A lua iluminava suavemente o esconderijo improvisado das duas irmãs. O vento noturno trazia consigo o cheiro de terra molhada e folhas agitadas. Katara, agora com treze anos, observava o horizonte em silêncio, seus olhos refletindo uma esperança rara naquele mundo cruel.
— Kilni... — ela começou, a voz trêmula, mas decidida. — Eu não aguento mais viver assim. Fugindo, me escondendo, roubando só para termos comida. Eu quero... recomeçar.
Kilni, que afiava sua lâmina contra uma pedra, ergueu o olhar sombrio.
— Recomeçar? Onde?
— No Morro das Nuvens — respondeu Katara, apertando as mãos. — Dizem que lá os cultivadores acolhem pessoas comuns, que ensinam a viver de forma digna, em paz. Eu... eu quero ter essa chance.
O som do metal parou. O ar ficou pesado.
Os olhos escuros de Kilni brilharam de raiva.
— No Morro das Nuvens? Você enlouqueceu? É lá que vive o Primeiro Mestre Cultivador! Foi ele quem mandou matar Chen-lin! Foi ele quem derramou o sangue dos nossos pais!
Katara respirou fundo, tentando manter a calma.
— Eu sei, Kilni... mas não podemos viver para sempre com ódio. O que Chen-lin queria... o que nossos pais queriam... era que a gente vivesse, não que se perdesse na vingança!
Kilni se levantou de súbito, a lâmina ainda em mãos. Sua voz, carregada de dor, ecoou pelo o esconderijo.
— Viver?! E o que você acha que eu estou fazendo desde aquele dia, Katara? Eu respiro, eu caminho, eu luto! Mas cada vez que fecho os olhos, eu vejo os olhos deles, o sangue deles! Você pode querer esquecer, mas eu não posso! Eu nunca vou esquecer!
Katara também se ergueu, lágrimas escorrendo pelo rosto.
— Então você vai morrer nesse ódio, irmã! Vai deixar que o Núcleo da Morte devore quem você é!
O silêncio caiu entre elas. Apenas o vento uivava.
Kilni desviou o olhar, apertando o punho até sangrar. Sua voz saiu em um sussurro, carregado de rancor:
— Se você quiser ir para o Morro das Nuvens, assim que estiver maior. Mas não espere que eu vá junto. Nunca colocarei os pés no mesmo lugar que aquele monstro vive.
Katara mordeu o lábio, tremendo. Pela primeira vez, as duas irmãs estavam em lados opostos — uma buscando paz, a outra devorada pela vingança.
Na noite seguinte Kilni pensava sobre a conversa da noite passada.
O reflexo da lua tremia na superfície do lago quando Kilni ergueu os olhos, ainda úmidos de fúria. O vento frio cortava sua pele, mas o que queimava de verdade era o peso em seu coração.
Runa permanecia diante dela, serena, como uma chama suave que tentava iluminar a escuridão.
— Não se deixe devorar pelo ódio... — insistiu. — A vingança pode até trazer justiça, mas nunca trará paz.
Kilni fechou os olhos com força, mas, em vez de calma, o silêncio trouxe outra presença.
Uma risada baixa, rouca, ecoou ao seu redor. A água do lago pareceu escurecer, e a própria lua foi tomada por uma sombra.
Do reflexo surgiu uma figura masculina, alta, com olhos vermelhos como brasas e um sorriso perverso que exalava crueldade.
— Sempre tão tediosa, Runa... — disse a voz sombria. — Sempre tentando apagar o fogo quando, na verdade, o fogo é o que a mantém viva.
Kilni abriu os olhos, e seu corpo estremeceu.
— Você... Magia Maligna...
Ele riu novamente, sua voz ecoando como trovão.
— Ah, pequena Quinuer... vejo que está mais forte. Seu ódio amadureceu como vinho antigo. Está pronta para usá-lo... para se entregar a ele.
Runa se interpôs, sua luz faiscando contra a escuridão.
— Não a engane com suas mentiras, criatura! Se ela ceder totalmente a você, será apenas mais uma sombra sem alma!
