O apartamento parecia maior sem ela.
Kai notou isso logo depois que Lily saiu pela porta, mochila nos ombros e caderno apertado contra o peito. Tinha deixado um bilhete grudado na geladeira, simples, direto:
“Primeiro dia na universidade. Volto depois das 17h :)”
Ele ficou olhando para o papel por tempo demais. Não porque ela não voltaria. Mas porque... estranhamente, ele queria que ela voltasse logo.
Acendeu um cigarro, mas apagou na metade.
Ligou a TV, mas o som pareceu alto demais.
Pegou a guitarra, tocou dois acordes, e parou. Era inútil. A melodia estava toda nela.
Lily desceu do ônibus com o estômago apertado. A universidade era grande, moderna, cheia de pessoas que andavam rápido e falavam mais rápido ainda. Tudo parecia gritar em volta — buzinas, passos, conversas. Mas ela respirou fundo, ajustou o aparelho auditivo e seguiu.
Era a primeira vez em muito tempo que enfrentava algo assim sozinha. Um novo ambiente, um novo começo.
Mas ela queria isso.
Tinha vindo até Seul pra isso.
Fez a matrícula com a ajuda de uma funcionária gentil. Recebeu panfletos, um mapa, um crachá. Depois encontrou a sala, sentou no fundo e desenhou no canto do caderno enquanto os outros chegavam. Sentia o peso dos olhares quando as pessoas percebiam o aparelho na orelha, mas fingia não ver.
Até que uma garota se sentou ao lado dela e sorriu.
— Você é nova aqui, né?
Lily assentiu.
A menina apontou para o aparelho, com cuidado.
— Quer que eu fale mais devagar?
Lily sorriu, genuinamente.
“Sim, por favor.” — escreveu.
E pela primeira vez naquele dia, o barulho pareceu menos pesado.
Kai estava na sala. Camiseta preta, cabelo bagunçado, corpo estendido no sofá como se quisesse virar parte dele. Mas a mente não parava.
Ele revivia cada instante desde que Lily entrara na sua vida — o primeiro olhar, a descoberta da surdez, os bilhetes, a pizza, a noite em que ela o encontrou em pedaços e simplesmente... ficou.
Ela não precisava. Mas ficou.
E agora ele sentia falta até do jeito que ela mexia o açúcar no café.
Era absurdo.
Ele não se apegava.
Mas com Lily era diferente. Era como se ela fosse feita de alguma coisa que ele sempre quis tocar, mas nunca soube nomear.
Tinha algo nela que o desmontava.
A calma, o jeito contido, o silêncio que ela carregava sem vergonha. E mais que tudo: o modo como ela não esperava nada dele, mas mesmo assim ele queria dar tudo.
Kai se levantou, impaciente, e foi até o quarto dela. A porta estava entreaberta. No criado-mudo, o livro que ela lia. No chão, uma meia esquecida. A cama arrumada — exceto por um travesseiro amassado do lado que ela dormiu.
Ele sorriu sozinho.
Depois foi até o estúdio, pegou o caderno de letras e começou a escrever.
“Ela fala com os olhos.
E cala meus gritos.
É no silêncio dela que eu me escuto.”
Fechou os olhos e sussurrou para si mesmo:
— Merda... eu gosto dela.
E dessa vez, o silêncio no apartamento pareceu alto demais.
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Atualizado até capítulo 32
Comments
Tít láo
Cativada logo de cara.
2025-08-05
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