A sala de jantar era um espetáculo arquitetônico: lustres de cristal lançando reflexos dourados sobre a mesa de linho branco impecável, castiçais polidos cintilando e uma orquestra invisível tocando apenas na cabeça de Clara Castilho, que sorria enquanto servia os pratos. O aroma das especiarias invadia o ar, mas para Carmilla tudo tinha gosto de passado azedo.
Ela se sentou à cabeceira sem pedir, os saltos escarlates cruzando o chão com a elegância de quem domina territórios. Victor assistiu ao gesto com um meio sorriso debochado. Antônio, do outro lado, fitava-a como quem encara um réu — mas sem júri para defendê-la.
— Como é bom ver todos aqui de novo — disse Clara, tentando preencher o silêncio tenso. — Como nos velhos tempos…
Carmilla ergueu a taça, girando o vinho como se contemplasse sangue fresco.
— Os velhos tempos estão mortos, mamãe. E eu nem tive tempo de mandar flores.
Victor deixou escapar uma risadinha, abafada contra a mão. Antônio, imóvel, não riu. Mas o maxilar travado dizia tudo.
Clara tentou não notar.
— Ainda somos uma família. Isso nunca muda.
Carmilla pousou a taça e cruzou as pernas com a calma de uma serpente.
— Família é uma palavra bonita… até você olhar por trás da cortina.
Foi quando Antônio decidiu atacar. Pousou os talheres, fixou nela aqueles olhos cinzentos carregados de julgamento.
— Eu li sobre o seu último caso, Carmilla.
Ela ergueu uma sobrancelha, fingindo surpresa, como quem saboreia a primeira dentada de um jogo perigoso.
— Ah, leu? Que curioso… Não sabia que ainda acompanhava o sucesso da filha que sempre desprezou.
O sorriso dele foi seco, frio.
— Você jogou um dos meus sócios mais antigos na prisão máxima.
O silêncio explodiu como um tiro. Clara deixou a faca cair no prato com um tinido agudo. Victor se recostou na cadeira, olhos brilhando de diversão.
Carmilla apoiou os cotovelos na mesa, entrelaçando os dedos diante do rosto, um sorriso felino iluminando seus lábios pintados de vermelho.
— E daí? Ele era culpado. Corrupção ativa, lavagem de dinheiro, fraude processual… Quer que eu continue?
Antônio se inclinou para frente, os olhos faiscando com algo entre raiva e ferido orgulho.
— Ele era leal à nossa família.
— Leal? — Carmilla riu, um som baixo e venenoso. — Ele estava sugando você como um parasita, e você… cego, preso ao seu maldito ego. Fiz o que ninguém da sua diretoria teve coragem.
Antônio bateu com a palma da mão na mesa, fazendo as taças vibrarem.
— Você me expôs. Expôs o nome dos Castilho!
Carmilla inclinou a cabeça para o lado, os olhos faiscando com uma chama obscura.
— Está se doendo pela falta de competência, papai? Ou porque eu mostrei ao mundo que sua “família de honra” é um castelo de cartas?
Victor assobiou baixo, contendo a vontade de rir. Clara, aflita, entrou no meio como quem tenta conter duas feras.
— Chega! Não é hora para isso. Estamos juntos depois de tanto tempo…
Carmilla levantou a taça, os olhos presos aos do pai.
— Não se preocupe, mamãe. Só estamos… trocando cortesias.
O silêncio voltou, cortante, até que Victor soltou a bomba com um sorriso sacana:
— E então, mana… Já contou por que realmente voltou?
Carmilla bebeu um gole lento, o vermelho do vinho tingindo seus lábios como sangue.
— Ainda não. — O sorriso se alargou, cruel. — Mas ele vai descobrir… muito em breve.
...[...]...
...Entre Processos e Veneno...
O relógio marcava quase dez da noite, mas a luz ainda queimava no 38º andar da Alercest & Vasques Advocacia, um império de vidro e aço que refletia a cidade lá embaixo como um poço de luzes inquietas. Greta Alercest estava sozinha no escritório, cercada por pilhas de documentos e um silêncio quebrado apenas pelo som seco do virar de páginas e pelo gotejar monótono da chuva contra a janela.
Seu paletó cinza grafite pendia na cadeira; a camisa branca, impecável, grudava levemente à pele pelo calor da tensão acumulada. Greta massageou as têmporas com os dedos, os olhos cansados acompanhando a mesma linha do relatório pela terceira vez: fraude, corrupção, lavagem… e nada de prisão.
— Desgraçado protegido até os ossos… — murmurou, jogando a caneta contra a mesa com um estalo.
Aquele homem era intocável. Denunciado dezenas de vezes, envolvido em esquemas que fariam qualquer promotor corar de vergonha… e ainda assim, sempre livre, sempre blindado por advogados sujos, políticos e favores imorais.
Greta recostou na poltrona de couro, os olhos fixos na parede de vidro diante dela, onde o reflexo devolvia uma imagem que pouca gente conhecia: uma mulher de traços frios, cabelo negro perfeitamente alinhado, lábios que raramente sorriam — e que, quando sorriam, faziam sangue correr.
Foi então que o telefone vibrou. Não o corporativo. O pessoal. Um número que ela não via há cinco anos.
Carmilla Castilho.
O nome brilhou na tela como uma lâmina iluminada pelo luar. Greta sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha, não de medo, mas de algo mais perigoso: memórias. Olhares afiados como punhais nos corredores da faculdade. Discussões que terminavam com portas batendo e respirações entrecortadas. Um ódio tão intenso que quase… queimava.
Ela não atendeu. Apenas deixou o aparelho vibrar sobre a mesa até silenciar. Pegou a taça de vinho — o terceiro copo da noite — e deu um gole longo, deixando o calor alcoólico descer como uma promessa obscura.
— Então… ela voltou. — A frase saiu num sussurro, como se confessar para as paredes aliviasse a pressão no peito.
Mas Greta sabia: se Carmilla estava de volta, nada seria calmo. Nada seria simples. O jogo recomeçava — e desta vez, não haveria regras.
Quando o celular vibrou novamente, com uma mensagem curta, Greta sentiu os dedos tremerem de expectativa e raiva contida:
“Vejo você no tribunal, Alercest.”
Greta fechou os olhos, respirando fundo, antes de soltar uma risada baixa e amarga.
— Maldita vadia arrogante…
Ela pegou o casaco, o som do salto ecoando no chão de mármore enquanto saía do escritório. A noite lá fora era um convite perigoso. E Greta estava pronta para aceitá-lo.
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Atualizado até capítulo 65
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