Gansos, Gado e Beijos

Gansos, Gado e Beijos

A festa do milho

— Mística, nós já estamos prontos. Vamos? — chamou Sandra, mãe de Ana Laura, exalando energia hippie como se estivesse desfilando em um festival de cores.

— Mãe, quantas vezes já te disse para não me chamar assim? E não dava para colocar uma roupa normal? — resmunguei, olhando para o visual anos 80 dela: franjas, pulseiras que batiam em tudo e um chapéu com penas que parecia um desfile de carnaval. Ela jamais mudaria.

— Te dei esse apelido porque você era mística — disse ela, com aquele sorriso travesso e meio sábio. — E esse é meu estilo. Você já deveria ter se acostumado.

Revirei os olhos e fui esperar a turma perto da perua. Os meninos chegaram animados, rindo e fazendo piadas internas, felizes por sair um pouco do centro de reabilitação. Mas eu já dava a letra:

— Vocês vão comigo e ficam comigo. Se um sair da linha, voltamos todos para casa antes do show, entendido?

Todos fizeram uma continência meio desajeitada, tentando segurar o riso. Eu já ia dar uma bronca quando minha mãe e meu pai apareceram.

— Mística, deixa a militar em casa. Estamos indo nos divertir — disse meu pai, rindo, sacudindo a cabeça como se dissesse “essa é minha filha mesmo”.

Suspirei e olhei para os meninos, que mal conseguiam conter o riso.

— Se alguém me chamar por esse apelido ridículo em público, vou deixar de castigo até o fim dos tempos. Agora entrem logo na perua, antes que eu desista.

Enquanto saíamos do sítio, comecei a relaxar. Talvez, só talvez, minha mãe tivesse razão: eu precisava me soltar um pouco. O cheiro da terra recém-regada, o vento leve e o canto distante dos grilos me faziam sentir que aquele seria um dia diferente.

Chegamos à festa do milho de Jaci. O lugar estava animado: crianças corriam por entre as barracas, homens com chapéus de palha tentavam impressionar nas barracas de pescaria, e o aroma de pamonha, curau e canjica se misturava ao cheiro de milho assado. Os rapazes estavam eufóricos, rindo e correndo de um lado para o outro, enquanto meus pais conversavam com conhecidos. Antes de liberá-los, fiz meu alerta final:

— Nada de beber, e nem de serem desrespeitosos com as pessoas.

Meu pai interveio, rindo:

— Filha, eles já entenderam. Você fala isso desde a semana passada.

Entrei na festa rezando para não ter cometido um erro. Fui direto cumprimentar o Frei Francisco Belotti, como de costume, parabenizando-o pela organização impecável. Cada barraca tinha um toque especial: pipoca de milho caramelada, pamonha fresquinha, e o frango com milho do restaurante… simplesmente irresistível.

Depois do almoço, deixei os meninos se divertirem enquanto eu passeava pela festa. Vi a barraca de tiro ao alvo e ouvi minha mãe:

— Filha, pega aquele urso para mim.

Ela adorava ursinhos de pelúcia, e havia um rosa lindo para quem acertasse cinco alvos seguidos. Comprei os dardos e me preparei para começar, observando cada detalhe: o esforço das crianças tentando acertar, o vai-e-vem das famílias, e o som das vozes misturado à música típica de festa junina.

De repente, alguém falou comigo:

— Quer que eu pegue o urso para você?

Sem olhar para ele, respondi:

— Eu sempre pego o que quero. Não preciso de ajuda.

— Bem que você poderia querer me pegar… — disse ele, com um sorriso desafiador que parecia quebrar todas as minhas regras internas.

Virei-me, pronta para colocá-lo em seu lugar, e congelei. Um motoqueiro alto, loiro, olhos verdes, me encarava com aquele sorriso de quem sabe o efeito que causa. Eu tinha um fraco por motoqueiros, mas aquele começou do jeito errado.

— Não, muito obrigado. Não faz o meu tipo — disse, avaliando-o com olhar crítico.

