Porta, Risos e Segredos

O dia amanheceu ensolarado. Ana levantou, vestiu uma calça jeans, camisa, arregaçou as mangas e prendeu o cabelo em um rabo de cavalo.

Quando chegou à mesa, todos já estavam tomando café da manhã e conversando animados sobre o dia anterior, lembrando da festa do milho.

— Até a Ana conseguiu se divertir… dançou horrores com aquele cara! — disse um dos meninos, rindo.

O outro entrou na brincadeira:

— Conta pra gente… você gostou mesmo do motoqueiro, não gostou?

Pensei se respondia ou não, mas percebi que todos me olhavam, esperando uma resposta. Suspirei e disse:

— Eu só deixei ele dançar comigo porque nunca mais vou vê-lo. Desse tipo de homem eu não quero nem conversa.

Minha mãe, enigmática como sempre, apenas comentou:

— Nunca diga “nunca”. O universo pode ter outros planos.

— Pode parar com suas teorias — retruquei, impaciente. — O universo só quer que eu continue ensinando vocês a ter respeito e disciplina. E chega desse assunto, temos muito o que fazer. Acabem logo de comer, os animais não esperam!

Levantei ainda nervosa, com a fala da minha mãe ecoando na mente: Nunca diga nunca…

Parei por um instante, e os olhos verdes de Marcos vieram à minha lembrança, intensos. Balancei a cabeça, tentando afastar aquela imagem, e segui para a lida, indo tirar o leite.

Minha mãe tocou o sino avisando a hora do almoço. Eu havia acabado de coletar o sêmen de mais um touro e falei para seu José, meu capataz:

— Solta o Diamante (um touro Brahman) para pastar e, depois do almoço, vamos colocar os meninos para dar banho no Mineiro e no Fumaça (touros de elite). Eles vão para a exposição em Rio Preto e, quem sabe, voltam com uma medalha.

— Pode deixar, patroa — respondeu ele.

Quando fui chegando à casa, vi a van do frei Francisco estacionada no pátio.

O que será que aconteceu? O frei só costuma sair quando o assunto é importante. Será que os meninos aprontaram algo que eu não vi? Se me envergonharam, vão passar o resto do ano lavando o chiqueiro.

Suspirei e subi na varanda, onde a mesa já estava posta. Para minha surpresa, o frei almoçava tranquilamente com minha família.

— Bom dia… tudo bem por aqui? — falei ainda ressabiada com a visita inesperada.

— Bom dia, minha filha. Eu vim conversar com você, mas a comida da Armelinda cheira tão bem que não resisti — respondeu ele, sorrindo.

— O senhor quer conversar agora?

— Vamos almoçar primeiro, depois falamos.

— Tudo bem.

Troquei um olhar com todos, tentando perceber se alguém me escondia alguma coisa, mas aparentemente todos estavam tão surpresos quanto eu com a visita.

Logo depois do almoço fui para o escritório com o Frei. Nos sentamos, e minha mãe veio trazer um café, visivelmente querendo ouvir a conversa. Eu a coloquei para fora e fechei a porta.

Mal nos acomodamos, ouvi uns barulhinhos suspeitos do lado de fora. Virei a cabeça e dei de cara com os três recrutas enfileirados, tentando espiar pela fresta da porta. Um de joelhos, outro apoiado nas costas dele e o terceiro pendurado quase no batente. E minha mãe e meu pai logo atrás.

— Vocês estão achando que isso aqui é novela da televisão, é? — perguntei, séria, arqueando a sobrancelha.

— Eu só estava procurando um mosquito… — disse o primeiro, apontando para o teto, obviamente mentindo.

— E eu tava… tentando alcançar a sombra de um pardal! — completou o segundo, gesticulando desesperadamente.

— Eu só queria ter certeza de que a porta tava bem fechada… — disse o terceiro, quase caindo para dentro da sala.

Suspirei fundo, cruzando os braços, e olhei para eles como se pudesse fulminar com o olhar. Olhei para meus país.

_ E vocês dois, não tem vergonha?

Me deram um balançar de ombros e foram saindo.

— Certo. Todos fora. Agora, vão dar banho nos touros. — Minha voz firme, mas com um leve riso contido.

