O Primeiro Olhar

A chuva caía como se o céu estivesse tentando lavar os pecados daquela cidade. Alice encarava o vidro embaçado do café, os olhos seguindo distraidamente os pingos que desciam pela janela, como se cada gota contasse uma história melhor do que a dela.

Era só mais uma noite entediante.

Ela limpava uma mesa quando ouviu o sino da porta tocar. Nem se deu ao trabalho de olhar. Provavelmente mais um cliente fugindo da chuva, buscando abrigo e café barato. Mas algo nela — aquele frio na espinha que nunca a deixava em paz — se manifestou antes que ela percebesse. Um arrepio subiu pela nuca. As mãos pararam no ar, ainda segurando o pano. Só então ela se virou.

Ele estava ali.

De pé na entrada, com o capuz da jaqueta preta ainda pingando da chuva, os olhos escuros varrendo o ambiente como se procurassem algo... ou alguém. Quando os olhos dele encontraram os dela, Alice teve a estranha sensação de que ele já sabia exatamente onde ela estava. E pior: como ela era por dentro.

Engoliu em seco.

— Posso te ajudar? — disse, tentando manter a voz firme, mesmo com o coração batendo forte demais.

— Um café. Preto. E você. — Ele falou com calma, mas havia algo na voz dele que fazia a frase parecer muito mais do que um pedido inocente.

Alice piscou, confusa.

— Desculpa?

— Quero um café preto. Sem açúcar — ele repetiu, sorrindo de lado. Mas os olhos... ah, os olhos não sorriam.

Ela virou de costas, sem responder. O café parecia mais silencioso do que nunca, como se o mundo inteiro tivesse prendido a respiração naquele instante.

Enquanto preparava o pedido, tentava entender por que estava tão abalada. Era só um cara bonito, certo? Alto, olhar intenso, pele clara contrastando com o preto da roupa. Devia estar acostumada com homens daquele tipo aparecendo por ali. Mas havia algo diferente. Algo errado. Ou talvez… perigosamente certo.

Quando voltou à mesa, colocou a xícara diante dele com um leve tremor nas mãos.

— Aqui está.

— Obrigado... Alice.

Ela congelou.

— Como você sabe meu nome?

Ele deu outro sorriso enigmático e levou a xícara aos lábios.

— Você me disse. — Mas ela tinha certeza de que não.

— Você é nova na cidade? — arriscou ela, tentando recuperar o controle.

— Não. Só estava esperando a hora certa de aparecer.

Alice sentiu como se o chão sob seus pés tivesse se tornado instável. Ela queria fugir, mas também queria ficar. Algo naquele homem puxava sua curiosidade como um ímã. Era como se ele carregasse respostas que ela nem sabia que procurava.

— Quem é você?

Tyler pousou a xícara devagar, os olhos fixos nela.

— Alguém que você vai conhecer muito melhor... em breve.

Alice não respondeu. Só ficou ali, olhando para ele como se olhasse para a própria sombra.

Naquela noite, o mundo dela virou.

E no fundo, bem no fundo, uma parte dela — a parte que vivia em silêncio desde que perdeu os pais — sussurrou algo que ela não ousava admitir:

Ela queria mais.

Mesmo sabendo que mais significava mergulhar de vez na escuridão.

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