Ele ficou parado, incrédulo por ter sido rejeitado por uma simples mortal. Respirei fundo, me controlei e atirei os dardos com precisão. Acertei o alvo, peguei o urso e entreguei para minha mãe, que permanecia em silêncio, surpresa e com aquele olhar cúmplice que dizia: eu sabia!

— O que aconteceu? Por que está muda? — perguntei.

— Você e aquele moço têm química — respondeu, finalmente, com sorriso travesso.

Olhei para o local onde ele ainda estava parado, desacreditada:

— Claro que não! Eu nem sei quem ele é.

— É aí que está — disse minha mãe. — A energia entre vocês é tanta que eu fiquei paralisada.

Ri nervosa e puxei minha mãe para o outro lado, antes que contasse a ele sobre a “química” que, supostamente, existia entre nós.

Enquanto isso, do outro lado da festa, Marcos observava a movimentação, e suas impressões eram quase cômicas:

"Essa mulher… parece que nasceu para me enlouquecer. Só o olhar dela já me dá um nó na cabeça. E ainda por cima, ela é impossível!"

Frei Francisco se aproximou e chamou Marcos:

— Marcos, tudo bem? Como vai seu pai?

— Está bem, frei. Como sempre, o mesmo homem mandão de sempre — respondeu ele, tentando parecer indiferente, embora o coração estivesse acelerado.

— Você não acha que está na hora de crescer e parar de brigar com seu pai? — perguntou o frei, num tom calmo, quase paternal.

— Eu não brigo com ele, frei. — Marcos deu um meio sorriso amargo. — Ele é quem briga comigo desde que me entendo por gente.

— Ele só quer que você seja feliz.

— Engraçado ouvir isso agora… — Marcos desviou o olhar, mexendo nervoso nos dedos. — Acho que é meio tarde pra ele se preocupar com a minha felicidade, não acha?

— Nunca é tarde para um pai corrigir um erro.

— O problema é que eu não quero ser corrigido. — Ele ergueu o olhar, desafiador. — Sou feliz sendo um “nem”.

— Ninguém é feliz sendo um “nem”, meu filho. Você vai acabar achando um motivo para evoluir. Você é um menino bom, eu vejo isso.

— Só o senhor vê isso, frei. — Marcos riu sem humor. — O resto… o resto só vê o que meu pai fez de mim.

O frei observou Marcos se afastar e suspirou, mergulhado em seus próprios pensamentos. Sabia que a vida daquele rapaz estava prestes a mudar.

O pai de Marcos havia lhe pedido ajuda, queria que ele orientasse o filho a controlar os impulsos, parar de brigar e finalmente amadurecer.

No entanto, o frei se considerava velho demais para exercer tal influência e temia que Marcos não desse ouvidos às suas palavras. Por isso, decidiu que o melhor caminho seria encaminhá-lo ao centro de reabilitação de Ana.

Mal podia imaginar que esse simples encaminhamento seria o primeiro passo para um reencontro que mudaria não apenas a vida de Marcos, mas também a de Ana.

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Comments

AndressaAutora

AndressaAutora

Ela tá levando pessoas da reabilitação para uma festa?

2025-09-12

0

Irene Saez Lage

Irene Saez Lage

Hum está interessante sentindo que eu vou gostar muito de ler

2025-09-10

2

AndressaAutora

AndressaAutora

Eu não a culpo, sempre é bom relembrar kkk tenho essa mesma mania com meu filho kkkk

