Capítulo 4 — As Máscaras de Clara

O vento frio soprava pelos corredores da mansão Arlott, trazendo consigo o cheiro de madeira encerada e o eco distante do piano, onde Isabella se refugiava quase todas as noites. Rafael, no entanto, já não se deixava prender pela música como antes. Algo nele mudara, e a causa tinha nome: Clara.

A filha da cozinheira sabia exatamente como se colocar — nem como empregada, nem como igual. Ela transitava num espaço cinzento, de vulnerabilidade calculada. Cada gesto, cada palavra carregava a intenção de acender nele uma chama de culpa e compaixão.

Numa manhã chuvosa, Rafael a encontrou caída perto da escadaria de serviço. Clara gemia baixo, a mão sobre o peito.

— Clara! — ele correu até ela, ajudando-a a se erguer. — O que aconteceu?

Ela tossiu levemente, pálida como cera. — Eu… não deveria incomodar… só tive mais uma daquelas crises.

Rafael, alarmado, tentou levá-la até o médico da família, mas Clara agarrou seu braço com força surpreendente.

— Não! — exclamou com um olhar súplice. — Se Isabella souber, vai me acusar de estar fingindo. Ela já deixou claro que não gosta da minha presença.

Rafael franziu o cenho. — Isabella jamais faria isso. Você deve ter entendido errado…

— Entendido errado? — Clara forçou uma lágrima a escorrer pelo rosto. — Você não viu o jeito como ela me olha, como se eu fosse uma intrusa? Se souber que estou doente, vai dizer que atrapalho, que não sirvo nem para ajudar minha mãe na cozinha.

A dúvida plantada dias atrás começava a germinar. Rafael, que crescera confiando em Isabella, agora se via dividido. Ele não podia acreditar cegamente nas palavras de Clara… mas a vulnerabilidade dela o desarmava.

— Eu vou cuidar de você, Clara — murmurou, convencido de que aquela era a única saída. — Mas prometa que não vai esconder se piorar.

Ela assentiu, sabendo que tinha conquistado mais um pedaço do coração dele.

Naquela mesma noite, Isabella entrou na sala de jantar e percebeu a ausência de Rafael. O mordomo informou que ele estava “ocupado com assuntos pessoais”. Não era a primeira vez. O incômodo crescia como um nó em seu peito.

Depois do jantar, encontrou o avô, Augusto, revisando relatórios na biblioteca.

— O Rafael tem estado estranho — disse ela, sentando-se à frente dele. — Evita reuniões, desaparece em horários incomuns… não sei o que está acontecendo.

Augusto, homem de olhar perspicaz, ajeitou os óculos e a fitou em silêncio por alguns segundos.

— O que você sente não é ilusão, Isabella. Mas não se precipite. Às vezes, o silêncio de um homem revela mais do que suas palavras. Observe.

Ela assentiu, mas a inquietação permaneceu.

Dois dias depois, a primeira cena pública se armou. Clara estava no jardim, colhendo flores para arranjos, quando Isabella apareceu. Quis conversar, talvez entender melhor os rumores que começavam a circular.

— Clara, podemos falar um instante? — perguntou com a cordialidade que lhe era natural.

Antes que pudesse continuar, Clara levou a mão à testa e cambaleou teatralmente. Com um suspiro, deixou-se cair sobre o banco de pedra. Rafael, que passava pelo corredor próximo, correu até ela.

— O que aconteceu? — perguntou aflito.

Clara apontou com um gesto frágil para Isabella. — Eu… tentei apenas dizer que estava cansada… mas ela disse que eu estava inventando!

Rafael voltou-se para Isabella, confuso.

— Isabella, isso é verdade?

Os olhos dela se arregalaram, feridos pela injustiça. — Claro que não! Eu só pedi para conversarmos, não falei nada disso.

Clara soluçou baixinho, encolhida no banco, como se fosse vítima de uma agressão invisível. O quadro estava armado, e Rafael, cego pelo instinto de proteção, não soube distinguir verdade de mentira.

— Basta, Isabella — disse ele, a voz tensa. — Não consigo entender por que você seria tão dura.

Ela ficou imóvel, como se as palavras o tivessem transformado em um estranho. Quis gritar, se defender, mas a dor foi mais rápida que a voz. Sem responder, girou nos saltos e se afastou, o som dos passos ecoando pelo pátio.

Do alto da sacada, Augusto observava a cena. Seus olhos, cansados mas atentos, captaram a manipulação escondida nos gestos de Clara e a ingenuidade perigosa de Rafael. Apertou o punho sobre a bengala.

Sabia que não poderia intervir ainda — mas o tempo de proteger Isabella se aproximava.

E, naquela noite, enquanto Clara sorria sozinha em seu quarto, convicta de que dera mais um passo rumo à fortuna, Isabella chorava em silêncio diante do piano, sem imaginar que sua dor logo faria o avô mover peças que mudariam para sempre o tabuleiro da família Arlott.

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Comments

Dilma Melachos

Dilma Melachos

Rafael além de ser um fraco é ingrato também. como ele acredita numa pessoa que nunca teve convívio?se deixou enganar por sua própria incerteza. não aprendeu nada que lhe ensinaram.

