Domingo em Kanagawa tem cheiro de chá verde e som de risadas vindo do quintal. Takumi estava no quarto, tentando ler um livro do clube de literatura, mas a conversa entre sua mãe e a mãe de Riku estava alta demais pra ignorar. Elas riam como se tivessem voltado no tempo — e talvez tivessem mesmo.
Lá fora, o sol batia suave nas telhas e o portão da casa dos Tanabe estava escancarado, como sempre ficava nos fins de semana. Takumi desceu devagar, com o livro ainda na mão, e parou na entrada. O quintal ao lado estava cheio de vozes, esteiras de palha e pratos com dorayaki recém-feitos.
— Takumi-kun! — chamou a mãe de Riku, acenando com um sorriso. — Vem comer antes que o Riku devore tudo!
Takumi hesitou, mas entrou. O quintal dos Tanabe era simples, com vasos de cerâmica e uma cerejeira que, mesmo fora da estação, ainda parecia especial. Riku estava sentado no chão com Daichi e uma garota nova, jogando cartas e discutindo regras como se fosse um campeonato mundial.
— Você demorou — disse Riku, sem levantar os olhos. — Achei que ia ficar trancado no quarto o dia inteiro, como um monge.
— Estava lendo — respondeu Takumi, se sentando ao lado dele.
— Sempre está. Um dia você vai virar um livro.
Daichi riu e apontou pra garota.
— Essa é a Mei. Entrou esse semestre. Clube de fotografia. E já tá enturmada.
— Oi — disse Mei, com um sorriso tímido. — Tô tentando sobreviver à escola e às piadas do Daichi.
— Boa sorte — disse Takumi, pegando um dorayaki. — Ele é persistente.
Mei mostrou algumas fotos no celular — imagens do pátio da escola, alunos distraídos, sombras nas paredes. Tudo com aquele olhar de quem vê o mundo por outro ângulo.
— Gosto de capturar o que ninguém nota — disse ela. — Tipo o jeito que as pessoas olham quando acham que ninguém tá vendo.
Takumi achou bonito. E verdadeiro. Mas não disse. Riku, por outro lado, elogiava cada foto com entusiasmo exagerado.
— Essa parece cena de dorama! Você devia fazer um curta.
— Eu só tiro fotos. Não sei contar histórias.
— Então junta com o Takumi. Ele escreve, você fotografa. Eu dirijo. Daichi faz o som. Pronto, temos um estúdio.
Todos riram. Até Takumi.
*
Mais tarde, os quatro estavam sentados no chão da sala dos Tanabe, com latas de chá e biscoitos espalhados. A TV estava ligada num programa de variedades, mas ninguém prestava atenção.
— Vocês lembram do dia em que o Takumi caiu tentando pegar um livro no telhado da garagem? — perguntou Riku, com aquele sorriso travesso.
— Era um livro de poesia — disse Takumi, sem se abalar. — E eu não caí. Eu escorreguei com dignidade.
— Quem arrisca a vida por poesia?
— Alguém que acredita que palavras valem mais que ossos.
Mei riu, encantada.
— Vocês são muito diferentes. Mas combinam.
Riku olhou pra Takumi, como se tentasse entender o que ela queria dizer. Mas não comentou.
Takumi, que até então estava quieto, foi até a estante e voltou com uma caixa de papelão.
— Isso aqui é da época do fundamental. A gente guardou umas coisas. Querem ver?
Dentro da caixa tinha fotos, bilhetes, desenhos e lembranças da infância. Uma mostrava os dois — ainda pequenos — comendo yakisoba numa barraca do festival da primavera. Outra mostrava Takumi e Riku sentados no degrau do portão, com um pirulito entre eles. Riku olhou pra foto com atenção.
— Eu lembro desse dia. Mas não lembro do que falei.
— Você não falou nada — disse Takumi. — Só me deu o pirulito.
O silêncio que se seguiu foi leve. Como se todos soubessem que aquele gesto dizia mais do que qualquer conversa.
Enquanto o sol começava a se esconder, os amigos se despediram. Mei prometeu mostrar mais fotos na próxima semana. Daichi saiu rindo de alguma piada que ele mesmo contou. E Takumi ficou pra ajudar a mãe de Riku a recolher as esteiras do quintal.
— Você tem feito bem ao meu filho — disse ela, dobrando um pano de mesa. — Ele sempre foi alegre, mas com você... parece mais inteiro.
Takumi não soube o que responder. Apenas sorriu, discreto.
— E sua mãe também tem feito bem a mim. É bom ter alguém por perto. Alguém que entende.
Takumi olhou para sua mãe, que conversava com leveza, como se aquele quintal fosse da sua casa há anos. E talvez fosse.
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Atualizado até capítulo 57
Comments
Dzakwan Dzakwan
Achei a protagonista super inspiradora! 💪
2025-09-26
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