Capítulo 4 — Vozes na Tempestade

 

Capítulo 4 — Vozes na Tempestade

O som da chuva contra os vidros do Café Mirante havia se tornado um manto constante, abafando todas as conversas em torno deles. O mundo seguia, mas, para Elias e Rafael, era como se só houvesse aquele espaço estreito entre a porta fechada e a tempestade lá fora.

Elias continuava em pé, os dedos levemente trêmulos, olhando para a rua inundada. Não sabia se tremia pelo frio que se infiltrava pelas frestas da porta ou pelo calor descontrolado que queimava dentro de si. Sentia o cio latejando em sua pele como se fosse febre. A cada respiração, o cheiro de Rafael se infiltrava mais fundo, prendendo-o em uma rede invisível.

Ele não podia continuar assim. Precisava quebrar o silêncio.

— Você não deveria estar aqui — disse de repente, a voz baixa, mas carregada de urgência. — Não comigo.

Rafael arqueou uma sobrancelha, mas não havia surpresa em seu olhar, apenas calma.

— E por que não?

Elias riu sem humor, passando a mão pelos cabelos úmidos de suor.

— Porque eu sou um Ômega prestes a entrar em cio. E você... — a voz falhou, como se a simples menção fosse perigosa demais — você é um Alfa. Sabe o que isso significa.

Rafael permaneceu em silêncio por alguns segundos, os olhos fixos nele como se analisasse cada detalhe. Até que finalmente respondeu, num tom mais grave, quase um sussurro.

— Eu sei exatamente o que significa.

Aquelas palavras fizeram o coração de Elias disparar. Não havia escárnio, nem desejo cru, apenas uma verdade fria. Ele sentiu as pernas vacilarem e apoiou-se na parede, respirando fundo.

— Então por que não vai embora?

— Porque — Rafael deu um passo à frente, ainda mantendo uma distância cuidadosa — eu não fujo de quem me lembra de quem eu sou de verdade.

Elias ergueu o rosto, confuso.

— O que você quer dizer?

Rafael desviou os olhos por um instante, como se fosse a primeira vez que hesitava. Seus ombros, sempre firmes, relaxaram um pouco, e ele soltou o ar lentamente.

— As pessoas esperam que eu seja... implacável. Que eu domine, que eu comande, que não hesite nunca. Para eles, ser Alfa é sinônimo de controle absoluto. Mas, por dentro... — ele fechou a mão em punho, como se segurasse algo invisível — por dentro eu vivo em guerra com isso. Porque cada vez que sinto esse instinto, me lembro de tudo que perdi quando cedi a ele.

O silêncio caiu pesado. Elias encarou-o, intrigado.

— Você perdeu...?

Rafael assentiu. Seus olhos, antes tão afiados, estavam sombrios.

— Uma vez... deixei o instinto decidir por mim. Foi com alguém que confiava. Achei que era desejo mútuo, mas era medo. Achei que era amor, mas era prisão. Quando percebi, já tinha destruído o que poderia ter sido verdadeiro. — Ele parou, a voz falhando por um momento. — Nunca mais permiti que isso se repetisse.

Elias sentiu o peito apertar. Era raro ouvir um Alfa falar daquela forma, despido de máscaras. Parte dele quis se afastar ainda mais, mas outra parte — a parte que também carregava cicatrizes — o puxava para mais perto.

— Eu também sei como é — confessou, quase em um fio de voz. — Não ser visto como pessoa, mas como... condição.

Rafael ergueu os olhos para ele. Elias respirou fundo e continuou:

— Fui traído por alguém que dizia me amar. Disse que me protegeria, mas quando meu cio veio, tudo que enxergou foi oportunidade. Fui reduzido ao meu corpo, ao meu cheiro, ao que minha biologia podia oferecer. — Seus lábios tremeram, mas ele se forçou a terminar. — Depois disso, aprendi a me esconder. Supressores, isolamento... qualquer coisa para não ser lembrado de que, para o mundo, eu nunca vou ser mais que um Ômega em cio.

