Era domingo em Kanagawa. O céu estava limpo, o ar fresco, e o bairro parecia suspenso entre o silêncio e o som distante de um trem cruzando os trilhos. Sem aula, sem uniforme, sem pressa. Takumi estava sentado no degrau do portão de casa, com os cotovelos apoiados nos joelhos e o olhar perdido na rua quase vazia.
A mãe havia saído cedo para visitar uma amiga em Yokohama, deixando um bilhete carinhoso e um prato de onigiri na geladeira. A casa estava silenciosa. E Takumi, como fazia às vezes, buscava refúgio no ar livre — no mesmo degrau onde, anos atrás, havia se sentado pela primeira vez naquela casa, com oito anos e um coração quebrado.
*
Naquele dia, o céu também estava limpo. Mas Takumi não viu beleza nenhuma nele. Estava sentado com os joelhos juntos, os olhos fixos no chão, e uma sacola de brinquedos ao lado que não tocava. A mudança havia sido rápida. Depois da morte do pai, sua mãe decidiu deixar Tóquio e recomeçar ali, numa cidade menor, onde a vida seria mais simples — e menos cheia de lembranças.
Takumi não entendia completamente o que havia acontecido. Só sabia que o pai não voltaria. E que a casa nova não tinha o cheiro de café fresco pela manhã, nem o som da risada grave que costumava preencher os corredores. O apartamento espaçoso, os fins de semana em museus, os jantares com guardanapos dobrados... tudo havia ficado para trás.
Ficou ali, no degrau, por horas. A mãe estava ocupada com caixas e papéis, e os vizinhos ainda não haviam se apresentado. Mas do outro lado da cerca, alguém o observava.
Riku, também com oito anos, estava de pé atrás do portão da própria casa, com um pirulito na mão e o cabelo bagunçado pelo vento. Tinha ouvido a mãe comentar que “uma nova família estava chegando, com um menino da mesma idade”. E ali estava ele, curioso, mas sem saber como se aproximar.
Depois de alguns minutos, Riku atravessou o jardim, abriu o portão devagar e caminhou até Takumi. Parou em frente a ele, sem dizer nada, e estendeu o pirulito.
— É de morango. Eu gosto mais de uva, mas esse é bom também.
Takumi levantou os olhos, surpreso. Não disse nada. Apenas olhou para o doce, depois para o rosto de Riku, que sorria com simplicidade.
— Você pode ficar com ele. Eu tenho outro.
Takumi pegou o pirulito com mãos hesitantes. Riku sentou-se ao lado, sem pedir permissão, e ficou ali, com os pés balançando no ar e os olhos voltados para o céu.
Nenhum dos dois falou. Mas o silêncio não era pesado. Era leve, como se bastasse estar ali.
*
O som de pneus finos sobre o asfalto trouxe Takumi de volta ao presente. Riku surgiu pedalando sua bicicleta vermelha, com uma sacola de conveniência pendurada no guidão e o mesmo cabelo bagunçado pelo vento. Parou bem em frente ao portão, com um sorriso despreocupado.
— Tô pensando em dar uma volta pelos arredores. Quer vir?
Takumi se levantou devagar. Riku já estava virando o corpo para liberar o espaço no banco traseiro.
— Sobe aí. Mas nada de ficar segurando só no banco, hein. Eu vou voar hoje.
Takumi se acomodou no carona, segurando discretamente nas laterais do assento. Riku olhou por cima do ombro, percebeu o gesto e, sem pensar muito, puxou suavemente as mãos do amigo para sua cintura.
— Aqui. Se segura direito. Não quero te perder no meio da descida.
Takumi congelou por um instante. O toque foi leve, quase casual, mas o calor da pele de Riku sob a camiseta fez seu coração acelerar. Ele assentiu em silêncio, apertando os dedos com cuidado, tentando não parecer nervoso.
Riku não percebeu. Já estava focado nos pedais, na rua à frente, no vento que começava a subir. A bicicleta ganhou velocidade, e os dois seguiram pelas ruas do bairro, passando por vending machines coloridas, gatos dormindo sobre muros e o som de risadas vindo da praça central.
Lá, alguns colegas da escola estavam reunidos em círculo, com garrafas de chá e pacotes de salgadinhos espalhados entre eles. Riku estacionou a bicicleta e Takumi desceu com calma. Sentaram-se com o grupo, e logo estavam todos rindo de histórias bobas, comentando sobre o festival escolar e trocando memes no LINE.
A conversa era leve, cheia de pausas tímidas e risadas abafadas — o tipo de interação que só adolescentes japoneses conseguem manter por horas sem dizer quase nada direto. Takumi, como sempre, falava pouco. Mas sua presença era notada.
Foi Daichi quem percebeu primeiro.
— Ei, olha ali... — disse, cutucando Riku discretamente.
Do outro lado da praça, um pequeno grupo de meninas estava reunido perto da máquina de bebidas. Cochichavam entre si, rindo timidamente e lançando olhares na direção de Takumi. Uma delas apontou com o dedo, tentando ser discreta, e outra escondeu o rosto atrás do copo de chá.
Riku seguiu o olhar de Daichi e viu. As meninas estavam claramente comentando sobre Takumi. E não era sobre os estudos.
— Parece que o Hayasaka tá ficando popular — disse Daichi, com um sorriso malicioso.
Os outros riram, mas de forma contida. Como era típico, ninguém ousava fazer piadas diretas. Era tudo subentendido, tímido, quase infantil.
Takumi percebeu os olhares, mas fingiu não notar. Pegou uma garrafa de chá e manteve os olhos no chão. Riku, por outro lado, sentiu algo estranho. Um aperto leve no peito. Como se algo estivesse fora do lugar.
— Quer ir embora? — perguntou Riku, levantando-se de repente.
Takumi olhou para ele, surpreso.
— Agora?
— Só pensei em dar mais uma volta. Tá ficando cheio aqui.
Takumi assentiu. Despediram-se dos colegas e voltaram para a bicicleta. Riku não falou nada sobre o que viu. Mas pedalou mais rápido do que antes.
Mais tarde, no quarto, Takumi abriu o diário, mas não escreveu nada. Ficou olhando a página em branco...
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Atualizado até capítulo 57
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