Ainda estou escrevendo no meu diário e meu coração acelera ao lembrar da cena. Por um longo segundo, ele apenas me encarou. Vi a surpresa genuína em seu rosto, a forma como seus olhos profundos piscaram, tentando processar a situação. Uma mulher, sozinha, em um carro que provavelmente vale mais do que o apartamento onde ele mora, oferecendo uma carona do nada. A desconfiança seria a reação normal. Eu mesma desconfiaria.
Ele deu alguns passos lentos em direção ao carro, o corpo ainda tenso, como um animal arisco. Ele se aproximou da janela do passageiro e se curvou para me olhar melhor. De perto, pude ver os detalhes que o sol da tarde revelava: pequenas linhas de expressão ao redor dos olhos, a textura da barba por fazer. Ele era ainda mais magnético de perto. O cheiro dele, uma mistura de ar livre e algo sutilmente masculino, chegou até mim, e foi o cheiro de algo real, não dos perfumes caros e artificiais que estou acostumada a sentir nos homens do meu círculo.
Sua voz, quando finalmente falou, era mais grave do que eu imaginava, com uma leve rouquidão.
— Muito obrigado, mas eu não... — ele começou, a frase morrendo no meio enquanto seus olhos me analisavam, talvez tentando decifrar minhas intenções. Então, um lampejo de incredulidade, quase de maravilhamento, passou por seu rosto. — Você fala sério mesmo?
Naquele momento, vi a hesitação dele se transformar em algo novo. Um encantamento, uma curiosidade que superou a cautela. Seus olhos não me deixavam, e eu senti um calor subir pelo meu pescoço. Eu não estava acostumada a ser olhada daquele jeito — não como uma CEO, não como um símbolo de poder, mas como uma mulher. Apenas uma mulher em um carro.
Antes que eu pudesse responder, a mão dele se moveu em direção à maçaneta da porta. O gesto foi a única resposta que eu precisava. Era um "sim" dito sem palavras.
Um sorriso mínimo, quase involuntário, curvou meus lábios. Inclinei-me sobre o console central, meu corpo se movendo com uma decisão que minha mente ainda tentava alcançar, e apertei o botão que destrava as portas. O "clique" suave do mecanismo soou absurdamente alto no silêncio que se instalou entre nós, quebrado apenas pela música que ainda tocava no rádio.
— Eu não costumo fazer isso — eu disse, minha voz um pouco mais baixa agora, mais íntima. — Mas você parecia precisar. Entre.
Ele abriu a porta e entrou, trazendo consigo aquele cheiro de mundo real para dentro da bolha asséptica do meu carro. O espaço, que antes parecia tão grande e vazio, de repente pareceu denso, preenchido pela presença dele. Ele se sentou no banco de couro macio, seus jeans gastos e sua camisa simples criando um contraste gritante com o luxo calculado do interior do veículo.
Assim que fechou a porta, o som da rua foi abafado, e a música pareceu preencher o silêncio entre nós. Ele se virou para mim, e pela primeira vez, estávamos frente a frente, no mesmo nível. Seus olhos profundos me estudaram por um instante, e então ele estendeu a mão direita sobre o console.
— Nelson.
O gesto me pegou de surpresa. Era formal, educado, quase profissional. Um aperto de mão. Eu, que passo o dia inteiro apertando mãos em salas de reunião, senti que aquele era diferente. Hesitei por uma fração de segundo antes de estender minha própria mão e aceitar o cumprimento.
A mão dele era grande e quente, a pele um pouco áspera, a mão de quem trabalha ou vive de uma forma que eu desconheço. O aperto não foi nem forte demais, como os dos executivos que tentam demonstrar poder, nem fraco demais, como o dos que se sentem intimidados. Foi firme. Seguro. Presente. Um simples toque, mas foi o primeiro contato humano significativo que tive em... não consigo nem lembrar há quanto tempo. O calor da sua pele contra a minha enviou uma pequena corrente elétrica pelo meu braço. Recolhi minha mão mais rápido do que o necessário.
— Yara — respondi, minha voz soando estável, para meu próprio alívio.
Ele assentiu, um leve reconhecimento no olhar. Então, ele suspirou, um som audível, como se estivesse tentando se acalmar ou liberar uma pressão interna. Vi seu peito subir e descer. O coração dele também estava acelerado. Aquilo, estranhamente, me tranquilizou. Eu não era a única fora da minha zona de conforto.
— Antes de eu falar onde pode me deixar — ele disse, a voz ainda com aquela rouquidão atraente —, posso pedir uma coisa?
A pergunta pairou no ar. Minha mente, treinada para analisar riscos, disparou todos os alarmes. Um estranho no meu carro, fazendo um pedido antes mesmo de dizer para onde vai. A prudência mandava parar o carro, mandá-lo descer e esquecer essa loucura.
Mas a mulher que escreveu aquele epitáfio imaginário, a mulher que está faminta por algo real, não ouviu a prudência. Eu apenas o encarei, a curiosidade superando o medo.
— Pode — eu disse, e a palavra saiu com mais firmeza do que eu sentia. — O que é?
Continua...
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Atualizado até capítulo 44
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