O outono chegara a Valmont tingindo as árvores de vermelho e dourado, e os corredores do Solar Arlott refletiam a mesma melancolia das folhas que caiam silenciosas nos jardins. Isabella, agora com vinte e três anos, carregava no olhar a maturidade de quem fora educada desde cedo para liderar. Seus passos eram firmes, sua postura impecável, mas havia uma ternura em seus gestos que o avô jamais permitira que se apagasse.
Nos últimos meses, porém, algo mudara. Ela percebia a distância crescente de Rafael — o rapaz que crescera ao seu lado, com quem dividira segredos de infância e promessas inocentes de futuro. Antes, ele estava sempre presente, acompanhando-a em reuniões, jantares e passeios; agora, sua presença era marcada por ausências e olhares perdidos, como se carregasse um peso invisível que não ousava compartilhar.
Naquela tarde, Isabella entrou na biblioteca carregando um maço de relatórios. Encontrou Rafael sentado em uma das poltronas de couro, mas ele não a notou de imediato. Estava distraído, segurando um lenço de tecido simples, bordado à mão, algo que definitivamente não fazia parte do universo luxuoso dos Arlott.
— Rafael? — ela chamou suavemente.
Ele se sobressaltou, fechando o punho sobre o lenço antes de enfiá-lo apressado no bolso do paletó.
— Isabella, eu… não esperava você agora.
— Achei que estivesse me esperando. — Ela sorriu, tentando aliviar a tensão repentina. — O avô pediu que revisássemos juntos o contrato da exportação.
— Claro. — A resposta saiu automática, mas a mente dele estava distante.
Isabella sentou-se diante dele, mas, enquanto lia os documentos, seus olhos escapavam vez ou outra para o semblante do companheiro de infância. Havia nele uma inquietação que ela não sabia nomear, uma sombra discreta que não combinava com o jovem seguro que sempre conhecera.
A causa daquela sombra estava, naquele exato momento, na cozinha. Clara caminhava entre panelas e bandejas, mas sua atenção não estava no trabalho. A cada instante, os olhos buscavam a porta, esperando ansiosa pelo som de passos que ela reconhecia.
Não demorou muito. Rafael entrou pela entrada de serviço, como já acontecera outras vezes nas últimas semanas. Ele parecia desconfortável em estar ali, como se quebrasse uma regra não escrita, mas Clara o recebeu com um sorriso que dissolvia sua resistência.
— Você veio — disse ela, quase como uma criança que temia ser esquecida.
— Não deveria estar aqui — murmurou ele, olhando em volta. — Se alguém nos vir…
Clara suspirou, levando uma das mãos ao peito. — Está bem… não quero causar problemas. É que… as crises têm piorado. Eu não sei o que faria sem você, Rafael.
Ela apoiou-se na bancada, fingindo fraqueza, e Rafael, movido pelo mesmo instinto de sempre, a segurou pelos ombros. Clara fechou os olhos, deixando escapar um suspiro carregado de vulnerabilidade.
— Prometa que nunca vai me deixar — ela sussurrou. — Eu não suportaria.
Rafael hesitou. As palavras dela o atingiram como correntes invisíveis. Ele sabia que não deveria se envolver daquela forma, mas a fragilidade de Clara despertava nele uma necessidade quase visceral de proteger. E, sem perceber, a promessa feita anos atrás a Isabella começava a ser corroída pelo peso de outra.
Naquela noite, Isabella jantou sozinha na sala principal. O avô alegara cansaço e se recolhera cedo; Rafael dissera que precisava resolver “questões pessoais”. A herdeira permaneceu à mesa, ouvindo apenas o tique-taque do relógio e o estalar da lareira. Sentiu-se estranhamente só.
Olhou para o pingente no pescoço, aquele símbolo de um pacto antigo, e pensou em como a vida parecia mais frágil do que as promessas que um dia acreditara inquebráveis.
“Será que ele ainda me vê como a menina que prometeu proteger?”, questionou-se em silêncio, sem imaginar que, do outro lado da mansão, Rafael estava com Clara, ouvindo-a repetir as mesmas frases que gravavam cicatrizes em seu coração.
Dias depois, os rumores começaram. Valmont sempre fora uma cidade de olhos atentos, e não demorou para que algumas criadas murmurassem sobre os encontros de Rafael na cozinha. Isabella, porém, ainda nada sabia.
O que ela via era apenas a distância. Os sorrisos mais raros. As conversas mais curtas. Os olhares que, antes, se prendiam nos dela, agora se perdiam em outro lugar.
Certa manhã, caminhando pelos corredores, Isabella encontrou Rafael distraído, com Clara ao lado, entregando-lhe discretamente algo embrulhado em tecido. Ao perceber a presença da herdeira, os dois se afastaram rápido demais, e Rafael ensaiou uma explicação que soou frágil até para seus próprios ouvidos.
Isabella, porém, não o confrontou. Apenas o observou com olhos que guardavam mais do que diziam. No fundo, sabia que algo estava errado — mas ainda não imaginava a profundidade da teia que começava a se formar ao redor deles.
E enquanto o Solar Arlott seguia com seus jantares, reuniões e aparências intactas, a mentira começava a envenenar o que um dia fora uma promessa de amor eterno.
Naquela noite, enquanto Isabella tocava novamente o piano, sozinha, Rafael observava de longe. Não era mais o olhar de admiração do passado. Agora, havia nele a sombra da dúvida.
E Clara, escondida atrás da porta entreaberta, sorriu. Porque sabia: a distância entre eles já estava aberta. Bastava empurrar um pouco mais para que a promessa se quebrasse por completo.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 47
Comments
Dilma Melachos
tomara que quando o avô dela descobrir deixe ele sem herança, pois a Clara está fazendo isso não pó amor e sim por ganância e inveja.
2025-09-11
2
calloucatty
cobrinha peçonhenta essa Clara, e Rafael já sendo homem como a maioria dos homens
2025-09-12
0
Rita DE Cassia Gomes
uma 🐍
2025-09-10
0