Eu esperava qualquer coisa. Um pedido de dinheiro. Que eu o levasse a um lugar distante. Talvez até uma cantada barata. Minha mente, sempre a estrategista, já tinha um plano de contingência para cada um desses cenários. Mas eu não tinha um plano para o que ele disse em seguida.
— Eu sinto que Deus que te mandou.
As palavras dele caíram no ambiente climatizado do carro com o peso de uma revelação. Ele olhava para as próprias mãos, que repousavam no colo, e não para mim, como se a confissão fosse íntima demais para ser dita olho no olho.
— Eu meio que pedi por isso, e eu não quero estragar tudo. Eu não sei nem muito bem o que falar eu só... supliquei por salvação, e ela veio. Você veio.
A voz dele falhou um pouco na palavra "salvação", uma rachadura mínima na superfície da sua calma, mas ele rapidamente conteve a emoção. O ar no carro ficou denso, carregado de uma sinceridade que eu não sabia mais como processar. Deus. Salvação. Palavras que eu havia arquivado na mesma gaveta empoeirada da minha alma onde guardei a fé, a vulnerabilidade e os sonhos da adolescência.
E um homem que eu acabei de conhecer estava me dizendo que eu era a resposta para uma prece.
O silêncio que se seguiu foi quebrado apenas pelo meu próprio coração, que agora batia em um ritmo surdo e pesado contra minhas costelas. Olhei para ele, para o seu perfil contra a janela, a luz da tarde realçando a linha do seu maxilar. Ele não parecia um louco, nem um fanático. Parecia apenas um homem... quebrado. E que, em sua fratura, havia encontrado espaço para acreditar em algo.
Minha reação instintiva, a da CEO, seria o ceticismo. Uma risada contida, talvez um comentário sarcástico sobre coincidências. Mas a Yara que estava ao volante não era a CEO. Era a mulher que, há poucos dias, encarou o vazio da própria existência. E essa mulher não riu. Ela sentiu um arrepio.
Sem dizer uma palavra, engatei a marcha. O carro começou a se mover, deslizando suavemente pela rua. Eu não sabia para onde estava indo, e pela primeira vez na vida, a sensação de não ter um destino definido não me apavorou. Pelo contrário, pareceu libertadora.
— Salvação do quê, Nelson? — perguntei, minha voz mais suave do que o habitual. Eu mantinha meus olhos na rua, mas toda a minha atenção estava nele.
Eu não sei o que me fez fazer essa pergunta. Talvez a mesma força impulsiva que me fez parar o carro. Ou talvez, no fundo, eu estivesse perguntando por nós dois. Ele suplicou por salvação e eu apareci. E eu, que nem sabia que precisava ser salva, talvez estivesse começando a entender a profundidade da minha própria fome.
A pergunta ficou suspensa entre nós por um longo momento, enquanto eu guiava o carro sem rumo pelas ruas que se tornavam cada vez menos familiares. O silêncio não era desconfortável; era expectante. Eu podia sentir o peso da minha pergunta e a dificuldade que ele tinha em encontrar as palavras.
Continua...
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Atualizado até capítulo 44
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