Capítulo: 04 Purificação do Núcleo Espiritual

O som das rodas cessou quando a carruagem parou diante de um portão colossal, esculpido em pedra negra e envolto por nuvens espessas que giravam como um véu vivo. O Morro das Nuvens se erguia imponente, cada torre e cada escadaria talhada na montanha lembrando um reino dos céus.

Kilni desceu da carruagem com passos pesados, seus olhos escuros varrendo o lugar com desconfiança. A brisa fria que soprava dali trazia não apenas o cheiro das montanhas, mas também um peso invisível — uma pressão espiritual tão intensa que fazia sua pele se arrepiar.

À frente, um grupo de discípulos vestidos com túnicas brancas e azuis se curvou em perfeita sincronia diante do Primeiro Mestre Cultivador.

— Mestre! — ecoaram em uníssono, suas vozes ressoando como trovão contido.

Kilni apertou os punhos, sentindo o ódio crescer. Cada reverência era como um lembrete: aquele homem era venerado como um salvador… mas, para ela, ele era apenas o algoz de sua família.

Um dos discípulos ergueu os olhos e a encarou com desdém.

— Mestre, por que permitir que essa forasteira pise em nossos portões? — a voz dele gotejava desprezo. — Ela não pertence ao Morro das Nuvens.

Kilni deu um passo à frente, os olhos faiscando raiva.

— Diga isso de novo, covarde, e juro que arranco essa língua suja da sua boca!

O discípulo ficou paralisado por um instante, sentindo o peso da fúria que emanava dela. Mas antes que pudesse responder, a voz do Mestre cortou o ar como uma lâmina calma:

— Silêncio. Ela está sob minha proteção.

O discípulo recuou, mordendo a própria língua, mas não sem lançar a Kilni um olhar carregado de hostilidade.

Kilni estreitou os olhos, sentindo o rancor crescer.

— Proteção? — murmurou, quase para si mesma. — Não preciso da sua proteção… nem do respeito desses cães obedientes.

Enquanto isso, Katara era retirada cuidadosamente da carruagem, ainda protegida pela barreira dourada. Seu rosto frágil parecia ainda mais pálido diante da imponência do Morro.

Kilni correu até ela, segurando sua mão.

— Aguente firme, Katara. — sussurrou, engolindo a raiva que sentia. — Não importa onde estejamos… eu não vou deixar que nada aconteça com você.

O Mestre observava em silêncio, seus olhos fixos em Kilni. Por um instante, uma sombra de algo indecifrável passou por sua expressão — como se houvesse dor em ver aquela jovem que tanto o odiava pisar em seus portões.

As portas do Morro se abriram lentamente, rangendo como se anunciassem o início de um destino do qual ninguém poderia fugir.

E Kilni, mesmo relutante, deu seu primeiro passo dentro do lugar que odiava acima de tudo.

O interior do Morro das Nuvens não era como Kilni imaginava.

Não havia ouro, nem salões ostentosos. Apenas pedras antigas, gravadas por símbolos de poder, e corredores envoltos por uma luz suave que parecia pulsar como um coração vivo.

Cada passo que dava ecoava, como se a própria montanha observasse.

Discípulos passavam, inclinando-se respeitosamente diante do Mestre. Mas ao cruzarem os olhos com Kilni, seus olhares se tornavam lâminas — misto de desprezo, medo e ódio silencioso.

Ela não desviava o olhar. Apertava os punhos, pronta para revidar a qualquer provocação.

— Mantenha a calma. — a voz do Mestre cortou o silêncio, firme. — O veneno em sua irmã não nos dará tempo para confrontos tolos.

Kilni cerrou os dentes, engolindo a resposta que queimava em sua língua.

O único motivo de estar ali era Katara. Nada mais.

Foram levados até uma sala circular, iluminada por cristais suspensos no ar. No centro, um leito de jade branco aguardava. Disciplinados curandeiros já estavam de prontidão.

Kilni segurou a mão de Katara até o último instante, quando o Mestre indicou:

— Precisamos dela sozinha, para que a energia do templo atue em conjunto.

— Sozinha? — Kilni quase cuspiu as palavras. — Não! Se tocarem nela sem que eu esteja por perto, eu…

A aura dourada do Mestre se intensificou levemente, impondo silêncio sem violência.

— Ela ficará segura. Eu mesmo supervisionarei o ritual.

Kilni mordeu os lábios, sentindo o gosto de sangue. Soltou a mão da irmã com relutância, como se arrancassem um pedaço de si.

Quando as portas se fecharam, a escuridão pareceu engolir seu coração.

Sozinha no corredor, Kilni apoiou a testa na parede fria.

Era como se estivesse de volta à noite em que perdera Quinuer.

Primeiro levaram seus pais. Depois, Chen-lin. Agora, Katara estava além de seu alcance — confiada às mãos do homem que mais odiava.

As vozes ecoaram em sua mente.

Runa, suave como o vento:

— Confie, Kilni. Se sua irmã deve viver, é aqui que encontrará salvação.

Magia Maligna, como ferro em brasa:

— Ingênua! Você entregou Katara para os mesmos que destruíram sua família. No final, só restará você… e eu.

Kilni caiu de joelhos, as unhas cravando no chão de pedra. Sua respiração era pesada, como se a própria montanha a esmagasse.

Então, uma voz real, não de dentro, quebrou o silêncio:

— Você não pertence a este lugar.

Kilni ergueu o rosto. Diante dela estava o mesmo discípulo insolente do portão, os olhos ardendo em desdém. Ao lado dele, três outros jovens cultivadores, todos carregando o mesmo ar de arrogância.

— Não sei por que o Mestre a trouxe… — ele cuspiu no chão, os dedos tamborilando no punho da espada. — Mas não se engane, maldição. O Morro não é um refúgio para aberrações.

