Entrada de Diário: 06 de Setembro de 2025
Sábado. Duas da tarde. Eu deveria estar em um almoço de negócios ou, no mínimo, adiantando o trabalho da semana seguinte. Mas, pela primeira vez em anos, eu disse "não". Cancelei meu único compromisso, uma chamada com a equipe de marketing, alegando uma dor de cabeça que eu não sentia. A verdade é que a dor era na alma.
Desde que comecei este diário, algo se quebrou dentro de mim. A armadura da CEO está com rachaduras, e por elas, uma luz perigosa e esquecida começa a vazar: o desejo de ser apenas... Yara. Interrompo a escrita neste momento, preciso agir.
Horas depois, estou pronta para escrever o que aconteceu... retomando: foi assim...
Então, fiz o que a "velha" Yara faria. Coloquei um jeans confortável, uma camiseta de seda e peguei as chaves do meu sedan de luxo alemão. Sem destino. Apenas eu, o carro e uma playlist de rock clássico que não ouvia desde a faculdade. O sol da tarde de sábado tingia a cidade grande com uma luz dourada, quase preguiçosa.
Dirigi para longe dos arranha-céus espelhados do centro financeiro, buscando as ruas mais calmas e arborizadas dos bairros residenciais. E foi em uma dessas ruas, onde o ritmo da cidade parece desacelerar, que eu o vi.
Ele estava parado em um ponto de ônibus, mas sua postura não era de quem espera. Era de quem simplesmente parou ali, talvez porque as pernas cansaram de andar. O sol batia em seu rosto, e ele não parecia se importar. Era um homem alto, com uma estrutura que prometia força, mas que estava envolta em uma aura de cansaço, de descuido. A barba por fazer, o cabelo curto sem um corte definido. Ele usava uma bermuda jeans que passava dos joelhos e uma camisa esportiva simples, sem detalhes. Nenhum acessório, nenhuma tatuagem. Apenas ele, bruto e real.
Seu olhar estava perdido do outro lado da rua, mas era um olhar profundo, vazio. Como se assistisse a um filme particular, um drama que só ele conhecia. Havia uma beleza ali, uma beleza soterrada sob camadas de algo que parecia exaustão ou talvez resignação. E, com uma clareza que me deu um frio na espinha, eu me reconheci naquele abandono.
Foi quando, por um acaso do destino, nossos olhares se cruzaram. Ele se assustou, como se eu o tivesse flagrado em um segredo. Por uma fração de segundo, vi uma faísca de vida naqueles olhos profundos. E essa faísca foi o gatilho.
Num ato que desafiava cada fibra da minha personalidade controlada e lógica, eu pisei no freio. O carro parou macio rente à calçada, a poucos metros dele. Meu coração, aquele músculo esquecido, martelava contra minhas costelas. O que diabos você está fazendo, Yara?
Baixei o vidro do passageiro. O som da guitarra de uma música antiga escapou do carro e preencheu o ar quente da tarde. Respirei fundo, tentando soar casual, e o chamei.
— Ei! Você parece precisar de uma carona mais do que de um ônibus.
Continua...
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Atualizado até capítulo 44
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