O trovão explodiu lá fora, mas não abafou o silêncio denso que se formou entre eles. Rafael deu mais um passo, ainda cauteloso, como se cada movimento fosse uma escolha calculada para não o assustar.

— Eles estão errados — disse firme, mas sem elevar a voz. — Você não é isso.

Elias sentiu os olhos marejarem, um misto de raiva e alívio.

— E você? O que acha que eu sou?

Rafael não respondeu de imediato. Aproximou-se mais um pouco, até que seus cheiros se misturassem de forma inevitável, e ainda assim manteve as mãos ao lado do corpo, sem tocá-lo.

— Eu acho... que você é a primeira pessoa em muito tempo que me faz querer lutar contra o que esperam de mim.

As palavras atingiram Elias como uma segunda tempestade, diferente da que rugia lá fora. Pela primeira vez, sentiu que não estava sozinho em sua guerra.

Lá fora, a chuva continuava inclemente, mas ali dentro, no espaço estreito entre confissões e silêncio, nascia algo novo — uma cumplicidade que nenhum dos dois ousava nomear, mas que já os definia.

 

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Comments

Sky blue

Sky blue

A história me emocionou muito, me sinto grata por ter lido.

2025-09-10

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Capítulos
1 Capítulo 1 — O Cheiro da Tempestade
2 Capítulo 2 — Instintos em Conflito
3 Capítulo 3 — Presos pela Chuva
4 Capítulo 4 — Vozes na Tempestade
5 Capítulo 5 — O Pacto Silencioso
6 apítulo 6 — O Peso dos Olhares
7 Capítulo 7 — Sob os Olhos de Todos
8 Capítulo 8 — As Primeiras Fissuras
9 Capítulo 9 — Fantasmas à Porta
10 Capítulo 10 — A Escolha Pública
11 Capítulo 11 — O Preço da Verdade
12 Capítulo 12 — A Lâmina do Mundo
13 Capítulo 13 — Vozes que Ferem
14 Capítulo 14 — O Peso da Palavra
15 Capítulo 15 — O Conselho da Ruína
16 Capítulo 16 — O Eco da Derrota
17 Capítulo 17 — As Vozes que se Erguem
18 Capítulo 18 — O Alvo Perfeito
19 Capítulo 19 — O Primeiro Contra-ataque
20 Capítulo 20 — As Sombras se Movem
21 Capítulo 21 — Quando as Ruas Gritam
22 Capítulo 22 — Quando a Noite Respira Perigo
23 Capítulo 23 — O Peso do Medo, a Força da Esperança
24 Capítulo 24 — Vozes Distorcidas
25 Capítulo 25 — O Inimigo da Pátria
26 Capítulo 26 — O Decreto da Noite
27 Capítulo 27 — O Primeiro Sinal da Resistência
28 Capítulo 28 — Entre Força e Vulnerabilidade
29 Capítulo 29 — O Batismo da Resistência
30 Capítulo 30 — Símbolos de Esperança, Alvos de Ódio
31 Capítulo 31 — A Voz Inesperada
32 Capítulo 32 — O Conselho em Alerta
33 Capítulo 33 — O Acidente que Não Aconteceu
34 Capítulo 34 — O Fantasma no Sistema
35 Capítulo 35 — O Peso da Verdade
36 Capítulo 36 — Rachaduras e Instintos
37 Capítulo 37 — Ardendo em Silêncio
38 Capítulo 38 — Contra-ataque
39 Capítulo 39 — A Armadilha
40 Capítulo 40 — Um Mês Depois
41 Capítulo 41 — Entrega
42 Capítulo 42 — O Amanhecer de Um Nós
43 Capítulo 43 — Sinais
44 Capítulo 44 — Verdades em Silêncio
45 Capítulo 45 — Confissões
46 Capítulo 46 — O Segredo Revelado
47 Capítulo 47 — Vozes no Silêncio
48 Capítulo 48 — Ecos pelo Mundo
49 Capítulo 49 — A Primeira Mesa
50 Capítulo 50 — Vozes na Sombra
51 Capítulo 51 — As Primeiras Fissuras
52 Capítulo 52 — O Contra-ataque
53 Capítulo 53 — Sangue e Mentiras
54 Capítulo 54 — Dois Corações, Uma Luta
55 Capítulo 55 — Um Novo Amanhecer
56 Epílogo — Três Batimentos
57 Epílogo — Parte I: O Lar Encontrado
58 Epílogo — Parte II: O Amor no Cotidiano
59 Epílogo — Parte III: Laços e Promessas
60 Epílogo — Parte IV: O Mundo Novo
61 Epílogo — Parte V: O Amanhã
62 Epílogo de Augusto — As Sombras Não Dormem
Capítulos