Kilni se levantou lentamente. Seus olhos castanhos eram poços de raiva contida.

— Repita isso… e desta vez, não haverá ninguém para te proteger.

O discípulo riu, mas havia tensão em sua postura.

— Vamos ver do que a "menina da morte" é capaz…

Quando a mão dele se moveu para a lâmina, as sombras em torno de Kilni se agitaram como serpentes vivas, prontas para ceifar.

Mas antes que o choque acontecesse, uma pressão invisível tomou o ar, esmagando todos de súbito.

A figura do Mestre surgiu no corredor, sua aura dourada tão intensa que até o chão pareceu vibrar.

— Já disse que ela está sob minha proteção. — sua voz cortou como trovão contido. — Desobedeçam… e não haverá perdão.

Os discípulos recuaram, tremendo sob o peso daquela autoridade.

Kilni, no entanto, não se curvou. Seu olhar queimava de ódio.

— Eu não pedi sua proteção. — rosnou. — E não vou aceitar viver à sombra da sua piedade.

O Mestre a fitou em silêncio, seus olhos azuis refletindo algo que Kilni não soube decifrar.

Então ele disse apenas:

— A piedade nem sempre é fraqueza, Kilni Quinuer. Um dia, você entenderá.

E se afastou, deixando-a sozinha com sua fúria.

Kilni fechou os olhos, o peito em chamas.

— Nunca… — sussurrou. — Nunca vou entender.

O som distante dos cânticos de cura ecoava pelas paredes do palácio, cada sílaba reverberando como se atravessasse carne e alma. Kilni não suportava ficar parada, esperando o destino de Katara nas mãos daqueles que odiava.

Então começou a andar.

Os corredores eram longos, sustentados por pilares talhados em pedra azulada. Gravuras ancestrais se espalhavam pelas paredes — cenas de batalhas antigas, cultivadores ascendendo aos céus, monstros subjugados sob pés dourados. Para qualquer outro visitante, aquilo seria motivo de reverência.

Para Kilni, cada imagem era um insulto.

Ali estavam eles, os “salvadores”, celebrando vitórias… enquanto sua família apodrecia na terra.

Olhares a seguiam em silêncio. Discípulos interrompiam seus treinos ao vê-la, alguns murmurando entre si, outros simplesmente a encarando como se ela fosse uma fera enjaulada que a qualquer momento poderia se soltar.

Kilni ignorava, mas por dentro sentia a raiva latejar em cada veia.

Em certo ponto, dois discípulos que guardavam uma porta ricamente ornamentada se entreolharam quando ela se aproximou.

— Estrangeiros não podem passar. — disse um deles, a mão firme sobre o cabo da espada.

Kilni arqueou a sobrancelha.

— Estrangeira? — sua voz saiu como aço frio. — Eu já perdi mais neste lugar do que vocês poderiam sonhar em ganhar.

Um deles franziu o cenho, confuso. O outro, mais arrogante, riu.

— Palavras grandes para alguém que só está aqui porque o Mestre tem… compaixão.

A palavra atingiu Kilni como uma lâmina. Seus olhos faiscaram, e a sombra em seu corpo se moveu sutilmente, como se o corredor tivesse ficado mais escuro.

Ela deu um passo à frente, e por um instante os guardas engoliram em seco, sentindo aquela aura densa sufocar o ar.

Mas, com esforço, Kilni se conteve.

— Um dia, quando a compaixão dele não estiver mais sobre vocês… eu volto para terminar essa conversa.

Seguiu em frente, deixando-os tensos e aliviados por ela não ter avançado mais.

O caminho a levou até um pátio aberto. Lá, dezenas de discípulos treinavam em perfeita sincronia, suas lanças riscando o ar com precisão. Cada movimento fazia a energia espiritual vibrar como trovões em miniatura.

Kilni observou, silenciosa, até que um dos instrutores percebeu sua presença.

— O Morro não é lugar para olhos profanos. — ele disse, alto o suficiente para todos ouvirem. — Aqui, disciplina e pureza reinam.

Alguns discípulos riram, outros apenas continuaram a treinar, mas todos a ouviram.

Kilni manteve-se firme, cruzando os braços.

— Então é curioso ver tanta “pureza” escondendo medo nos olhos. — respondeu, a voz carregada de desprezo.

O silêncio que se seguiu foi pesado. A tensão cresceu.

Mas antes que qualquer confronto começasse, o cântico distante cessou abruptamente.

Um frio percorreu a espinha de Kilni.

Katara.

Sem pensar, correu de volta pelos corredores, ignorando olhares e proibições, até chegar às portas da câmara de jade. O ar ao redor ainda pulsava com energia dourada.

As portas se abriram sozinhas, revelando o Mestre. Seu semblante era grave, mas não derrotado.

Atrás dele, Katara repousava sobre o leito, o corpo envolto em uma aura suave que parecia estabilizá-la.

Kilni se aproximou em passos rápidos.

— O que aconteceu?!

O Mestre a encarou.

— O veneno está contido… mas não destruído. Para curá-la, será necessário mais do que simples técnicas. — Sua voz soava pesada. — Será preciso fazer uma purificação do Núcleo Espiritual.

Kilni arregalou os olhos.

Sabia o que aquilo significava.

Poucos sobreviviam — e a maioria enlouquecia.

Ela segurou a mão da irmã.

— Não a outra maneira de salvar ela?

— Você possui o núcleo da morte, penso que talvez o poder do Núcleo da Vida de purificação Espiritual não a prejudique. — Respondeu o primeiro mestre.

— Então… eu vou junto.

O Mestre hesitou por um instante.

Então respondeu:

— Se assim deseja… que seja.

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