capítulo 2

Eliza sentiu o corpo gelar. O ruído da risada de Rafael, vindo do andar de cima, parecia distante, como se estivesse sob a água. O café em suas mãos balançou, e ela precisou de todo o seu autocontrole para não derramar a bebida quente.

​A data no canto da tela. 2005.

​Não podia ser.

​Lentamente, como se temesse que a tela fosse queimar seus dedos, Eliza tocou no e-mail. A mensagem era curta, sem remetente visível, apenas um endereço de e-mail estrangeiro, com uma sequência de letras que parecia ter sido digitada no escuro.

​De: \text{lore.enzo.ita@web.com}

Assunto: \text{Eu preciso saber se Diadema ainda tem o mesmo gramado de 2005.}

​$\text{Oi, Eliza.

Eu sei que isso é estranho, e a chance de você ter mudado de e-mail é de 99%, mas estou tentando.

​Eu estou aqui. Estou na cidade. E não me lembro do seu nome completo, nem do sobrenome. Só sei que você me prometeu um dia que me ensinaria a falar "saudade" sem gaguejar.

​O gramado ainda existe? É importante.

​Com pressa,

L.}$

​"L."

​A letra dançou na tela. L. Lorenzo.

​O nome que ela nunca soube, mas que sua imaginação havia criado, cristalizado em um L. Não era possível que fosse o mesmo. Quantos "gringos" poderiam ter passado por Diadema em 2005, ter brincado em um gramado com uma menina tímida chamada Eliza, e, quinze anos depois, mandado um e-mail com a palavra "saudade"?

​Seus pensamentos eram um turbilhão caótico. Ela mal conseguia respirar. Era a vida imitando os romances que ela lia. Era o destino, o Tempo, que tanto esperava.

​A porta da cozinha se abriu bruscamente, assustando Eliza. Túlio entrou bufando, com o rosto amassado de sono e o cabelo desgrenhado, seguido por Rafael, que vinha com uma expressão de paciência forçada.

​— Viu? Eu disse que ele descia — Rafael sorriu para Eliza, piscando. — Bom dia, Túlio. Tem aula hoje, certo?

​Túlio ignorou solenemente o namorado da irmã e foi direto para a cafeteira.

​— Bom dia, Mãe Eliza. Qual é a tragédia da vez? Você está branca. O carro quebrou?

​Eliza escondeu o celular rapidamente atrás do corpo, o suor na palma da mão quente. O e-mail, aquela loucura, era só dela.

​— Não é tragédia nenhuma, Túlio. Não me chame de Mãe. E você deveria já estar de banho tomado.

​Túlio revirou os olhos com a maestria de quem pratica o gesto há uma década. — Certo. Vou ver se a água da caixa d’água gelou o suficiente para despertar a minha alegria de viver.

​Rafael suspirou, colocando a mão gentilmente nas costas de Eliza. — Ele está difícil hoje. É o TCC que está estressando.

​— Não é o TCC, Rafael. É a vida de quem não faz nada para ajudar — Eliza sussurrou, afastando-se, ainda protegendo o celular.

​Ela olhou para Rafael, alto, sólido, de camisa social engomada. Ele era a certeza. A estabilidade. Ele era o presente. E de repente, o gramado de 2005 parecia infinitamente mais real do que os dez meses de namoro com Rafael.

​— Eu preciso ir. Tenho o relatório da turma para fechar antes da aula. Pode ir na frente, meu amor.

​Rafael franziu a testa. — Você está bem, Eliza? Parece que viu um fantasma.

​A ironia era palpável. Ela tinha visto um fantasma.

​— Estou ótima. É a semana de prova, você sabe. Estresse. — Ela tentou sorrir, mas sentiu que os lábios tremeram.

​Rafael a beijou de novo, desta vez um pouco mais demorado, como se tentasse se certificar de algo.

​— Me liga depois. E vê se não estressa com esse garoto, okay? — Ele acenou para Túlio, que estava enchendo uma tigela de cereal com uma quantidade ridícula de açúcar, e saiu.

​Quando a porta se fechou, Eliza correu para a sala, sentando-se no sofá velho, o único móvel que sobreviveu à vida inteira da família. Os dedos tremiam sobre a tela.

​Como responder? O que dizer a um fantasma que retorna com a certeza de que a alma dela ainda esperava?

​Se ela respondesse, a estabilidade de Rafael voaria pela janela. Se não respondesse, a Eliza de nove anos jamais a perdoaria.

​Respirou fundo.

​Oito horas da manhã. Ela precisava estar na escola em trinta minutos.

​Túlio apareceu no vão da porta da sala, mastigando ruidosamente. — Eu encontrei umas caixas velhas no sótão. Coisa dos nossos pais. Você quer que eu jogue fora?

​— Não! — A resposta de Eliza foi imediata, um grito seco. — Não toque em nada lá em cima, Túlio. É importante.

​Túlio deu de ombros, sem entender a reação exagerada. — Ok. O que você disser, chefinha.

​O olhar de Eliza voltou para o celular. Aquele email era mais do que importante. Era a prova de que a vida podia, sim, ter a beleza e a loucura de um livro de romance.

​Com os dedos firmes, ela começou a digitar.

​Para: \text{lore.enzo.ita@web.com}

Assunto: \text{Re: Eu preciso saber se Diadema ainda tem o mesmo gramado de 2005.}

​$\text{O gramado ainda existe.

Mas "saudade" é uma palavra perigosa.

​Eu não vou te ensinar a falar. Eu vou te ensinar a sentir.

​Eliza.}$

​Enviado.

​O clic do envio ecoou no silêncio da sala. Eliza olhou para as horas. Não havia tempo para o medo, nem para a euforia.

​O tempo tinha chegado. E ela precisava correr para a escola antes que seus alunos percebessem que a professora de Pedagogia estava mais perdida que eles no primeiro dia de aula.

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