— Chega! — gritou. — Vocês dois vivem dentro de mim, mas é a minha decisão!
A Magia Maligna sorriu ainda mais, inclinando o corpo como se estivesse prestes a abraçá-la.
— Então escolha, Kilni. Continue ouvindo essa voz fraca que te pede para desistir... ou abrace o verdadeiro poder. Deixe o Núcleo da Morte se libertar, e juntos esmagaremos o Morro das Nuvens... até que todos provem da dor que você sentiu.
O silêncio caiu novamente.
Kilni olhou para o lago. Seus olhos castanhos escuros refletiam raiva — não apenas raiva dos inimigos, mas de si mesma, por estar dividida.
Runa sussurrou em desespero:
— Se você seguir esse caminho, perderá Katara para sempre...
Kilni fechou os olhos, e apenas o som do vento respondeu.
— Calem a boca! — o grito de Kilni ecoou pelo lago, tão intenso que fez os pássaros noturnos se dispersarem entre as árvores.
A água tremeu, como se obedecesse ao comando da jovem. Uma energia escura saiu de dentro dela, envolvendo suas mãos em sombras que se contorciam como serpentes vivas. O Núcleo da Morte pulsava com violência, respondendo ao turbilhão em seu coração.
Runa recuou alguns passos, alarmada.
— Kilni, controle-se! Não deixe o núcleo se libertar sozinho, você ainda não está pronta!
Mas a voz suave dela se perdeu diante da gargalhada ensurdecedora da Magia Maligna.
— Sim... sim! É isso! Não lute contra ele, abrace-o! Essa é a sua verdadeira natureza! A Morte não suplica por paz.
Kilni caiu de joelhos à beira do lago, ofegante. As sombras ao seu redor batiam contra o chão como ondas. Seus olhos, antes apenas castanhos escuros, agora ardiam em vermelho enegrecido, marcados pelo ódio.
— Eu não... eu não aguento mais... — murmurou entre dentes. — Vocês... vocês estão me enlouquecendo!
De repente, uma voz suave, quase chorosa, rompeu o caos:
— Irmã...?
Kilni ergueu o olhar. Katara estava parada atrás dela, os olhos arregalados, encarando aquela cena — o corpo de Kilni cercado de escuridão, seus olhos deformados pelo poder.
— Ka... Katara... — a voz de Kilni falhou.
Runa, desesperada, tentou intervir:
— Kilni, não a deixe te ver assim! Você precisa se acalmar!
Mas era tarde demais. Katara deu um passo atrás, lágrimas escorrendo.
— O que... o que você está se tornando...?
O coração de Kilni se despedaçou naquele instante.
A Magia Maligna apenas sorriu, satisfeito.
— Agora sim... deixe-a ver. Deixe-a temer. É assim que tudo começa.
Kilni gritou novamente, mas desta vez não para os espíritos — era um grito de dor, um grito humano. A água do lago explodiu em ondas, e a floresta inteira pareceu tremer com a fúria da herdeira da Morte.
O grito de Kilni ainda ecoava quando o som de passos pesados e risadas debochadas surgiu entre as árvores.
— Ora, ora... o que temos aqui? — disse uma voz grave. — Duas meninas perdidas no meio da floresta.
Das sombras, um grupo de homens armados emergiu. Eram bandidos cultivadores, suas auras sombrias demonstrando força letal. Os olhos deles brilharam ao ver Katara e Kilni.
— Peguem a mais nova viva. Ela pode valer uma boa quantia... — murmurou o líder, um homem de armadura negra e cicatrizes no rosto.
Antes que Kilni reagisse, um dos bandidos avançou como um raio e atingiu Katara com uma adaga no abdômen.
— Aaah! — Katara gritou, cuspindo sangue e caindo ao chão.
Kilni congelou. Seu corpo tremeu inteiro. Os olhos arderam em fúria.
— VOCÊS... VÃO MORRER!
As sombras do Núcleo da Morte explodiram, mas no instante em que ela ia se lançar sobre os bandidos, uma pressão sufocante tomou conta do lugar.
