Corações em Guerra

Corações em Guerra

Capítulo 1

Eveline

Dizem que toda jovem sonha com o dia em que usará um vestido digno de ser lembrado, quando as portas de um grande salão se abrem e todos os olhares se voltam para ela como se fosse o centro de um universo encantado. Mas aprendi cedo que nem todos os sonhos pertencem às sonhadoras, e nem sempre os olhares que nos seguem carregam admiração. Alguns pesam como correntes invisíveis, e não há seda, nem rendas, nem joias capazes de disfarçar a sensação de estar presa em um destino que nunca escolhi.

Naquela noite, quando as chamas dos candelabros espalhavam um brilho dourado pelas paredes cobertas de tapeçarias, minha mente não estava no burburinho das damas ansiosas por comentários, nem no tilintar dos copos de cristal. Estava apenas no som da voz de meu pai, repetida em minha cabeça como uma sentença irrecorrível: “Você será a esposa do conde Damian Blackthorn.”

Pouco importava que eu nunca tivesse visto esse homem além de retratos frios, pintados com cores que escondiam mais do que revelavam. Pouco importava que meu coração nunca tivesse batido de forma desordenada por sua lembrança, como acontece com as jovens que suspiram por cavalheiros nos bailes de verão. O que importava era o peso de um acordo, um tratado silencioso entre famílias que viam em mim não uma filha, não uma mulher, mas uma moeda de troca.

Apoiada na sacada do salão, observava as carruagens chegarem uma após a outra, cada uma trazendo mais convidados, mais testemunhas da vida que se fechava sobre mim como uma armadilha dourada. E tive a estranha sensação de que, de todos os corações reunidos naquela noite, o meu era o único que não estava em festa. Batia em guerra, sim, mas não uma guerra feita de espadas e sangue, como as que os homens narravam com orgulho nas tavernas. Era uma guerra silenciosa, travada dentro de mim, entre o dever e o desejo de ser dona da minha própria história.

Enquanto as damas riam em grupos, abanando-se com leques coloridos, e os cavalheiros disputavam entre si a graça de conduzi-las à pista de dança, minhas mãos se enroscaram na renda da saia do vestido cor-de-rosa antigo que minha mãe insistira em que eu usasse. A cor era delicada, suave, mas em minha pele parecia um lembrete cruel de que ainda me viam como uma menina, frágil e moldável. Mal sabiam que, por dentro, eu me sentia como aço sendo forjado: pressionada, aquecida até quase se partir, mas pronta para resistir.

Foi nesse instante que o salão inteiro pareceu prender a respiração. O heraldo anunciou com voz firme:

— Lorde Damian Blackthorn.

A música hesitou, os murmúrios se espalharam como um incêndio. E eu soube que meu destino tinha acabado de atravessar aquelas portas então ele surgiu no limiar como uma sombra sólida, distinta de todos os demais homens presentes. Era como se o ar tivesse mudado de densidade no instante em que Damian Blackthorn atravessou as portas. As damas ergueram leques, algumas sufocando exclamações abafadas, e até os cavalheiros se remexeram, inquietos. Não era apenas por seu título ou pelas histórias que o acompanhavam sobre guerras vencidas, duelos sobrevividos, inimigos derrotados. Era porque ele carregava tudo isso no corpo, no olhar, na postura que não pedia licença, mas conquistava espaço.

A primeira coisa que notei foi a altura dele, imponente sem esforço, envolta em um casaco negro que parecia absorver a luz ao redor. Medalhas discretas brilhavam em seu peito, símbolos das batalhas que havia travado em terras distantes, mas foi seu semblante que me atingiu como um golpe invisível. O rosto firme, marcado por linhas de dureza, não exibia orgulho pelas vitórias, apenas cicatrizes que não estavam gravadas apenas na pele, mas nos olhos. Eram olhos escuros, profundos, que pareciam ver além da superfície, e quando por um instante encontraram os meus, senti uma estranha vertigem.

Não havia ternura neles. Não havia o calor de um galanteador que busca cortejar. Havia algo mais complexo — uma mistura de cálculo, silêncio e uma intensidade que fez meu coração falhar uma batida. Era como ser vista por inteiro, como se todos os pensamentos que eu tentava esconder se tornassem evidentes. Apertei os dedos contra a renda do vestido, lutando para não desviar o olhar, embora cada fibra do meu corpo implorasse por fuga.

Meu pai, claro, avançou imediatamente. Seus olhos brilhavam de satisfação ao receber o conde, como se cada sorriso, cada gesto estivesse milimetricamente planejado para consolidar a aliança que tanto desejava. Eu, porém, fiquei imóvel, como uma prisioneira aguardando a sentença. Até que, inevitavelmente, fui chamada:

— Esta é minha filha, Lady Eveline Whitmore.

O nome pareceu ecoar no salão, e não havia recuo possível. Caminhei em direção a eles com passos medidos, mas em meu íntimo cada passo era o arrastar de correntes invisíveis. Damian inclinou a cabeça em saudação, e quando sua voz soou pela primeira vez, grave e precisa, percebi que ela tinha o mesmo efeito de sua presença: não precisava ser alta para dominar.

— Lady Eveline.

Meu nome nunca soara tão diferente, como se não me pertencesse mais. Fiz uma reverência contida, mantendo o sorriso protocolar, e respondi:

— Lorde Blackthorn.

Pensei que a troca terminaria ali, um gesto formal selado pela etiqueta, mas o conde surpreendeu-me ao se inclinar levemente, reduzindo a distância entre nós. Sua voz chegou apenas a mim, baixa e firme, como uma confidência proibida:

— Seus olhos não mentem, Lady Eveline. Não deseja estar aqui.

O impacto foi imediato. Por um segundo, o salão inteiro pareceu desaparecer. Não era comum que homens ousassem tamanha franqueza, muito menos em uma primeira apresentação. Ele não falava de beleza, de trajes, de música — falava de mim, daquilo que eu tentava esconder sob camadas de silêncio.

Recuperei-me como pude, mantendo o sorriso nos lábios, mas minha resposta saiu quase como um sussurro:

— Talvez meus olhos apenas revelem o cansaço de uma noite longa.

O leve arqueamento de sua sobrancelha mostrou que não se deixava enganar. Um sorriso breve, frio e enigmático, atravessou seu rosto.

— Ou talvez revelem algo que não pretende confessar.

Meu coração disparou, e pela primeira vez percebi que não estava diante apenas de um conde, mas de um estrategista. Ele sabia observar, ler, sondar. E, de alguma forma, entendi: esse homem não se contentaria com máscaras.

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Comments

NATALIA CAMPOS

NATALIA CAMPOS

Lendo agora e já gostando 01-09-25 AS 06:04

2025-09-01

1

Dulce Gama

Dulce Gama

começando 31/08/25

2025-08-31

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