O vento frio soprava pelos corredores da mansão Arlott, trazendo consigo o cheiro de madeira encerada e o eco distante do piano, onde Isabella se refugiava quase todas as noites. Rafael, no entanto, já não se deixava prender pela música como antes. Algo nele mudara, e a causa tinha nome: Clara.
A filha da cozinheira sabia exatamente como se colocar — nem como empregada, nem como igual. Ela transitava num espaço cinzento, de vulnerabilidade calculada. Cada gesto, cada palavra carregava a intenção de acender nele uma chama de culpa e compaixão.
Numa manhã chuvosa, Rafael a encontrou caída perto da escadaria de serviço. Clara gemia baixo, a mão sobre o peito.
— Clara! — ele correu até ela, ajudando-a a se erguer. — O que aconteceu?
Ela tossiu levemente, pálida como cera. — Eu… não deveria incomodar… só tive mais uma daquelas crises.
Rafael, alarmado, tentou levá-la até o médico da família, mas Clara agarrou seu braço com força surpreendente.
— Não! — exclamou com um olhar súplice. — Se Isabella souber, vai me acusar de estar fingindo. Ela já deixou claro que não gosta da minha presença.
Rafael franziu o cenho. — Isabella jamais faria isso. Você deve ter entendido errado…
— Entendido errado? — Clara forçou uma lágrima a escorrer pelo rosto. — Você não viu o jeito como ela me olha, como se eu fosse uma intrusa? Se souber que estou doente, vai dizer que atrapalho, que não sirvo nem para ajudar minha mãe na cozinha.
A dúvida plantada dias atrás começava a germinar. Rafael, que crescera confiando em Isabella, agora se via dividido. Ele não podia acreditar cegamente nas palavras de Clara… mas a vulnerabilidade dela o desarmava.
— Eu vou cuidar de você, Clara — murmurou, convencido de que aquela era a única saída. — Mas prometa que não vai esconder se piorar.
Ela assentiu, sabendo que tinha conquistado mais um pedaço do coração dele.
Naquela mesma noite, Isabella entrou na sala de jantar e percebeu a ausência de Rafael. O mordomo informou que ele estava “ocupado com assuntos pessoais”. Não era a primeira vez. O incômodo crescia como um nó em seu peito.
Depois do jantar, encontrou o avô, Augusto, revisando relatórios na biblioteca.
— O Rafael tem estado estranho — disse ela, sentando-se à frente dele. — Evita reuniões, desaparece em horários incomuns… não sei o que está acontecendo.
Augusto, homem de olhar perspicaz, ajeitou os óculos e a fitou em silêncio por alguns segundos.
— O que você sente não é ilusão, Isabella. Mas não se precipite. Às vezes, o silêncio de um homem revela mais do que suas palavras. Observe.
Ela assentiu, mas a inquietação permaneceu.
Dois dias depois, a primeira cena pública se armou. Clara estava no jardim, colhendo flores para arranjos, quando Isabella apareceu. Quis conversar, talvez entender melhor os rumores que começavam a circular.
— Clara, podemos falar um instante? — perguntou com a cordialidade que lhe era natural.
Antes que pudesse continuar, Clara levou a mão à testa e cambaleou teatralmente. Com um suspiro, deixou-se cair sobre o banco de pedra. Rafael, que passava pelo corredor próximo, correu até ela.
— O que aconteceu? — perguntou aflito.
Clara apontou com um gesto frágil para Isabella. — Eu… tentei apenas dizer que estava cansada… mas ela disse que eu estava inventando!
Rafael voltou-se para Isabella, confuso.
— Isabella, isso é verdade?
Os olhos dela se arregalaram, feridos pela injustiça. — Claro que não! Eu só pedi para conversarmos, não falei nada disso.
Clara soluçou baixinho, encolhida no banco, como se fosse vítima de uma agressão invisível. O quadro estava armado, e Rafael, cego pelo instinto de proteção, não soube distinguir verdade de mentira.
— Basta, Isabella — disse ele, a voz tensa. — Não consigo entender por que você seria tão dura.
Ela ficou imóvel, como se as palavras o tivessem transformado em um estranho. Quis gritar, se defender, mas a dor foi mais rápida que a voz. Sem responder, girou nos saltos e se afastou, o som dos passos ecoando pelo pátio.
Do alto da sacada, Augusto observava a cena. Seus olhos, cansados mas atentos, captaram a manipulação escondida nos gestos de Clara e a ingenuidade perigosa de Rafael. Apertou o punho sobre a bengala.
Sabia que não poderia intervir ainda — mas o tempo de proteger Isabella se aproximava.
E, naquela noite, enquanto Clara sorria sozinha em seu quarto, convicta de que dera mais um passo rumo à fortuna, Isabella chorava em silêncio diante do piano, sem imaginar que sua dor logo faria o avô mover peças que mudariam para sempre o tabuleiro da família Arlott.
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Atualizado até capítulo 47
Comments
Dilma Melachos
Rafael além de ser um fraco é ingrato também. como ele acredita numa pessoa que nunca teve convívio?se deixou enganar por sua própria incerteza. não aprendeu nada que lhe ensinaram.
2025-09-11
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Isabel Bel
Bem, para mim Rafael é fraco, e facilmente se deixa manipular, não serve só para ser o marido de Isabella, é fraco para ser um líder e gestor
2025-09-09
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Maria Jussara
Rafael é um fracote ingrato
2025-09-12
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