O carro cortava a madrugada silenciosa de Porto Della Luce como uma sombra com faróis. O interior do sedã era escuro e elegante, com cheiro suave de couro e uísque no interior. Ayla sentava-se no banco do passageiro, com as mãos no colo, sem saber onde olhar ou o que dizer.
Tentou quebrar o silêncio.
— Seu carro é... muito bonito.
Aurora manteve os olhos na estrada. Não respondeu.
Ayla mordeu o lábio e tentou de novo:
— Obrigada, de novo. Por tudo. Eu... nem sei o que teria acontecido se...
Nada.
Aurora permanecia calada. O rosto iluminado apenas pelo painel e pelos postes que cruzavam o caminho. Um perfil de escultura: rígido, inquebrável.
Ayla suspirou baixo, vencida. Encostou-se no banco, tentando não parecer desconfortável. Lá fora, as ruas mudavam. Saíram do centro histórico e começaram a subir por uma via mais silenciosa, arborizada. As casas deram lugar a mansões cercadas por portões de ferro, jardins iluminados, fachadas antigas cobertas de hera.
A jovem virou o rosto para a janela, encantada.
— Uau... — sussurrou. — É lindo aqui...
Foi então que Aurora falou, sem desviar os olhos da estrada:
— Nunca veio por esses lados?
Ayla se virou depressa, surpresa com a pergunta.
— Não... nunca. No máximo fui até o centro da cidade para fazer faxinas. Algumas casas ali, escritórios, lojas...
— Sozinha?
— Sempre. — respondeu Ayla. — Desde os dezesseis.
Aurora fez um som baixo com a garganta. Não era surpresa, mas ainda assim... incomodava.
— E sua mãe?
A pergunta caiu incômoda no silêncio. Ayla hesitou. Olhou para a estrada à frente antes de responder.
— Fugiu com um homem. Um mais velho, rico. Eu tinha oito anos. Ela disse que ia me buscar... mas nunca voltou.
Aurora não respondeu. O silêncio voltou a preencher o carro.
— Já fazem quinze anos. — completou Ayla, como quem fala para si mesma.
Aurora trocou de marcha e acelerou um pouco. O motor respondeu com suavidade. Mais postes passaram, mais fachadas elegantes. Cada uma mais imponente que a outra.
Ayla encostou a testa na janela. Aquele mundo era diferente demais. Surreal. Parecia parte de um filme. Mas Aurora... aquela mulher dirigindo ao lado dela parecia mais fria do que qualquer mármore daqueles palacetes.
Ainda assim, havia algo magnético nela. Algo que puxava.
Força. Silêncio. E talvez dor.
Ayla olhou para a mulher de novo, tentando decifrar sua expressão.
Mas Aurora não olhava para ela. Nunca olhava diretamente. Como se temesse o que veria — ou o que deixaria transparecer.
Então Ayla, baixinho, quase como um pensamento:
— Aposto que sua mãe nunca te abandonaria...
Aurora não respondeu.
O carro virou à esquerda numa rua estreita, ladeada por árvores altas que quase escondiam a estrada. Não havia casas por perto, nem postes de luz — só o som abafado dos pneus sobre a terra e o rangido sutil dos galhos com o vento.
No alto da colina, apareceu a mansão.
Enorme, silenciosa, com sua fachada de pedra clara e janelas altas. Grades de ferro desenhavam arabescos no portão principal, que se abriu assim que o carro se aproximou. Um sensor, talvez. Ou alguém observando.
— Uau... — Ayla murmurou, os olhos arregalados.
A estrada interna subia entre fileiras de ciprestes alinhados até alcançar a entrada principal: um pátio de pedras circulares com uma fonte desativada ao centro.
A mansão parecia saída de outro tempo. Telhado alto, janelas de madeira escura, portas pesadas, varandas com colunas. Não havia flores. Só o vento.
Aurora desligou o motor e saiu sem dizer nada. Ayla fez o mesmo, hesitante. Quando Aurora abriu a porta principal com uma chave, o rangido foi como o som de um segredo sendo revelado.
O hall de entrada era amplo, com piso de mármore preto e branco. Um lustre de cristal pendiam do teto, e uma escada em curva levava ao segundo andar. As paredes eram cobertas por quadros antigos. Não havia fotos. Nem vozes.
— Você mora aqui... sozinha? — Ayla perguntou, olhando ao redor como quem pisa num santuário.
— Mais ou menos — respondeu Aurora.
Do fundo do corredor, surgiu um homem de estatura média, cabelos brancos penteados para trás e roupas impecáveis, mesmo àquela hora.
— Senhora Marchezzi — ele disse, com um leve aceno de cabeça. — Não esperava esta noite.
Aurora estreitou os olhos, surpresa.
— Ainda acordado, Victorio?
— Insônia — respondeu ele, com leveza. Depois olhou para Ayla com curiosidade contida.
— Leve... a garota para um dos quartos da ala leste. Segundo andar. Escolha um com vista para os fundos.
Ayla olhou para Aurora com uma pontada de medo.
— Não toque em nada. — Aurora se adiantou, a voz cortante. — Não mexa em objetos, gavetas, nem portas que não forem suas. E você não está aqui como convidada.
Ayla apenas assentiu.
— Sim, senhora...
Aurora virou as costas sem responder. Seus saltos ecoaram no mármore até desaparecerem no final do corredor.
Victorio fez um gesto educado com a mão.
— Por aqui, senhorita...
Ayla seguiu o mordomo em silêncio, subindo as escadas enquanto observava o interior com olhos fascinados: o corrimão entalhado, os vitrais coloridos parcialmente cobertos por cortinas elegantes, o cheiro de madeira e cera.
— Ela é sempre assim? — perguntou baixinho.
— Como, senhorita?
— Fria.
Victorio olhou para ela, depois para a escada.
— Ela já foi outra coisa. Há muito tempo.
Ayla não respondeu. Quando chegou ao quarto, prendeu a respiração. O cômodo era grande, com cama de dossel, tapete macio, lareira apagada, poltronas vermelhas e cortinas grossas. Parecia um quarto de princesa. Ou de alguém que não sonha mais.
Enquanto isso, Aurora entrava no escritório no térreo. Sentou-se atrás da mesa. Ficou ali, em silêncio. O rosto iluminado apenas pelo abajur antigo.
E pensou:
“Eu deveria tê-la deixado naquele beco.”
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Atualizado até capítulo 63
Comments
Dety
Essa história é boa mesmo
2025-09-02
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