Carmilla estava prestes a dar o último passo quando parou. Seus saltos fizeram um som seco no piso de madeira polida. Ela não se virou de imediato, apenas deixou que o silêncio se estendesse como um fio prestes a se romper. Greta respirou fundo, tentando recuperar o controle que Carmilla sempre fazia questão de arrancar dela.
— Na verdade... — A voz de Carmilla soou baixa, mas firme, com aquela entonação perigosa que carregava segredos. Ela se virou devagar, como se tivesse todo o tempo do mundo, os olhos percorrendo Greta de cima a baixo. — Tenho uma proposta.
Greta arqueou uma sobrancelha, disfarçando a surpresa com sarcasmo.
— Proposta? Essa palavra soa estranha vinda de você.
Carmilla sorriu de canto, um sorriso que não trazia leveza, apenas veneno doce.
— Não precisa ter medo. Não é nada... imoral. — fez uma pausa, o olhar mergulhando no dela, intenso demais. — Quer dizer... não mais do que nós já somos.
Greta deixou escapar uma risada seca.
— Está bêbada ou só enlouqueceu de vez?
— Estou sóbria. — Carmilla se aproximou de novo, lenta, arrastando a sombra pelo chão, até ficar a poucos centímetros dela. O perfume voltou a queimar o ar. — Tenho um caso. E preciso de você.
Greta quase riu outra vez, mas algo no tom dela a fez parar.
— Você? Precisando de mim? Isso é novo.
— Chame de estratégia. — Carmilla apoiou as mãos na mesa, inclinando-se de modo que os rostos quase se tocassem. — Ou chame do que quiser. A questão é simples: se eu cair, não vou sozinha. E você sabe disso.
O coração de Greta acelerou, embora ela tentasse parecer inabalável.
— E por que eu aceitaria?
Carmilla não hesitou. A resposta veio afiada, certeira, como uma lâmina acariciando a pele:
— Porque eu sei muito bem que você ama mais do que a própria vida o mistério das investigações mais perturbadoras.
Greta sustentou o olhar, tentando decifrar até onde ia aquela ousadia. Mas, no fundo, Carmilla tinha razão — e isso a enfurecia.
— Isso soa como provocação. — disse, a voz carregada de tensão.
Carmilla sorriu com lentidão, como quem sabe que já venceu meio jogo.
— Não. Soa como oportunidade.
Ela pegou a bolsa, ajeitou os cabelos e deu alguns passos, sem pressa. Antes de sumir pela porta, lançou a última farpa:
— Amanhã, nove da manhã, no seu escritório. Se não aparecer, vou entender que perdeu o gosto pelo perigo.
Saiu, deixando atrás de si um rastro de perfume, veneno e perguntas sem resposta. Greta permaneceu imóvel, com o sangue pulsando nas têmporas, a respiração pesada e uma única certeza martelando: Carmilla tinha acabado de abrir uma porta da qual talvez ela não quisesse mais sair.
...(...)...
O apartamento de Carmilla era um contraste cruel com o caos que ela carregava por dentro: minimalista, linhas retas, vidro e concreto, tudo impecável. Apenas as luzes baixas da cidade atravessavam as cortinas, recortando sua silhueta enquanto ela largava os saltos perto da porta e se servia de um gole generoso de uísque.
No silêncio cortante, apenas o som do líquido preenchendo o copo.
Ela caminhou até a mesa de centro, onde uma pasta preta estava aberta, revelando fotografias, relatórios e transcrições de depoimentos. Rostos femininos a encaravam das imagens. Mortas. Todas.
Carmilla puxou a primeira foto. Uma mulher jovem, olhos vazios, corpo largado às margens de uma estrada. A legenda no canto: Vítima 1 – 14/02. Outra foto, outra mulher. Mesmo padrão. Mesmo desfecho.
Ela apoiou os cotovelos na mesa, massageando as têmporas com um gesto cansado, mas os olhos permaneciam afiados.
— Filho da puta... — murmurou para si mesma, encarando uma frase sublinhada no relatório. “Sem sinais de violência sexual. Marcas no pescoço indicam estrangulamento manual.”
Pegou o gravador, pressionou play. Uma voz masculina soou, calma demais para quem descrevia um crime.
— “Nunca quis machucá-las... só queria que ficassem quietas.”
Os lábios de Carmilla se curvaram num meio sorriso sombrio.
— Querido, você escolheu a advogada errada para me fazer perder o sono.
Virou a bebida num só gole, o sabor queimando a garganta como o ódio que ela sentia.
Puxou outro envelope. Fotos mais recentes. Desta vez, uma nova vítima — e a data era de três dias atrás. O padrão era o mesmo.
Ela respirou fundo, puxou a gaveta da mesa e tirou um pen drive. Conectou ao notebook. Na tela, vídeos com títulos frios: Cena 1. Sala escura. Cena 2. Rosto parcialmente visível.
Clicou no primeiro. A imagem tremeu antes de revelar um quarto mal iluminado. A vítima sentada, amarrada. Uma sombra masculina passando ao fundo. Carmilla inclinou a cabeça, olhos cravados no frame.
— Aí está você...
Pausou. Deu zoom. Uma tatuagem no pulso. Pequena, mas nítida. Um símbolo que ela reconhecia muito bem.
O coração bateu mais rápido, não por medo, mas pela adrenalina. Porque aquela marca pertencia a alguém que jamais deveria aparecer ali.
Carmilla fechou o notebook com força.
— Droga.
Levantou-se e andou até a janela, observando a cidade mergulhada no breu. Pensou em Greta. Pensou no olhar dela, na resistência que disfarçava o vício pela verdade.
Amanhã, Greta pisaria no inferno junto com ela. Só ainda não sabia disso.
E Carmilla, sorrindo de canto, sabia que não havia retorno depois desse caso. Nem para elas, nem para quem ousou cometer esses crimes.
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Atualizado até capítulo 65
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