Todos os homens congelaram. Até o ar pareceu se ajoelhar.
Do alto das árvores, uma figura desceu suavemente: um homem de longos cabelos prateados, vestes brancas que irradiavam luz dourada e olhos serenos como o céu. A simples presença dele fazia a floresta silenciar.
— Basta — sua voz ecoou firme. — Não toquem mais nessas crianças.
Os bandidos recuaram, pálidos. Reconheciam aquela presença.
— É... é o Primeiro Mestre Cultivador...!
Num movimento rápido, ele ergueu a mão. Uma onda de energia pura varreu os homens como folhas secas, arremessando-os para longe. O chão tremeu, e em segundos, o lugar estava vazio de inimigos.
Kilni ofegava, os olhos ainda cheios de escuridão, abraçando Katara caída.
— Katara! Resista... por favor, resista!
A mão do Mestre pousou sobre o ombro dela com suavidade.
— Eu vou cuidar dela. Sua irmã viverá.
Kilni sentiu um calafrio. Todo o ódio que havia cultivado desde a infância ardia ao encarar aquele rosto.
Ela o empurrou com violência, gritando:
— NÃO TOQUE NELA!
O Mestre não reagiu, apenas a olhou com uma expressão calma, quase triste.
— Você me odeia... eu sinto isso. Mas agora não é hora de ódio.
Kilni rosnou, as sombras ainda oscilando ao redor dela.
— Hipócrita! Você é a causa da morte dos meus pais! Você é o monstro! Eu preferiria morrer a aceitar sua ajuda!
O Mestre suspirou, mas seus olhos permaneceram inabaláveis.
— O destino é cruel, criança. Mas nem toda verdade é como você acredita.
Ele se ajoelhou diante de Katara, irradiando uma luz dourada de suas mãos. A energia começou a fechar lentamente a ferida no corpo da jovem.
Kilni, tremendo entre raiva e desespero, não sabia se atacava o homem ou se implorava para que salvasse sua irmã.
O corpo de Katara jazia nos braços de Kilni, respirando com dificuldade. Por mais que o Primeiro Mestre Cultivador tivesse fechado a ferida com sua energia dourada, ainda havia algo errado.
A cada minuto, o rosto da jovem ficava mais pálido, e seus lábios tremiam como se a vida lhe escapasse.
Kilni arregalou os olhos.
— Você já usou o poder de curar... por que ela ainda está assim?!
O Mestre manteve sua expressão calma, mas seus olhos refletiam gravidade.
— O golpe não foi comum... foi causado por um objeto mágico. Essas lâminas carregam um veneno espiritual que corrói lentamente o corpo da vítima. O que eu fiz aqui foi apenas conter a ferida por fora.
Kilni sentiu o chão desaparecer sob seus pés.
— Então... Katara ainda pode morrer?
O Mestre assentiu lentamente.
— Sim. E apenas eu posso salvá-la por completo. Mas... para isso, precisarei usar um poder que, se for invocado aqui, poderia trazer grandes problemas.
Ele fez uma breve pausa, sua voz firme como a montanha.
— A única forma de garantir a vida de sua irmã é levá-la ao Morro das Nuvens. No templo sagrado, poderei concentrar toda a energia de cura diretamente nela. Somente lá o veneno espiritual poderá ser expulso de seu corpo.
As palavras caíram como punhais no coração de Kilni. O lugar que ela mais odiava... o lugar que jurara jamais pisar... agora era a única esperança de salvar Katara.
Ela apertou a irmã contra o peito, lágrimas ardiam em seus olhos cheios de raiva.
— O Morro das Nuvens... não... eu não posso...
O Mestre a fitou com seriedade.
— Não se trata do que você quer, Kilni Quinuer. Se deseja salvar Katara, terá de confiar em mim, mesmo que me odeie.
Kilni tremia. Seu ódio e sua dor se misturavam. Pela primeira vez em anos, o destino a obrigava a escolher entre sua vingança... e a vida de quem mais amava.
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Atualizado até capítulo 23
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