Eles se dispersaram correndo, tropeçando uns nos outros, resmungando desculpas cada vez mais absurdas: “Prometo que não é espionagem!” “É para fins de treinamento tático!”  “Vocês não vão acreditar no que eu vi!”

Fechei a porta com firmeza e olhei para o Frei, que não conseguia segurar a risada:

— É… eles são exatamente como você descreveu — disse ele, enxugando os olhos de tanto rir.

— Exatamente — concordei, sorrindo, ainda tentando manter a compostura. — Agora sim podemos conversar.

— Pode falar, Frei, o que foi que os meninos aprontaram? — perguntei, ainda me recuperando da cena.

O Frei Francisco deu uma sonora risada e disse:

— Seus recrutas não fizeram nada. Na verdade, preciso te pedir um favor.

— Nossa, que alívio! Achei que eles tinham abusado da sua hospitalidade. Que tipo de ajuda o senhor precisa?

— Tenho um amigo, o doutor Paulo Buchala. Ele tem um filho problemático e me pediu ajuda.

— Mas o filho do doutor não é aquele playboy que vive aparecendo nas manchetes do jornal da cidade, sempre fazendo arruaça?

— Esse mesmo. O pai dele quer que ensinemos bons modos ao rapaz.

— Frei, eu lido com adolescentes… o mais velho aqui tem 18 anos. O filho do seu amigo deve ter uns 30.

— Quarenta e um, para ser mais exato. Mas a cabeça dele é de 16, e é por isso que acredito que você vai saber lidar com ele.

Pensei por um instante: Vai ser difícil… um adolescente, por mais teimoso que seja, aprende rápido. Mas um adulto?

— Vamos, Ana. Eu sei que a única pessoa que pode ajudar o rapaz é você. Ele precisa de disciplina, e disso você entende.

— Tudo bem. Avisa o doutor que vai ficar me devendo uma consulta para todos daqui do centro.

O Frei suspirou aliviado por eu ter aceitado. No fundo, sabia que Marcos faria de tudo para escapar das punições.

— Ah, Ana… você nem imagina — disse ele baixinho, olhando para o nada. — Já consigo ver o rapaz se debatendo com cada regra que você inventar. Tentando escapar de tarefas, reclamando de horários, tropeçando nas próprias desculpas… Vai ser um espetáculo!

Eu arqueei a sobrancelha, sorrindo:

— Isso é ótimo para você, Frei, mas para ele vai ser um verdadeiro inferno.

— Exatamente! — respondeu ele, rindo baixinho. — Eu já consigo ouvir os gritos: “Mas eu tenho 41 anos! Por que tenho que seguir regras de adolescente?” E você, impassível, só com aquele olhar que derrete até pedra. Vai ser delicioso!

Balancei a cabeça, rindo apesar de tentar manter a seriedade:

— Ah, Frei… se ele sobreviver às primeiras semanas comigo, já vai poder se considerar um homem mudado. Ou pelo menos mais humilde.

— E se não sobreviver… — completou o Frei, piscando — sempre teremos histórias engraçadas para contar.

Rimos juntos por alguns segundos, e eu não pude deixar de pensar: esse vai ser o desafio mais divertido e caótico que já aceitei. Um playboyzinho de jornal, acostumado a viver sem limites… não deve durar uma semana nas minhas mãos.

Mal sabia eu que, dessa vez, não seria eu quem daria as ordens.

Mais populares

Comments

AndressaAutora

AndressaAutora

Ué, e quem vai ser?

2025-09-12

1

AndressaAutora

AndressaAutora

Kkkkk a melhor desculpa de todas e todos os outros se juntaram para caçar o mosquito kkkk