2025-09-11

1

Isabel Bel

Isabel Bel

Bem, para mim Rafael é fraco, e facilmente se deixa manipular, não serve só para ser o marido de Isabella, é fraco para ser um líder e gestor

2025-09-09

0

Maria Jussara

Maria Jussara

Rafael é um fracote ingrato

2025-09-12

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 — O Acordo
2 Capítulo 2 — O Primeiro Engano
3 Capítulo 3 — As Primeiras Sombras
4 Capítulo 4 — As Máscaras de Clara
5 Capítulo 5 — O Peso da Herança
6 Capítulo 6 — O Despertar de um Novo Destino
7 Capítulo 7 — O Jogo da Desesperança
8 Capítulo 8 — O Veneno das Palavras
9 Capítulo 9 — O Confronto
10 Capítulo 10 — A Humilhação
11 Capítulo 11 — O Corte
12 Capítulo 12 — Dois Caminhos
13 Capítulo 13 — O Início da Queda
14 Capítulo 14 — Entre Sombras e Luzes
15 Capítulo 14 — Entre Sombras e Luzes
16 Capítulo 15 — A Verdade Entre Luzes
17 Capítulo 16 — Entre Provas e Promessas
18 Capítulo 17 — Veneno em Copos de Cristal
19 Capítulo 18 — As Marcas do Inverno
20 Capítulo 19 — Sob o Peso da Neve
21 Capítulo 20 — O Veneno das Sombras
22 Capítulo 21 — O Fio da Loucura
23 Capítulo 22 — A Serpente Entre as Paredes
24 Capítulo 23 — A Máscara em Público
25 Capítulo 24 — As Cinzas da Tempestade
26 Capítulo 25 — O Tribunal das Sombras
27 Capítulo 26 — O Anúncio Sob os Lustres
28 Capítulo 27 — Preparativos de Amor
29 Capítulo 28 — Sob as Promessas do Altar
30 Capítulo 29 — O Refúgio do Lago
31 Capítulo 30 — Ritos de Um Amor
32 Capítulo 31 — O Primeiro Sinal da Vida
33 Capítulo 32 — O Retorno com Segredo
34 Capítulo 33 — Vozes de Valmont
35 Capítulo 34 — Sonhos de Futuro
36 Capítulo 35 — Entre Luzes e Sombras
37 Capítulo 36 — Entre Sussurros e Promessas
38 Capítulo 37 — Duas Promessas
39 Capítulo 38 — O Peso da Esperança
40 Capítulo 39 — O Grito do Silêncio
41 Capítulo 40 — A Caça na Escuridão
42 Capítulo 41 — Nas Trilhas da Noite
43 Capítulo 42 — A Última Caçada
44 Capítulo 43 — O Rugido do Coração
45 Capítulo 44 — O Amanhecer dos Arlott
46 Epílogo — O Solar da Luz
47 Epílogo II — Dez Anos Depois
Capítulos

Atualizado até capítulo 47

1
Capítulo 1 — O Acordo
2
Capítulo 2 — O Primeiro Engano
3
Capítulo 3 — As Primeiras Sombras
4
Capítulo 4 — As Máscaras de Clara
5
Capítulo 5 — O Peso da Herança
6
Capítulo 6 — O Despertar de um Novo Destino
7
Capítulo 7 — O Jogo da Desesperança
8
Capítulo 8 — O Veneno das Palavras
9
Capítulo 9 — O Confronto
10
Capítulo 10 — A Humilhação
11
Capítulo 11 — O Corte
12
Capítulo 12 — Dois Caminhos
13
Capítulo 13 — O Início da Queda
14
Capítulo 14 — Entre Sombras e Luzes
15
Capítulo 14 — Entre Sombras e Luzes
16
Capítulo 15 — A Verdade Entre Luzes
17
Capítulo 16 — Entre Provas e Promessas
18
Capítulo 17 — Veneno em Copos de Cristal
19
Capítulo 18 — As Marcas do Inverno
20
Capítulo 19 — Sob o Peso da Neve
21
Capítulo 20 — O Veneno das Sombras
22
Capítulo 21 — O Fio da Loucura
23
Capítulo 22 — A Serpente Entre as Paredes
24
Capítulo 23 — A Máscara em Público
25
Capítulo 24 — As Cinzas da Tempestade
26
Capítulo 25 — O Tribunal das Sombras
27
Capítulo 26 — O Anúncio Sob os Lustres
28
Capítulo 27 — Preparativos de Amor
29
Capítulo 28 — Sob as Promessas do Altar
30
Capítulo 29 — O Refúgio do Lago
31
Capítulo 30 — Ritos de Um Amor
32
Capítulo 31 — O Primeiro Sinal da Vida
33
Capítulo 32 — O Retorno com Segredo
34
Capítulo 33 — Vozes de Valmont
35
Capítulo 34 — Sonhos de Futuro
36
Capítulo 35 — Entre Luzes e Sombras
37
Capítulo 36 — Entre Sussurros e Promessas
38
Capítulo 37 — Duas Promessas
39
Capítulo 38 — O Peso da Esperança
40
Capítulo 39 — O Grito do Silêncio
41
Capítulo 40 — A Caça na Escuridão
42
Capítulo 41 — Nas Trilhas da Noite
43
Capítulo 42 — A Última Caçada
44
Capítulo 43 — O Rugido do Coração
45
Capítulo 44 — O Amanhecer dos Arlott
46
Epílogo — O Solar da Luz
47
Epílogo II — Dez Anos Depois

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