A luz do sol atravessava a cortina espessa do quarto, projetando uma faixa dourada sobre o tapete. Ayla já estava acordada, sentada à beira da cama. Tinha dormido pouco — o colchão era macio demais para quem estava acostumada ao chão duro de quitinetes apertadas — mas ainda assim, havia algo silenciosamente reconfortante naquele lugar.
O quarto era silencioso. O único som era o leve farfalhar das folhas além da janela. Ayla levantou-se e caminhou descalça até ali. Ao puxar a cortina com cuidado, seus olhos se arregalaram: o jardim era vasto, florido, com caminhos sinuosos entre arbustos podados e fontes adormecidas. Nunca tinha visto algo assim de perto.
Até que o som de uma batida na porta a arrancou dos pensamentos
— Entre — disse ela, ajeitando os cabelos com as mãos.
Victorio apareceu com uma bandeja por cima de uma caixa de madeira nas mãos. Usava o mesmo traje impecável da noite anterior, com o cabelo tão perfeitamente penteado quanto a postura.
— Bom dia, senhorita. Trouxe o desjejum e algumas roupas. Espero que sirvam.
Ayla sorriu.
— Obrigada, senhor Victorio.
O homem colocou a bandeja sobre a mesa ao lado da janela — havia pães artesanais, frutas, café e suco — e deixou a caixa de madeira sobre a poltrona.
— São vestidos simples, mas adequados à rotina da casa. Tecido italiano. A senhorita pode escolher o que for mais confortável.
— Obrigada... — Ayla passou a mão com delicadeza sobre o linho claro e engomado. Era tudo novo, limpo, cheiroso.
Victorio cruzou as mãos nas costas.
— A senhorita terá uma rotina definida, se desejar permanecer aqui.
— Quero sim — disse Ayla, com firmeza.
— A senhora Marchezzi acorda cedo. Espera o chá às sete em ponto, o café às oito, sempre no escritório. — Ele fez uma breve pausa. — Além disso, deverá organizar papéis e documentos sob minha supervisão ou diretamente com ela, conforme for instruída. Também ajudará na biblioteca, se for requisitada.
Ayla assentiu com seriedade.
— Certo. Posso perguntar uma coisa?
— Claro.
— Onde... onde eu como? E posso caminhar pelo jardim? Eu vi da janela. É enorme.
Victorio soltou um leve sorriso.
— O almoço é servido ao meio-dia na copa dos funcionários. Posso acompanhá-la até lá. Quanto ao jardim... — ele olhou para fora por um instante. — Sim, pode caminhar. Mas somente após o expediente. Regras da casa.
Ayla sorriu.
— Já é mais do que eu imaginava.
— E lembre-se — continuou ele —, a discrição é essencial aqui. A senhora Marchezzi preza pelo silêncio, pontualidade... e distância.
— Distância? — Ayla franziu a testa.
— Ela... não gosta que ultrapassem certos limites.
Ayla encarou a xícara de café fumegante e assentiu devagar.
— Eu entendo.
Victorio observou a jovem por um instante. Havia nela algo de leveza e resistência misturados — como flor que brota no concreto.
Ele então curvou a cabeça e saiu, deixando a porta entreaberta.
A nova rotina tinha começado.
[...]
Com as mãos firmes, mas o coração acelerado, Ayla colocou a xícara sobre a bandeja. O aroma do chá preto com um toque de bergamota subia no ar, misturando-se ao leve cheiro de madeira encerada e rosas antigas da cozinha dos fundos.
Victorio havia mostrado onde estavam as louças apropriadas, a chaleira de cobre e os sachês importados que Aurora preferia. Tudo era meticuloso. Organizado. Com ares de ritual.
Ayla endireitou o corpo, respirou fundo e pegou a bandeja com as duas mãos. Os passos ecoavam suaves no corredor de mármore claro, sob os olhos imóveis de retratos antigos nas paredes. Nenhum deles sorria.
No fim do longo corredor térreo, uma porta de madeira escura se impunha. Alta, simples e sólida. Ali ficava o escritório de Aurora.
Ela hesitou por um segundo.
Depois bateu suavemente.
— Entre — veio a voz grave e direta, sem emoção.
Ayla girou a maçaneta com cuidado e entrou.
O escritório era amplo, revestido por estantes altas repletas de livros. Havia uma lareira acesa, uma mesa de carvalho imponente e cortinas semiabertas deixando entrar a luz do jardim lateral. A temperatura ali era agradável, mas o ar... o ar era opressor.
Aurora estava sentada à mesa, vestida com um blazer cinza escuro e camisa branca de seda. Os cabelos loiros estavam presos com perfeição, os olhos fixos em alguns documentos.
Ela não olhou.
Ayla fechou a porta com cuidado e se aproximou em silêncio, sentindo o peso de cada passo no tapete espesso. Colocou a bandeja com cuidado sobre o aparador lateral.
— Chá — disse ela, com a voz baixa mas firme.
Aurora apenas assentiu com um leve movimento da cabeça. Pegou a xícara sem tirar os olhos dos papéis.
Ayla ficou parada por um instante, sem saber se deveria dizer algo. Aurora parecia uma pintura viva: rígida, fria, distante. A cada movimento seu, o ambiente parecia se retrair.
— Precisa de mais alguma coisa? — perguntou Ayla, quase num sussurro.
— Não.
Silêncio.
Ayla assentiu e se virou para sair. Mas antes de alcançar a porta, ouviu a voz da mulher novamente. Agora mais baixa, mas ainda controlada.
— Está com medo de mim?
A jovem parou. Olhou de lado, sem se virar por completo.
— Não... Devia estar?
Ayla se virou lentamente, encarando pela primeira vez aqueles olhos azuis que pareciam atravessar tudo.
— Eu acho que você não é tão assustadora quanto tenta parecer.
Aurora arqueou a sobrancelha, finalmente olhando diretamente para a garota. Pela primeira vez, realmente a olhou.
Ayla sustentou o olhar. Havia verdade ali — e algo mais... teimosia? Coragem? Inocência, talvez.
Aurora então desviou os olhos de volta para a xícara. Tomou um gole e disse, com tom autoritário:
— Volte em trinta minutos.
Ayla assentiu sem protestar. Abriu a porta devagar e saiu, fechando com o mesmo cuidado de quem lida com uma fera adormecida.
No corredor, soltou o ar que havia prendido nos pulmões.
Ela não sabia exatamente o que estava fazendo ali.
Mas alguma coisa — algo silencioso e inexplicável — dizia que não queria ir embora.
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Atualizado até capítulo 63
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