2025-09-12

1

AndressaAutora

AndressaAutora

Eles estão todos muito curiosos para saber qual assunto o frei veio tratar

2025-09-12

1

Ver todos
Capítulos
1 A festa do milho
2 Forró,Chutes e Risadas
3 Porta, Risos e Segredos
4 Centro Renascer
5 O primeiro teste
6 Exercícios
7 Vendo Marcos tentar
8 O chiqueiro rebelde
9 O preço da teimosia
10 O preço da responsabilidade
11 Esforço que seduz
12 Entre canções e confissões
13 Um jantar nada discreto
14 O boi fugitivo
15 O suco do destino
16 Doce de cidra
17 Conhecendo o monstro por trás do grasnado.
18 Derrotado por um pato gigante
19 Tem algo estranho no ar
20 Um jantar diferente
21 Os guardiões
22 A roda de viola
23 Estrondos e descobertas
24 Risos que escondem mágoas
25 A jaqueta fantasma
26 Entre jaquetas e provocações
27 Um jantar colorido
28 Dá um beijo nele Marcos
29 Ser da roça não é fácil
30 Moleque insolente
31 O escudo
32 Isso é comida de verdade?
33 Vitória Dobrada
34 O banho de Pingo
35 O banquete
36 O milagre da vida
37 Não!
38 Marcos está tentando
39 Provocações
40 Aqui todos temos partes quebradas.
41 Minha parte quebrada
42 Café da manhã e o ex
43 A horta
44 Bebe Felipe!
45 Ele me entende
46 Entre a proteção e a confiança
47 Colhe o milho direito, menino
48 O ganso que sabia demais
49 O ganso cupido
50 Depois do beijo
51 Estamos namorando?
52 Agora é pra valer
53 Uma noite sem fim
54 Amanhecer e ganso guardião.
55 Dando banho nos bois
56 Cosmos e Mística
57 Uma noite na Expo
58 Diamante vai desfilar
59 PROBLEMAS
60 Entre risos e verdades
61 Um anoitecer tranquilo
62 Vou adotar André
63 Você vai ser meu pai?
64 Visita oficial
65 Uma cartela de camisinhas
66 O que foi? Eu também sei fazer piadas.
67 Cuidado com minhas plantas
68 A visita do García
69 Verdade dolorosa
70 Agora eu tenho uma família
71 Prova de naturidade
72 Fotos e risadas
73 Finalmente o gol
74 Epílogo: Um ano de amor e risos
Capítulos

Atualizado até capítulo 74

1
A festa do milho
2
Forró,Chutes e Risadas
3
Porta, Risos e Segredos
4
Centro Renascer
5
O primeiro teste
6
Exercícios
7
Vendo Marcos tentar
8
O chiqueiro rebelde
9
O preço da teimosia
10
O preço da responsabilidade
11
Esforço que seduz
12
Entre canções e confissões
13
Um jantar nada discreto
14
O boi fugitivo
15
O suco do destino
16
Doce de cidra
17
Conhecendo o monstro por trás do grasnado.
18
Derrotado por um pato gigante
19
Tem algo estranho no ar
20
Um jantar diferente
21
Os guardiões
22
A roda de viola
23
Estrondos e descobertas
24
Risos que escondem mágoas
25
A jaqueta fantasma
26
Entre jaquetas e provocações
27
Um jantar colorido
28
Dá um beijo nele Marcos
29
Ser da roça não é fácil
30
Moleque insolente
31
O escudo
32
Isso é comida de verdade?
33
Vitória Dobrada
34
O banho de Pingo
35
O banquete
36
O milagre da vida
37
Não!
38
Marcos está tentando
39
Provocações
40
Aqui todos temos partes quebradas.
41
Minha parte quebrada
42
Café da manhã e o ex
43
A horta
44
Bebe Felipe!
45
Ele me entende
46
Entre a proteção e a confiança
47
Colhe o milho direito, menino
48
O ganso que sabia demais
49
O ganso cupido
50
Depois do beijo
51
Estamos namorando?
52
Agora é pra valer
53
Uma noite sem fim
54
Amanhecer e ganso guardião.
55
Dando banho nos bois
56
Cosmos e Mística
57
Uma noite na Expo
58
Diamante vai desfilar
59
PROBLEMAS
60
Entre risos e verdades
61
Um anoitecer tranquilo
62
Vou adotar André
63
Você vai ser meu pai?
64
Visita oficial
65
Uma cartela de camisinhas
66
O que foi? Eu também sei fazer piadas.
67
Cuidado com minhas plantas
68
A visita do García
69
Verdade dolorosa
70
Agora eu tenho uma família
71
Prova de naturidade
72
Fotos e risadas
73
Finalmente o gol
74
Epílogo: Um ano de amor e risos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!