nós. Eles vieram como flechas cortando o ar, silenciosos e rápidos, determinados a nos atingir.

Empurramos para fora do alcance das planícies geladas, entrando em território que nenhum de nós ousava tocar — a floresta de Noctharis, conhecida em lendas por engolir homens e sons, onde a escuridão parecia ter vida própria.

A floresta nos envolveu, o sol desaparecendo entre árvores tortas e troncos que pareciam observar nossos movimentos. Cada sombra parecia respirar, e um arrepio percorreu a espinha de cada um dos meus subordinados.

Ainda assim, precisávamos de abrigo. Alguns feridos precisavam de cuidados imediatos. E então encontramos-o — um prédio antigo, abandonado há séculos, escondido entre as raízes e a escuridão.

A madeira rangia, o metal rangia, mas dentro havia espaço suficiente para tratar os feridos.

Enquanto meus subordinados cuidavam dos cortes e ossos quebrados, senti uma estranha vibração. Uma sensação que não pertencia à Noctharis. Algo antigo, escondido, esperando.

Segui pelo corredor, entrando mais fundo, meus passos ecoando. Foi quando encontrei a cápsula.

Era metálica, desgastada pelo tempo, mas ainda sólida. Estruturas e símbolos desconhecidos cobriam a superfície.

“Eliot, venha ver isso… parece tecnologia antiga”, murmurei.

Meu subordinado se aproximou, franzindo o cenho.

“Isso parece antigo, Kael…”, disse, mas eu já estava fascinado.

Havia um botão no painel central. Sem hesitar, pressionei.

Um som irritante, metálico e agudo, preencheu o ar. A cápsula começou a abrir-se lentamente, rangendo como se estivesse despertando de um sono de séculos.

E então, ela caiu.

Nos meus braços.

Pequena, magra, pálida como algodão, cabelos negros caindo sobre o rosto. O corpo frágil, mas estranho, parecia carregar um silêncio que ninguém jamais teria.

Abri os olhos para ela. E soube, imediatamente, o que nunca esperei: era uma fêmea.

Minha respiração travou. Cada segundo parecia pesado, como se o mundo inteiro tivesse parado para me mostrar aquele momento.

Ela olhou para mim, olhos grandes e azuis, confusos, assustada. Nunca vi nada igual — nenhum traço, nenhum sinal de semelhança com qualquer outro híbrido.

Era a primeira que meus olhos contemplavam desde que nasci, a primeira em mais de trezentos anos.

“É… uma fêmea…”, murmurei para meu subordinado, incapaz de desviar o olhar.

Ele assentiu, sem palavras. Até ele sabia da importância daquele instante.

O peso do sangue antigo, do destino, do futuro — tudo estava contido naquela pequena forma, caída em meus braços.

O ar na sala parecia mais pesado. A Noctharis rangia ao redor, mas dentro do prédio, o silêncio se tornou absoluto.

Por um instante, senti a lembrança de minha mãe — a última fêmea, que morreu logo depois de me trazer ao mundo.

Nunca a conheci. Nunca ouvi sua voz. Mas agora, naquela cápsula esquecida pelo tempo, eu tinha uma segunda chance de compreender o que havia sido perdido.

Meus dedos tocaram o cabelo dela, tão negro e macio quanto a noite sem lua.

Os olhos dela finalmente se abriram totalmente, e um olhar profundo encontrou o meu. Um olhar cheio de medo, mas também de vida.

Sim… vida.

Era isso que eu sentia, que há séculos não sentia: esperança.

A Noctharis rugia lá fora, os ventos levavam folhas e sombras, mas dentro daquele prédio antigo, éramos apenas nós.

A fêmea nos braços, meus subordinados em alerta, feridos e tensos. Eu sabia que aquele encontro mudaria tudo.

O mundo estava prestes a despertar novamente — ou cair em um caos que ninguém conseguiria conter.

Então ela fechou os olhos e dormiu.

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Comments

Carla Santos

Carla Santos

nossa vai ser uma aventura e tanto eles todos juntos

2025-11-05

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