Com um último olhar para o ponto de ônibus, Eliza embarcou no sedã preto. O interior do carro era silencioso e cheiroso, um refúgio de luxo discreto que destoava completamente da poeira da rua. Ela mal se lembrava de como andar no banco do passageiro de um carro que não fosse o seu velho e surrado.
Lorenzo deu a volta, entrou no lado do motorista e ligou o motor. Ele parecia perfeitamente confortável em dirigir pelas vielas de Diadema, embora a tensão em seus ombros entregasse que ele estava lutando contra o instinto de pisar no acelerador.
— O celular — ela gesticulou, com um sorriso nervoso. — Você me mandou e-mail e depois... mensagem com DDD do Rio? Você estava me monitorando, Lorenzo?
Ele riu, e o som era leve e aberto. — Não, bella. Eu não estava te monitorando. Eu estava desesperado. Enviei o e-mail há horas e não tive resposta. Eu cheguei ontem em São Paulo, mas precisei ir até um escritório antigo de advocacia no Rio para resolver uns documentos da minha família.
— Documentos da sua família?
— Sim. Coisas chatas. Vistos, propriedades, o preço da liberdade, você sabe. — Ele fez um gesto vago com a mão. — Mas hoje, de manhã, resolvi que não ia esperar a sua resposta. Usei o meu celular pessoal com o chip brasileiro que comprei no aeroporto e dei um jeito de te achar nas redes sociais. Não foi difícil. Pedagoga, Diadema. As opções são limitadas.
Ele estava dizendo que a sua vida, aquela que ela considerava tão complexa, era, para ele, um algoritmo simples.
— E como você sabia que eu estava no ponto de ônibus?
— Intuição. E a sua rotina no Instagram mostra o caminho. Mas, principalmente... eu senti que se esperasse mais um minuto, eu te perderia de novo.
O peso daquelas palavras a atingiu em cheio. Ele não estava ali para um passeio. Ele estava ali para um resgate.
— O gramado... — Eliza interrompeu a si mesma, sentindo a necessidade de anclar a conversa em algo real. — É na Vila Conceição, subindo a Rua dos Crisântemos.
Lorenzo assentiu, concentrado na navegação.
— Então me diga, Eliza. Quinze anos. Você se tornou a professora que lia escondido sob as cobertas?
— E a que ria dos gringos que não sabiam jogar bola — ela rebateu, sentindo o calor do flerte pela primeira vez desde... bem, desde que tinha nove anos.
— Eu nunca soube seu nome, sabia? Eu só te chamava de La Bambina Dei Libri. A garota dos livros. E a única palavra que eu gravei de você era saudade.
— E você ainda não consegue falar sem sotaque.
— Não. É uma palavra traiçoeira. Quero ver você tentar.
Eles dirigiram em um silêncio confortável, quebrado apenas pelo sotaque cantarolado de Lorenzo indicando as curvas. Ele parou o carro em frente a uma pequena e desgastada praça que resistia à urbanização. O gramado ainda estava lá, um pouco menos verde, mais pisoteado, mas inegavelmente o mesmo.
Lorenzo desligou o carro e respirou fundo, como se estivesse absorvendo o ar.
— É aqui. — A voz dele era quase um sussurro.
— É. Não mudou muito.
— Mudou tudo. E não mudou nada. — Ele virou-se para ela, a seriedade substituindo o flerte. — Eu voltei, Eliza. Não por um verão, mas para entender por que eu nunca consegui te esquecer. Eu estou noivo na Itália.
Eliza sentiu o chão sob seus pés sumir. O choque a fez recuar no assento.
— Você o quê?
— Estou noivo. De uma mulher que meu pai escolheu. Uma mulher de Milão que entende de balanços e finanças. Ela é a certeza. — Ele estendeu a mão para o painel, onde havia uma pequena foto dobrada de uma mulher elegante.
— Então por que você está aqui? Por que esse e-mail? Por que me fazer perder o ônibus?
Os olhos azuis de Lorenzo fixaram os dela, sem desviar.
— Porque eu preciso saber se você é a razão pela qual a minha vida perfeita na Itália parece uma mentira. Eu precisava saber se o gramado ainda existia para saber se a liberdade ainda existia.
Ele pegou a mão dela, o toque suave.
— Me ensine o que é "saudade" de novo, Eliza. Me diga se vale a pena arriscar tudo que construí por uma memória.
O celular de Eliza tocou. Era Túlio, ligando, histérico.
— \text{Eliza, onde você tá? Eu preciso ir. E a nossa conta de luz chegou com um valor absurdo!}
Eliza tirou a mão da dele, a realidade voltando com um golpe de dor e responsabilidade.
— \text{Saudade} — ela disse, sem sotaque, olhando para ele. — É o preço do risco, Lorenzo. E eu não sei se posso me dar ao luxo de pagar.
Ela pegou a mochila. A escolha estava feita. O gringo estava de volta, mas ele trazia consigo a complicação.
— A escola é para o outro lado, Lorenzo. A minha vida é para o outro lado.
Ela abriu a porta do carro, pronta para sair correndo.
— Espera! — ele chamou, a urgência em seu sotaque. Ele estendeu a mão, segurando um objeto.
— Eu... eu trouxe isso para você. É a prova.
Era uma moeda. Uma antiga moeda italiana, gasta e amassada, que ela havia dado a ele no gramado, anos atrás, para que ele tivesse "sorte".
— Me dê uma hora. Me dê a hora do seu almoço. No Jardim Botânico. Por favor, Eliza.
Eliza hesitou, segurando a moeda fria na palma da mão. A estabilidade de Rafael contra a urgência de Lorenzo.
— Uma hora — ela disse, a voz embargada. — Apenas uma hora. E não se atrase.
Ela fechou a porta do carro e correu, voltando para a rotina que agora parecia prestes a explodir.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 30
Comments