Atualizado até capítulo 62

1
Capítulo 1 — O Cheiro da Tempestade
2
Capítulo 2 — Instintos em Conflito
3
Capítulo 3 — Presos pela Chuva
4
Capítulo 4 — Vozes na Tempestade
5
Capítulo 5 — O Pacto Silencioso
6
apítulo 6 — O Peso dos Olhares
7
Capítulo 7 — Sob os Olhos de Todos
8
Capítulo 8 — As Primeiras Fissuras
9
Capítulo 9 — Fantasmas à Porta
10
Capítulo 10 — A Escolha Pública
11
Capítulo 11 — O Preço da Verdade
12
Capítulo 12 — A Lâmina do Mundo
13
Capítulo 13 — Vozes que Ferem
14
Capítulo 14 — O Peso da Palavra
15
Capítulo 15 — O Conselho da Ruína
16
Capítulo 16 — O Eco da Derrota
17
Capítulo 17 — As Vozes que se Erguem
18
Capítulo 18 — O Alvo Perfeito
19
Capítulo 19 — O Primeiro Contra-ataque
20
Capítulo 20 — As Sombras se Movem
21
Capítulo 21 — Quando as Ruas Gritam
22
Capítulo 22 — Quando a Noite Respira Perigo
23
Capítulo 23 — O Peso do Medo, a Força da Esperança
24
Capítulo 24 — Vozes Distorcidas
25
Capítulo 25 — O Inimigo da Pátria
26
Capítulo 26 — O Decreto da Noite
27
Capítulo 27 — O Primeiro Sinal da Resistência
28
Capítulo 28 — Entre Força e Vulnerabilidade
29
Capítulo 29 — O Batismo da Resistência
30
Capítulo 30 — Símbolos de Esperança, Alvos de Ódio
31
Capítulo 31 — A Voz Inesperada
32
Capítulo 32 — O Conselho em Alerta
33
Capítulo 33 — O Acidente que Não Aconteceu
34
Capítulo 34 — O Fantasma no Sistema
35
Capítulo 35 — O Peso da Verdade
36
Capítulo 36 — Rachaduras e Instintos
37
Capítulo 37 — Ardendo em Silêncio
38
Capítulo 38 — Contra-ataque
39
Capítulo 39 — A Armadilha
40
Capítulo 40 — Um Mês Depois
41
Capítulo 41 — Entrega
42
Capítulo 42 — O Amanhecer de Um Nós
43
Capítulo 43 — Sinais
44
Capítulo 44 — Verdades em Silêncio
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46
Capítulo 46 — O Segredo Revelado
47
Capítulo 47 — Vozes no Silêncio
48
Capítulo 48 — Ecos pelo Mundo
49
Capítulo 49 — A Primeira Mesa
50
Capítulo 50 — Vozes na Sombra
51
Capítulo 51 — As Primeiras Fissuras
52
Capítulo 52 — O Contra-ataque
53
Capítulo 53 — Sangue e Mentiras
54
Capítulo 54 — Dois Corações, Uma Luta
55
Capítulo 55 — Um Novo Amanhecer
56
Epílogo — Três Batimentos
57
Epílogo — Parte I: O Lar Encontrado
58
Epílogo — Parte II: O Amor no Cotidiano
59
Epílogo — Parte III: Laços e Promessas
60
Epílogo — Parte IV: O Mundo Novo
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Epílogo — Parte V: O Amanhã
62
Epílogo de Augusto — As Sombras Não Dormem

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