2025-09-12

0

Ver todos
Capítulos
1 A festa do milho
2 Forró,Chutes e Risadas
3 Porta, Risos e Segredos
4 Centro Renascer
5 O primeiro teste
6 Exercícios
7 Vendo Marcos tentar
8 O chiqueiro rebelde
9 O preço da teimosia
10 O preço da responsabilidade
11 Esforço que seduz
12 Entre canções e confissões
13 Um jantar nada discreto
14 O boi fugitivo
15 O suco do destino
16 Doce de cidra
17 Conhecendo o monstro por trás do grasnado.
18 Derrotado por um pato gigante
19 Tem algo estranho no ar
20 Um jantar diferente
21 Os guardiões
22 A roda de viola
23 Estrondos e descobertas
24 Risos que escondem mágoas
25 A jaqueta fantasma
26 Entre jaquetas e provocações
27 Um jantar colorido
28 Dá um beijo nele Marcos
29 Ser da roça não é fácil
30 Moleque insolente
31 O escudo
32 Isso é comida de verdade?
33 Vitória Dobrada
34 O banho de Pingo
35 O banquete
36 O milagre da vida
37 Não!
38 Marcos está tentando
39 Provocações
40 Aqui todos temos partes quebradas.
41 Minha parte quebrada
42 Café da manhã e o ex
43 A horta
44 Bebe Felipe!
45 Ele me entende
46 Entre a proteção e a confiança
47 Colhe o milho direito, menino
48 O ganso que sabia demais
49 O ganso cupido
50 Depois do beijo
51 Estamos namorando?
52 Agora é pra valer
53 Uma noite sem fim
54 Amanhecer e ganso guardião.
55 Dando banho nos bois
56 Cosmos e Mística
57 Uma noite na Expo
58 Diamante vai desfilar
59 PROBLEMAS
60 Entre risos e verdades
61 Um anoitecer tranquilo
62 Vou adotar André
63 Você vai ser meu pai?
64 Visita oficial
65 Uma cartela de camisinhas
66 O que foi? Eu também sei fazer piadas.
67 Cuidado com minhas plantas
68 A visita do García
69 Verdade dolorosa
70 Agora eu tenho uma família
71 Prova de naturidade
72 Fotos e risadas
73 Finalmente o gol
74 Epílogo: Um ano de amor e risos
Capítulos

Atualizado até capítulo 74

1
A festa do milho
2
Forró,Chutes e Risadas
3
Porta, Risos e Segredos
4
Centro Renascer
5
O primeiro teste
6
Exercícios
7
Vendo Marcos tentar
8
O chiqueiro rebelde
9
O preço da teimosia
10
O preço da responsabilidade
11
Esforço que seduz
12
Entre canções e confissões
13
Um jantar nada discreto
14
O boi fugitivo
15
O suco do destino
16
Doce de cidra
17
Conhecendo o monstro por trás do grasnado.
18
Derrotado por um pato gigante
19
Tem algo estranho no ar
20
Um jantar diferente
21
Os guardiões
22
A roda de viola
23
Estrondos e descobertas
24
Risos que escondem mágoas
25
A jaqueta fantasma
26
Entre jaquetas e provocações
27
Um jantar colorido
28
Dá um beijo nele Marcos
29
Ser da roça não é fácil
30
Moleque insolente
31
O escudo
32
Isso é comida de verdade?
33
Vitória Dobrada
34
O banho de Pingo
35
O banquete
36
O milagre da vida
37
Não!
38
Marcos está tentando
39
Provocações
40
Aqui todos temos partes quebradas.
41
Minha parte quebrada
42
Café da manhã e o ex
43
A horta
44
Bebe Felipe!
45
Ele me entende
46
Entre a proteção e a confiança
47
Colhe o milho direito, menino
48
O ganso que sabia demais
49
O ganso cupido
50
Depois do beijo
51
Estamos namorando?
52
Agora é pra valer
53
Uma noite sem fim
54
Amanhecer e ganso guardião.
55
Dando banho nos bois
56
Cosmos e Mística
57
Uma noite na Expo
58
Diamante vai desfilar
59
PROBLEMAS
60
Entre risos e verdades
61
Um anoitecer tranquilo
62
Vou adotar André
63
Você vai ser meu pai?
64
Visita oficial
65
Uma cartela de camisinhas
66
O que foi? Eu também sei fazer piadas.
67
Cuidado com minhas plantas
68
A visita do García
69
Verdade dolorosa
70
Agora eu tenho uma família
71
Prova de naturidade
72
Fotos e risadas
73
Finalmente o gol
74
Epílogo: Um ano de amor e risos

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